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sexta-feira, 24 de abril de 2020



O Espiritismo perante a Ciência

Gabriel Delanne

Parte 6

Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

Questões preliminares

A. Por que, apesar da renovação incessante das células do nosso corpo, a memória se mantém intacta?
B. Do exame isento de todas as teorias científicas apresentadas, que dedução se extrai com relação à existência da alma?
C. O magnetismo já era conhecido entre os povos da antiguidade?

Texto para leitura

141. Luys foi o primeiro que propôs assimilar a faculdade da memória a uma ação física. Supondo as células nervosas como certos corpos capazes de armazenar, de algum modo, as vibrações que lhes chegam, tal como as substâncias fosforescentes que continuam a brilhar depois de desaparecida a fonte luminosa, assim as células nervosas poderiam vibrar, mesmo depois que cessasse de agir a causa excitante.
142. Niepe de Saint Victor, em suas pesquisas sobre as propriedades dinâmicas da luz, chegou a mostrar que as vibrações luminosas podiam armazenar-se numa folha de papel, em estado de vibrações silenciosas, durante um tempo mais ou menos longo, prestes a reaparecerem sob a ação de uma substância reveladora. Foi assim que se pôde, tendo-se conservado, na obscuridade, gravuras expostas precedentemente aos raios solares, revelar, muitos meses após a insolação, com auxílio de reativos especiais, os traços persistentes da ação fotogênica do Sol sobre a superfície delas.
143. Em apoio à sua teoria, Luys cita exemplos de fosforescência orgânica, tirados do funcionamento dos órgãos dos sentidos. Ele atribui à fosforescência orgânica as ações que derivam do hábito, como os exercícios do corpo, a dança, a esgrima, o toque dos instrumentos de música, etc. Depois, filia a essa fosforescência todos os fenômenos da memória.
144. Essa explicação não nos pode satisfazer, por muitas razões: a fosforescência dos elementos nervosos está demonstrada para um tempo muito curto; ademais, nenhuma experiência estabeleceu que ela existisse no cérebro.
145. Há uma segunda razão que destrói radicalmente a suposição de um armazenamento da vibração. Diz Luys textualmente: “Esta aptidão maravilhosa (fosforescência orgânica) da célula cerebral, incessantemente entretida pelas condições favoráveis do meio em que ela vive, mantém-se, incessantemente, em estado de verdor, enquanto as condições físicas de seu agregado material respeitadas, e ela está associada aos fenômenos vitais do organismo.”
146. Como já vimos, Moleschott supõe que o corpo se renova de trinta em trinta dias; sem ir tão longe, podemos admitir que todas as moléculas do corpo são substituídas por outras ao fim de sete anos, como quer Flourens. Esse naturalista, operando em coelhos, mostrou que, em determinado lapso de tempo, os ossos estavam inteiramente mudados, e que, em lugar dos antigos, novos se haviam formado.
147. Ora, o que se dá com os ossos, dá-se com os demais tecidos e com as células nervosas em particular. Se a fosforescência orgânica é uma propriedade do elemento nervoso, ela impressiona ou o conjunto da célula, ou as moléculas que a compõem. Quando a célula inteira se renova, isto é, quando os elementos que a constituem são absorvidos pelo organismo, as moléculas que vêm tomar o lugar das que desapareceram não possuem mais o movimento vibratório que impressionou suas antecessoras, de sorte que, quando todas as células são mudadas, não existe nenhum dos movimentos vibratórios antigos, ou por outra, a fosforescência orgânica desapareceu, tanto de cada uma das moléculas como do conjunto da célula.
148. Se só nessa propriedade residisse a memória, deveria esta ficar aniquilada completamente ao fim de um tempo mais ou menos longo, mas que não poderia exceder de sete anos. De sete em sete anos, teríamos que reaprender tudo que já sabíamos; ou melhor, como a evolução das partículas do corpo se faz constantemente, nossas lembranças desapareceriam à medida que as moléculas se renovassem, de sorte que seríamos incapazes de aprender o que quer que fosse.
149. Sabemos que não é o que acontece, e que nossa personalidade e nossa memória persistem, apesar da torrente de matéria que atravessa nosso corpo. A despeito das moléculas diversas que se incorporam em nós, temos a lembrança e a consciência de sermos sempre os mesmos, e isto só se pode explicar admitindo a existência de uma força que não varia como a matéria na qual se registram os conhecimentos que adquirimos pelo trabalho. Esta força, essência imaterial, é a alma, que, apesar das negações materialistas, revela sua presença, por pouco que se estudem, imparcialmente, os fenômenos que se passam em nós.
150. Luys define o automatismo: A propriedade que apresentam as células nervosas vivas de entrarem espontaneamente em movimento e traduzirem de modo inconsciente os estados diversos da célula postos em agitação. Por outra forma: A atividade automática da célula viva é a reação espontânea da sensibilidade íntima da célula, solicitada de qualquer maneira.
151. É sempre a teoria do elemento nervoso que age diretamente, em virtude de suas forças íntimas, e de modo próprio; e é com tal equívoco que o autor pode interpretar o fato a seu favor. É incontestável que se passam em nós ações de que não temos consciência. As experiências de Charles Robin, feitas no cadáver de um supliciado, mostraram que as funções da medula se perpetuavam enquanto a vida dos elementos não havia desaparecido, e isto com tanta regularidade como se o cérebro as dirigisse.
152. Devemos atribuí-las às propriedades íntimas das células nervosas? Para o saber, recorramos a Claude Bernard, que assim se exprime:

“No homem há duas espécies de movimentos: 1°. os conscientes ou voluntários; 2º. os inconscientes, involuntários, ou reflexos (ou automáticos), porque, sob nomes diversos, são a mesma coisa.
O movimento reflexo é um movimento para cuja execução concorrem sempre três ordens distintas de elementos do sistema nervoso: o elemento sensitivo, o elemento motor e a célula.
Se se produzisse um movimento sem uma dessas condições, sem a participação de um desses elementos, não seria mais um movimento reflexo. Com efeito, todo movimento reflexo implica três coisas bem distintas:
1º. uma excitação do nervo sensitivo num lugar qualquer de seu comprimento;
2º. uma excitação do nervo motor que se traduz pela contração de um músculo;
3º. um centro que serve de transição e, por assim dizer, de traço de união desses dois elementos, de maneira a produzir a irritação do segundo, sob a influência do primeiro.”

153. Sabemos que a matéria viva é inerte, que não pode entrar em movimento por si própria; as ações automáticas são devidas sempre à irritação de um nervo sensitivo, que transmite a excitação a um nervo motor por meio da célula. É por esta forma que se executam os atos da respiração, da contração do coração, da digestão etc., nos quais a vontade não intervém habitualmente; entretanto, verificou-se que existe um ponto colocado no cérebro que modera as ações reflexas. A alma manifesta, por conseguinte, a sua presença sempre, quer de maneira direta, pelos movimentos voluntários, quer indireta, nas ações reflexas, pela intervenção dos centros moderadores.
154. A argumentação de Luys limita-se a afirmações desmentidas pela ciência, de sorte que seus raciocínios, apoiando-se em bases falsas, chegam a deduções em oposição formal à verdade. Nem a sensação, nem a fosforescência, nem o automatismo têm o sentido e o alcance que se lhes quer emprestar. É por meio dessas interpretações mutiladas que a teoria materialista parece ter uma força que efetivamente ela não possui.
155. Das teorias examinadas até agora, nenhuma dá a certeza de que a alma não seja uma entidade. Com um exame atento, deduz-se, pelo contrário, a convicção de que o espírito ou alma existe realmente e manifesta sua presença em todas as ações da vida. Nem os profundos conhecimentos químicos de Moleschott, nem o grande talento de sábios como Broussais, Buchner, Carl Vogt, Luys etc. são suficientes não só para invalidar a crença na alma como, simplesmente, para fazer duvidar de sua realidade.
156. Há um século temos a nosso alcance um poderoso instrumento de investigação que nos revela, de maneira formal, a existência da alma; queremos falar da ciência magnética. Nas discussões precedentes, ainda podem subsistir dúvidas no espírito de certos leitores. Mas, com os fatos fornecidos pelo magnetismo, separa-se a alma do corpo; ela dele se desprende e manifesta sua realidade por fenômenos surpreendentes; ela se afirma separada do seu invólucro carnal e se diz vivendo uma existência especial.
157. Esta é a razão pela qual nos ocuparemos, na segunda parte, dos fatos que deixam fora de dúvida a existência do eu pensante, da alma.
158. Muito tempo desconhecido, ridicularizado e mesmo perseguido, o magnetismo, como todas as grandes verdades, tem vida forte; longe de definhar ao sopro das perseguições, tomou um desenvolvimento considerável e se nos apresenta com seu cortejo de homens ilustres e eruditos, com milhões de experiências probantes, como para mostrar à Humanidade de que aberrações são capazes as corporações científicas.
159. Há hoje uma reação em seu favor. Em todas as partes, os jornais e as revistas médicas se ocupam com os fatos maravilhosos produzidos pelo hipnotismo, nome novo de que o magnetismo se revestiu. Ao abrigo desse pseudônimo, insinuou-se no santuário dos príncipes da ciência, que o não reconhecendo, a princípio, lhe fizeram boa acolhida; agora, porém, sabendo com que tratam, desejaria negar-lhe o parentesco estreito com o magnetismo, que continuam a proscrever.
160. Antes de estudar esse recém-chegado em capítulo especial, ocupemo-nos do magnetismo propriamente dito. Na primeira parte desta obra, ficou estabelecido que a ciência não autorizava ninguém a falar em seu nome, quando se trata de combater a existência da alma. Os mais eminentes fisiologistas reconhecem sua incapacidade para explicar a vida intelectual, sem a intervenção de uma força inteligente. A filosofia concluiu pela necessidade do princípio pensante; a experiência, por sua vez, prova à evidência, pelos processos do magnetismo, a presença da alma como potência diretriz da máquina humana.
161. Há um século pesquisas minuciosas se fazem nesse domínio. Homens sérios, convictos e dedicados mostraram que o charlatanismo não tem parte alguma nas verdadeiras ações magnéticas e que se achavam em face de uma modificação nervosa que era preciso estudar.
162. Puységur, Deleuze, Du Potet, Charpignon, Lafontaine e outros, homens de ciência e de incontestada honestidade, descreveram, em suas numerosas publicações, milhares de experiências verídicas, que constam em atas assinadas pelos nomes mais honestos e mais conhecidos. Negar hoje os fatos seria infantilidade ou má-fé.
163. A fim de mostrar nossa imparcialidade, só tomaremos, como demonstração da existência da alma, as experiências bem averiguadas; reportar-nos-emos, em grande parte, ao relatório sobre o magnetismo apresentado à Academia de Medicina, e lido nas sessões de 21 e 28 de junho de 1831, em Paris, por Husson, relator.
164. Os outros testemunhos serão tomados, ora a adversários das doutrinas espiritualistas, que não poderão ser acusados de complacência, ora a escritores especiais, que trataram destas questões, mas, neste caso, as suas narrativas se apoiam na autoridade de médicos, que as acompanharam em todas as suas fases.
165. A ciência magnética compreende certo número de divisões, conforme as diferentes categorias de fenômenos. Assinalaremos, aqui, os fatos que se relacionam com o desprendimento da alma, deixando de lado o aspecto terapêutico dessa ciência cultivada pelos nossos antepassados.
166. Sem fazer a história detalhada do magnetismo, podemos lembrar que ele foi conhecido em todos os tempos. Os anais dos povos da antiguidade formigam em narrativas circunstanciadas, que mostram o profundo conhecimento que do magnetismo tinham os antigos sacerdotes.
167. Os magos da Caldeia, os brâmanes da Índia curavam pelo olhar e por meio dele proporcionavam o sono. Ainda hoje, na Ásia, os sacerdotes estão de posse do segredo dos seus predecessores, e particularmente no Hindostão os faquires cultivam com êxito as práticas magnéticas, como relatam os viajantes que percorreram essas regiões.
168. Os egípcios colheram sua religião e seus mistérios na grande fonte da Índia; empregavam, no alívio dos sofrimentos, os passes e a aposição de mãos, como os executamos ainda em nossos dias. Cita Heródoto, em muitas passagens, os santuários onde iam ter os peregrinos, desejosos de curar-se com os remédios que os hierofantes descobriam em sonho. Diodoro de Sicília diz positivamente que os doentes chegavam em multidão ao templo de Ísis, para aí serem adormecidos pelos sacerdotes. A maior parte dos pacientes caíam em crise e indicavam, eles mesmos, o tratamento que os devia reconduzir à saúde.
169. O templo de Serápis, de Alexandria, era afamado, porque restituía o sono aos que dele se viam privados. Conta Estrabão que, em Mênfis, os sacerdotes adormeciam e nesse estado davam consultas médicas. A História está repleta das narrações de curas por esse processo. Arnóbio, Celso e Jâmblico ensinam em seus escritos que havia entre os egípcios, em todas as épocas, pessoas dotadas da faculdade de curar por meio da aposição das mãos e de insuflações, conseguindo, muitas vezes, fazer desaparecer doenças tidas como incuráveis.

Respostas às questões preliminares

A. Por que, apesar da renovação incessante das células do nosso corpo, a memória se mantém intacta?
Esse fato só se pode explicar admitindo-se a existência de uma força que não varia como a matéria na qual se registram os conhecimentos que adquirimos pelo trabalho. Esta força, essência imaterial, é a alma, que, apesar das negações materialistas, revela sua presença, por pouco que se estudem, imparcialmente, os fenômenos que se passam em nós. (O Espiritismo perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. II - O materialismo positivista.)
B. Do exame isento de todas as teorias científicas apresentadas, que dedução se extrai com relação à existência da alma?
De acordo com Delanne, nenhuma das teorias examinadas nos dá a certeza de que a alma não seja uma entidade. Com um exame atento, deduz-se, pelo contrário, a convicção de que o espírito ou alma existe realmente e manifesta sua presença em todas as ações da vida. (Obra citada, Primeira Parte, Cap. II – O materialismo positivista.)
C. O magnetismo já era conhecido entre os povos da antiguidade?
Sim. Ele foi conhecido em todos os tempos. Os anais dos povos da antiguidade formigam em narrativas circunstanciadas, que mostram o profundo conhecimento que do magnetismo tinham os antigos sacerdotes, seja na Caldeia, na Índia ou no Egito. (Obra citada, Segunda Parte, Cap. I – O magnetismo e sua história.)

Observação:
Para acessar a parte 5 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/04/o-espiritismoperante-ciencia-gabriel_17.html




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