A morte e os
seus mistérios
Ernesto Bozzano
Parte 23
Continuamos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano,
conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo foi aqui dividido em 24 partes. Nossa expectativa
é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados
Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de: a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. É certo dizer, com base nos fatos observados, que as
imagens psíquicas existem de uma forma externa ao cérebro?
B. Os mecanismos da recordação encontram-se no cérebro ou
fora dele?
C. É possível a um sensitivo hipnotizado repetir uma lição,
seja começando pelo fim, seja começando pelo princípio?
Texto para
leitura
353. "Isto estabelecido – escreveu Bozzano –, volto a
ocupar-me exclusivamente do ‘corpo etérico’, colocando a discussão sobre certas
outras declarações de sonâmbulas dotadas da faculdade de ‘autoscopia interna’,
de agora em diante ligada à ciência e muito bem estudada nestes últimos tempos
pelos Drs. Sollier, Bain, Lemaitre. Sabe-se que esta faculdade consiste no dom
maravilhoso de perscrutar os refolhos mais ocultos do próprio organismo e não
somente macroscopicamente, mas, também, microscopicamente e de modo a
ultrapassar de muito os limites dos instrumentos de que dispõe a ciência. Ora,
se se considera que, cada vez que é dado controlar as declarações de ditas
sonâmbulas, se verifica que, além de descrever, de forma anatomicamente e
fisiologicamente impecável, a estrutura e as funções dos seus órgãos internos,
revelam, também, as condições patológicas deles até os menores detalhes da
dissociação somática, e isto mesmo quando o operador e o sensitivo ignoram
ambos a existência de uma dada lesão no organismo, não há nenhuma razão para
não se crer na lucidez delas nos casos em que revelam particularidades funcionais
ou histológicas escapadas, até o momento, às pesquisas da ciência. Faço alusão,
aqui, às declarações de uma sonâmbula do Dr. Sollier, a propósito das funções
dos centros corticais na exteriorização do pensamento."
354. Eis a passagem em questão, extraída da relação do Dr.
Sollier publicada no número de janeiro da Revue
Philosophique: "Jeanne passa a mão pela fronte, joga a cabeça para
trás, curva-se sobre os rins, depois bruscamente para e diz: ‘Pequenas máquinas
se abriram aqui...’ – ‘Que são estas pequenas máquinas?’ – ‘Pequenas máquinas
que dormiam.’ – ‘Que havia dentro?’ ‘Um pequeno buraco redondo com pontas.’ –
‘O quê, um pincel?’ – ‘Como uma agulha, pequenas câmaras (são os pequenos
buracos de antes) que dormem, são colados; eles são ligados.’ – ‘Para que
servem eles?’ – ‘Servem para que eu pense; estes cantinhos lá, isto fecha e
para continuamente como uma máquina em vibração, exceto os que dormem e ficam
tranquilos.’ – ‘Onde se acham as imagens de que me falastes?’ – ‘Nos pequenos
buracos; quando as pequenas pontas começam a mover-se, a vibrar, isto faz vir a
imagem diante de meus olhos; quando a imagem vem eu não vejo mais os pequenos
buracos; isto toma toda a fronte, mas eu sei que ela está lá dentro, pois que é
de lá que ela sai... Porém as imagens se mantêm por fios aqui (ela mostra o seu
occiput no nível dos lóbulos óticos),
porque, quando elas dormem, não sinto nada lá, mas, quando elas vão vir com as
cores, sinto que isto puxa para trás e para diante, isto começa a movimentar no
lugar, a mover, a vibrar.’ "
355. O Dr. Sollier acrescenta a estas declarações da
sonâmbula a seguinte nota: "Todos os enfermos, que recuperam a sua
sensibilidade cerebral, falam, do mesmo modo, dos pequenos compartimentos, das
pequenas caixas que se põem em ordem, ao mesmo tempo que as ideias se
esclarecem".
356. Segundo Bozzano, a ideia fundamental destas citações é
a de que a sonâmbula vê, nas células cerebrais, pequenas cavidades internas, ou
"pequenas câmaras", revestidas de prolongamentos fibrilares que, quando
param e vibram, fazem surgir a imagem psíquica diante delas, imagem que toma
uma forma objetiva no interior das "pequenas câmaras". Em outras
palavras, durante o processo psíquico da rememoração, ou ideação, toda coisa se
produziria como se as imagens existissem em potência nas cavidades ou
"pequenas câmaras" celulares, de onde as vibrações fibrilares as
fariam surgir a serviço do
"eu" consciente.
357. Ora, tudo isto implica a ideia de que as imagens
psíquicas existem de uma forma externa ao órgão cerebral. E precisamente nos
interstícios celulares denominados "pequenas câmaras" pela sonâmbula,
campo de ação presumível do "corpo etérico".
358. Se era isto, seria preciso pensar daí que o lado
físico do processo de ideação consiste justamente no seguinte: que, no meio de
prolongamentos fibrilares vibrando em um meio reservado à ação do "corpo
etérico" vai se estabelecer a relação necessária entre os centros
corticais, registradores automáticos das tonalidades vibratórias variadas,
chegadas até eles pelas vias sensoriais, e o "corpo etérico",
depositário das imagens psíquicas
correspondentes.
359. Esta concepção das funções cerebrais, a respeito da
exteriorização do pensamento, seria fecunda em aplicações teóricas, pois ela se
presta a fazer compreender melhor a natureza do "eu" consciente, onde
estaria contida a verdadeira personalidade humana e, também, em fazer
compreender melhor a relatividade das faculdades psicossensoriais em sua
qualidade de funções da personalidade espiritual, durante o ciclo de sua
existência terrestre.
360. Parece que semelhantes considerações contribuem às
maravilhas para indicar a via pela qual se devem encaminhar as pesquisas
psicológicas e histológicas do futuro, onde elas poderão esclarecer o supremo
mistério da união do Espírito e do organismo somático. E se se consideram as
palavras do Dr. Sollier – "todos os enfermos, que recuperam a sua
sensibilidade cerebral, falam, do mesmo modo, dos pequenos compartimentes, das
pequenas caixas que se põem em ordem ao mesmo tempo em que as ideias se
esclarecem" – , palavras que indicam que não se trata de uma afirmativa
isolada, numa sonâmbula, mas de observações concordantes em numerosos
sensitivos, quando se mostra poderosamente consolidada a presunção de que o
auxiliar da lucidez sonambúlica descobriu uma grandiosa verdade histológica de
ordem ultramicroscópica, verdade cujo valor científico seria incomparável no
sentido que equivaleria à demonstração experimental do grande fato que a sede
do pensamento, inclusive da "memória sintética", seria exterior ao
organismo cerebral, ou, em outras palavras, que ele residiria no "corpo
etérico".
361. Tais revelações "autoscópicas", nos
sensitivos sonambúlicos, concordam excelentemente com as induções do Dr. Geley,
induções solidamente apoiadas nos processos das análises comparadas no reino
animal, combinadas com os ensinos que resultam das pesquisas metapsíquicas. E
estas mesmas revelações concordam, ademais, e admiravelmente, com o pensamento
filosófico de Bergson.
362. No seu discurso presidencial na Society for Psychical Research (Annales dos Sciences psychiques,
1913, pág. 326), assim se exprime ele a respeito da sede presumível da memória:
"O que me parece se depreender do estudo atento dos fatos é que as lesões
cerebrais características das diversas afasias não atingem as recordações e
que, por consequência, não há, armazenadas, em tal ou qual ponto da película
cerebral, recordações que a enfermidade destruiria. Essas lesões tornam, na
realidade, impossível ou difícil a evocação das recordações: elas descansam no
mecanismo da lembrança, e neste mecanismo somente. Mais precisamente, o papel do
cérebro é, aqui, de fazer com que o Espírito, quando tem necessidade de tal ou
qual recordação, possa obter do corpo certa atitude, ou certos movimentos
nascentes, que apresentam à recordação buscada um quadro apropriado. Se o
quadro estiver lá, a recordação virá, por si própria, nele se inserir. O órgão
cerebral prepara o quadro; ele não corre atrás da recordação. Eis, na minha
opinião, o que mostra um estudo atento das doenças da memória das palavras e o
que faz, aliás, pressentir a análise psicológica da memória em geral".
363. Estas profundas observações de Bergson concordam com
as revelações das sonâmbulas a tal ponto que se poderia considerá-las para
comentários nas mesmas revelações. Esta circunstância merece salientada: não
lhe falta valor sugestivo.
364. Eis sobre o assunto a opinião de E. W. Friend no Journal of the American Society for
Psychical Research (1915, pág. 112), a propósito de uma comunicação
mediúnica registrada pelo autor: "No estado em que estão as coisas, elas
confirmam a tese bergsoniana de que, no cérebro, só estão contidos os
mecanismos da recordação, ao passo que as nossas experiências, no que têm de
substancial e de intrínseco, são conservadas fora do cérebro, num meio
puramente psíquico".
365. Resulta, por conseguinte, que, em virtude da
"autoscopia sonambúlica", achamo-nos no limiar de grande descoberta
histológica e psicológica, a qual, de uma parte, coincide com os resultados das
pesquisas mais recentes no domínio das ciências naturais e metapsíquicas, que
acabam de provocar a obra do Dr. Geley intitulada De l'Inconscient au Conscient e, de outra, concorda com as geniais
especulações filosóficas do professor Bergson. Eis uma demonstração de grande
importância da "autoscopia sonambúlica" como instrumento de pesquisa
a serviço da ciência, de modo que seria altamente desejável que os
representantes do Saber o reconhecessem, orientando, neste sentido, as suas
investigações, multiplicando as experiências deste gênero e aplicando-lhes os
métodos da análise comparada.
366. No tocante ao tema “visão panorâmica”, Bozzano diz que
é preciso considerar a característica essencial pela qual ela se exterioriza,
isto é, a que lhe permite apresentar, em termos de "simultaneidade",
o que a inteligência humana não pode assimilar senão em termos de sucessão. Com
apoio na análise comparada de diversas manifestações metapsíquicas, verifica-se
como a mesma característica mostra ser substancialmente idêntica nas
modalidades segundo as quais se manifestam outras faculdades supranormais. Esta
característica já havia sido revelada há muito tempo, no que concerne às
manifestações da memória sonambúlica e, notadamente, nos Proceedings of the S. P. R. (vol. VI, pág. 95).
367. A propósito disso, o Sr. Thomas Barkworth havia
observado: "Assim, como se sabe, as funções da memória ordinária consistem
em um encadeamento de ideias associadas entre si, cada ideia ligando à ideia
vizinha e esta a uma outra, e assim por diante... Tal é a ideia da
exteriorização da memória pertencente à atividade da consciência normal, mas eu
aventaria a conjuntura de que a ‘consciência latente’ possui a sua memória
particular, fundamentalmente diferente da outra: a memória consciente
consistindo em um encadeamento sucessivo de ideias e a memória subconsciente em
uma impressão pictórica simultânea. Se essas hipóteses tivessem fundamento,
deveríamos esperar que a memória subconsciente de um sensitivo hipnotizado
fosse capaz de repetir, igualmente bem, uma lição, começando pelo fim, assim
como pelo princípio, e isto é precisamente o que se verifica nas experiências
congêneres".
368. Essas experiências são conhecidas de todo o mundo, a
começar pelo caso clássico de uma sonâmbula que tivera o poder de ouvir uma
conferência e depois de a repetir em sentido inverso, como se tivesse diante
dos olhos o texto impresso, e a terminar pelo caso de Malvina Gérard, caso dos
mais notáveis, em que a sensitiva era capaz, em estado sonambúlico, de compor
comédias e de recitar trechos dela, indicados, ao acaso, por seu hipnotizador,
como se tivesse improvisado suas comédias de modo instantâneo e se tivesse o
manuscrito diante dos olhos. (Maurice Sage em Annales des Sciences psychiques, 1904, págs. 65 e 129.)
Respostas às
questões preliminares
A. É certo
dizer, com base nos fatos observados, que as imagens psíquicas existem de uma
forma externa ao cérebro?
Sim. As experiências levaram os pesquisadores a esse
entendimento. (A morte e os seus mistérios.
Casos de "visão panorâmica". 3ª categoria.)
B. Os
mecanismos da recordação encontram-se no cérebro ou fora dele?
Elas são conservadas fora do cérebro, num meio puramente
psíquico. Segundo Bergson, no cérebro só estão contidos os mecanismos da
recordação, ao passo que as nossas experiências, no que têm de substancial e de
intrínseco, são conservadas fora dele. (Obra citada. Casos de "visão panorâmica".
3ª categoria.)
C. É possível a
um sensitivo hipnotizado repetir uma lição, seja começando pelo fim, seja
começando pelo princípio?
Sim. A memória subconsciente de um sensitivo hipnotizado é
capaz de repetir, igualmente bem, uma lição, começando pelo fim, assim como
pelo princípio. Foi o que se verificou nas experiências congêneres. A propósito
disso, Bozzano menciona o caso clássico de uma sonâmbula que tivera o poder de
ouvir uma conferência e depois de a repetir em sentido inverso, como se tivesse
diante dos olhos o texto impresso. (Obra citada. Casos de "visão
panorâmica". 3ª Categoria.)
Observação:
Para acessar a Parte 22 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/02/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto_28.html
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