O Espiritismo
perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 5
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme
tradução da obra francesa Le Spiritisme
devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa servir para o leitor
como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. Qual é a unidade primordial do tecido cerebral?
B. As células nervosas são capazes de sentir?
C. Qual é, na concepção de Claude Bernard, a propriedade
fundamental da vida?
Texto para
leitura
111. Que se encontra na substância cerebral como elemento
anatômico fixo, como unidade primária? A célula nervosa, com seus vários
atributos, suas configurações definidas; veem-se também fibras nervosas e um
tecido que reúne todos esses elementos, o qual é atravessado por vasos
sanguíneos muito pequenos, chamados capilares.
112. É do estudo da célula que depende a ciência das
propriedades do cérebro, pois que ela é a unidade primordial do tecido
cerebral, e quando conhecermos as propriedades íntimas desse elemento, teremos
uma ideia exata do papel da matéria cortical.
113. Vemos na parte inferior desta camada dos hemisférios o
começo das fibras que ligam a superfície ao centro. Elas são, a princípio,
ramificadas ao infinito, de forma a entrarem em contato com grande número de
células da camada cortical; depois se vão condensando até a saída do córtice
dos hemisférios, onde têm a forma de fibras compactas.
114. Examinando as células nervosas, vemos que elas têm,
como toda célula, uma forma determinada por uma membrana envolvente, a maior
parte das vezes irregular, cujos contornos parecem braços que se prolongam em
diversos sentidos; depois, no interior, um núcleo apresentando um ponto
brilhante, que se chama nucléolo.
115. Para se ter ideia do número imenso dessas células
nervosas, basta saber que no espaço de um milímetro quadrado de substância
cortical, com a espessura de um décimo de milímetro, conta-se cerca de cem a
cento e vinte células nervosas de volume variado. Que se imagine o número de
vezes que esta pequena quantidade está contida no todo e chegar-se-á a muitos
milhões.
116. Ficamos confusos ao penetrar no mundo desses
infinitamente pequenos, onde se reencontram essas mesmas divisões infinitas da
matéria, que impressionam tão vivamente o espírito, no estudo do mundo sideral.
117. Ao examinar a estrutura de um elemento anatômico, só
visível com um aumento de setecentos a oitocentos diâmetros, se pensarmos que
esse mesmo elemento se repete por milhões, na espessura da camada cerebral, não
podemos deixar de ser tomados de admiração. Refletindo-se que cada um desses
pequenos aparelhos tem sua autonomia, sua individualidade, sua sensibilidade
orgânica, íntima, que é ligado a seus congêneres, que participa da vida comum,
e que é o obreiro silencioso e infatigável que elabora discretamente as forças
nervosas necessárias à atividade psíquica, que se consome incessantemente,
reconhecer-se-á a maravilhosa organização que preside ao mundo dos
infinitamente pequenos.
118. Do que precede, decorre que a substância cortical
representa imenso aparelho formado por elementos nervosos dotados de
sensibilidade própria, mas solidários, porque as séries de células superpostas
em andares, a correspondência delas entre si, implicam a ideia de que as
atividades nervosas de cada zona podem ser despertadas isoladamente, que têm a
faculdade de associar-se, de modificar-se de uma região para outra, segundo a
natureza das células intermediárias postas em vibração; que, enfim, as ações
nervosas, como as ondulações vibratórias, devem propagar-se gradativamente,
conforme a direção das células orgânicas, no sentido horizontal ou no vertical,
das zonas profundas às superficiais e vice-versa.
119. No ponto de vista da significação fisiológica de
certas zonas e do modo de distribuição da sensibilidade e da motilidade
(faculdade de dar o movimento), é permitido supor, apoiando-nos nas leis de
analogia, que as regiões superiores, ocupadas principalmente pelas pequenas
células, devem achar-se, sobretudo, em relação com as manifestações da
sensibilidade, enquanto as regiões profundas, povoadas pelos grupos das grandes
células, podem ser consideradas, principalmente, como centros de emissão do
fenômeno da motricidade, isto é, das incitações que determinam o movimento.
120. Apoiam-se estas deduções num fato de observação, o de
que, na medula espinhal, os nervos sensitivos comunicam-se com as pequenas
células da medula, e os nervos motores, com as grandes células, nas quais se
verificam as diversas ações da motricidade. Por analogia, estaríamos no direito
de considerar as células superiores da camada cortical como a esfera de difusão
da sensibilidade geral e especial, e, por isso mesmo, o grande reservatório
comum, sensorium commune, de todas as sensibilidades do organismo; de outro lado,
poder-se-iam admitir as camadas profundas como o lugar de emissão dos fenômenos
do movimento.
121. Quando assistimos a uma representação teatral, os
olhos e os ouvidos são impressionados ao mesmo tempo, e surge um mundo de
ideias determinadas por milhares de sensações, que chegam instantaneamente ao
cérebro. Se juntarmos a essas duas causas as impressões produzidas pela
decoração da sala, pelo calor, pela representação dos atores, pela música,
chegar-se-á a um total enorme de ações sensitivas percebidas pelo cérebro.
122. Como essas diversas vibrações conseguem harmonizar-se?
Como se combinam os movimentos vibratórios para produzir no espectador o
sentimento de prazer ou de descontentamento?
123. Em vão se nos mostrará que cada um dos sentidos tem um
lugar reservado no córtice cerebral; que as excitações exteriores, que lhes
correspondem, dirigem-se diretamente para a parte que lhes compete; mal podemos
compreender como as excitações desses diferentes territórios de células se vão
procurar e fundir para produzir uma ideia.
124. Para compreender o que se deu seria preciso supor que
as células nervosas são capazes de sentir, e ainda assim não seria fácil
imaginar qual a resultante das sensações de cada uma. Se, pelo contrário,
admitirmos a existência da alma, tudo, então, se torna claro. Temos um centro
onde se reúnem as sensações e, consequentemente, as ideias a comparar. É ele
que armazena as múltiplas impressões que recebe, e as analisa, pesa, compara
com as que possuía anteriormente; o resultado de todas essas operações é o
juízo.
125. Luys entende, porém, que não é necessário recorrer à
intervenção da alma para explicar todas as ações do espírito, que se podem
deduzir das 3 propriedades fundamentais seguintes, que ele atribui ao sistema
nervoso: 1 – A sensibilidade; 2 – A fosforescência orgânica; 3 – O automatismo.
126. São essas propriedades gerais que Luys estuda na
segunda parte do seu trabalho. Uma vez conhecidas e definidas essas
propriedades, Luys entra no estudo das diversas combinações, às quais se
prestam, e pretende estabelecer que as operações do espírito não são mais que
sensações transformadas por meio de atos reflexos múltiplos.
127. Se assim é para o cérebro e para os centros da medula
espinhal, apenas com a diferença de que os processos são mais complicados,
seremos, no ponto de vista fisiológico, autômatos, cujas molas são movidas por
excitações externas, quer diretamente, suscitando reações imediatas, quer
indiretamente, depois de uma travessia mais ou menos longa nos centros
nervosos.
128. É essa a opinião de certo número de sábios que
representam, em nossa época, a escola positiva. A filosofia deles não passa da
forma científica das teorias de Hume, que não adquiriram valor, passando para
este novo terreno. Apesar das declarações e do tom doutoral que apresentam, não
no-la podem impor.
129. No tocante à vontade, escreve Luys: “As controvérsias
dos filósofos e metafísicos, que vêm de longa data, só tiveram um fim: exprimir
em fraseologia sonora a ignorância mais ou menos absoluta das condições da vida
psíquica.”
130. Não sabemos até que pontos são fundadas essa palavras,
mas o que iremos demonstrar é que o sábio professor apresenta hipóteses muito
contestáveis para explicar os fenômenos do espírito; a um positivista, a um
homem que vê de tão alto a filosofia, seria prudente não se deixar expor ao
desmentido dos fatos.
131. Toda argumentação de Luys assenta num equívoco de palavras;
para ele, a sensibilidade, a faculdade de sentir pertence à célula nervosa; é
um fato que enuncia sem trazer, aliás, a menor prova. Assim a define: “A
sensibilidade é essa propriedade fundamental que caracteriza a vida das
células; graças a ela as células vivas entram em conflito com o meio; reagem de
modo próprio, em virtude das afinidades íntimas postas em ação, mostrando
apetência para as incitações que as lisonjeiam e repulsa para as que as
contrariam. A atração para as coisas agradáveis e a repulsa às desagradáveis
são, pois, os corolários indispensáveis a toda organização apta a viver, e a
manifestação aparente de toda a sensibilidade.”
132. Admitindo que as células sejam capazes de experimentar
atração e repulsão, isto é, supondo-as dotadas da faculdade de discernir,
mostra Luys que, à medida que se sobe na escala dos seres, somente em certas
células se especializa essa propriedade; faz ele ver que o desenvolvimento da
sensibilidade marcha de par com a extensão, cada vez maior, do sistema nervoso,
para chegar, no homem, ao seu máximo poder.
133. Raciocinar assim não é difícil e dispensa grande
esforço de imaginação, pois se supõe demonstrada a questão em litígio. Admitir
que a célula escolhe entre os diversos elementos com que se acha em relação, é
tão racional como supor que, numa combinação química, o oxigênio escolhe o
corpo com o qual se alia. Mas, dir-se-á, as células são vivas, têm um grau de
capacidade e de propriedade maior que os corpos inorgânicos; podem não estar,
portanto, submetidas tão só às leis que regem os corpos simples, e possuir um
rudimento de consciência.
134. A tais argumentos responde Claude Bernard, o ilustre
fisiologista, em suas Leçons sur les
tissus vivants, à pág. 63: “Visto que só os elementos anatômicos são vivos,
só eles nos poderão dar os caracteres da vida. Ora, cada tecido apresenta
propriedades diferentes e dir-se-ia, assim, que não há caráter vital essencial.
Os fisiologistas, entretanto, ensaiaram determinar esse caráter no meio das
variações de propriedades dos tecidos, e lhe chamaram irritabilidade, isto é, a
aptidão a reagir, fisiologicamente, contra a influência das circunstâncias
externas, como a própria palavra o indica. Essa propriedade não pertence nem às
matérias minerais nem às orgânicas, é privilégio exclusivo da matéria
organizada e viva, ou seja, dos elementos anatômicos vivos, que são, por
consequência, as únicas partes irritáveis do organismo. Todos os seres vivos
são, pois, irritáveis pelos elementos histológicos que compreendem, e perdem
essa propriedade no momento da morte. A propriedade de ser irritável distingue,
portanto, a matéria organizada da que o não é; e, além disso, entre as matérias
organizadas, faz reconhecer a que é viva, e a que o deixa de ser. Em suma, a
irritabilidade caracteriza a vida. A matéria, mesmo a viva, é inerte por si
própria, no sentido de que deve ser considerada como desprovida de
espontaneidade. Mas essa mesma matéria é irritável e pode, assim, entrar em
atividade para manifestar suas propriedades particulares, o que seria
impossível se fosse, ao mesmo tempo, desprovida de espontaneidade e
irritabilidade. A irritabilidade é, pois, a propriedade fundamental da vida.”
135. O trecho é bem explícito; mesmo a matéria viva é
inerte; é preciso um excitante para que possa agir, e quando manifesta os
caracteres da vida, fá-lo à maneira dos corpos inorgânicos, sem nenhuma
participação voluntária; não pode, pois, reagir de modo próprio, como o quer
Luys. Uma célula nervosa não pode mostrar repulsão, porque lhe é impossível escolher
entre os diferentes corpos com os quais está em contacto.
136. Segundo Claude Bernard há três categorias de
excitantes: os irritantes físicos, os químicos e os vitais. Se a célula é posta
em presença de um deles, não pode escolher nem manifestar repulsão, reage,
porque a isso é obrigada. Se a colocarem em contato com um corpo que não entra
numa dessas categorias indicadas, ficará inerte, tal como dois gases, que, não
tendo afinidades, não se combinam.
137. A fisiologia está, pois, em oposição formal com Luys;
ela não admite que nos fenômenos manifestados pela vida das células possa haver
intervenção de qualquer vontade, por menor que a possamos supor. Podemos negar,
legitimamente, que a sensibilidade, essa faculdade de sentir o que se passa em
nós, seja uma propriedade das células nervosas do corpo. É necessário, pois,
atribuí-la à alma.
138. Vejamos a opinião de outro sábio, Rosenthal, exposta
em Les Mescles et les Nerfs: “Para
que a percepção das sensações se produza, parece absolutamente indispensável
que a excitação chegue até o cérebro. É muito duvidoso, e ainda menos provado,
que outra parte do encéfalo, e sobretudo a medula, possam produzir sensações.
Quando as irritações chegam ao cérebro, não se produzem as sensações somente,
mas também percepções exatas sobre a espécie de irritação, sua causa e o ponto
onde foi ela praticada. Algumas vezes, entretanto, esses fenômenos não se
realizam, e a excitação passa despercebida. É o que acontece, por exemplo,
quando nossa atenção é fortemente atraída para outra parte... Mas não é
possível dar a menor explicação de como essa percepção se forma. Pode ser que
haja produção de fenômenos moleculares no interior das células nervosas, mas
esses fenômenos só podem ser movimentos. Ora, podemos compreender como movimentos
produzem movimentos, mas não sabemos absolutamente como esses movimentos
poderiam produzir uma percepção.”
139. Está pois estabelecido que é hipótese não justificada
admitir a percepção, ou por outra, os fenômenos da sensibilidade como
pertencentes à célula nervosa. A ciência positiva de Luys é apanhada em
flagrante delito de concepções não demonstradas e apenas imaginada com vistas
ao fim a atingir. Assim, também, as vibrações que se animalizam e depois se
espiritualizam só foram apresentadas para afastar a alma da explicação do
pensamento.
140. É singular ver tomados como sonhadores e gente pouco
científica os que creem no Espírito, enquanto os representantes da ciência
oficial querem persuadir-nos de que existem vibrações espirituais, mas contestam
a existência de um princípio imaterial.
Respostas às
questões preliminares
A. Qual é a
unidade primordial do tecido cerebral?
A célula nervosa, com seus vários atributos e suas
configurações definidas. (O Espiritismo
perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. II - O materialismo positivista.)
B. As células
nervosas são capazes de sentir?
Para muitos fisiologistas, sim. Para Delanne, não. Diz ele
que, mesmo que as células nervosas tivessem essa capacidade, não seria fácil
imaginar qual a resultante das sensações de cada uma. Se, pelo contrário,
admitirmos a existência da alma, tudo, então, se torna claro. Temos um centro
onde se reúnem as sensações e, consequentemente, as ideias a comparar. É ele
que armazena as múltiplas impressões que recebe, e as analisa, pesa, compara
com as que possuía anteriormente; o resultado de todas essas operações é o
juízo. (Obra citada, Primeira Parte,
Cap. II – O materialismo positivista.)
C. Qual é, na
concepção de Claude Bernard, a propriedade fundamental da vida?
A irritabilidade. Segundo suas palavras, é a irritabilidade
que caracteriza a vida. (Obra citada, Primeira Parte, Cap. II - Da
sensibilidade dos elementos nervosos.)
Observação:
Para acessar a parte 4 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/04/o-espiritismoperante-ciencia-gabriel_10.html
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