O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 26
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. O positivista Dassier passou a
admitir a existência do ser póstumo?
B. Com relação à materialização dos
Espíritos, qual o nome do sábio que se destacou nas pesquisas desse fenômeno?
C. Com qual médium Crookes obteve as
primeiras manifestações tangíveis?
Texto para leitura
614. Dassier, positivista, negava, a
princípio que a sobrevivência fosse possível; depois, vencido pela evidência,
reconheceu o erro e proclamou a existência do ser póstumo. Mas, o mais curioso
é que ele não a admite indefinidamente. Crê, no fantasma, uma existência
momentânea, devida ao pouco de força vital que lhe resta no corpo, depois da
morte. Julga que, destruído o cérebro, não pode o morto fazer ato de
inteligência, ir, vir, falar... Ensina-nos que o fantasma se dissocia
lentamente para entrar no grande todo. Em que se baseia sua apreciação? Em não
se reproduzirem sempre as manifestações.
615. A razão é especiosa, porque as
manifestações cessam, em geral, quando se faz a vontade do ser manifestante e
desde então ele não tem mais motivo algum para continuar o seu alvoroço; aliás,
as comunicações que recebemos, todos os dias, nos afirmam que a alma é imortal,
e que, em vez de se dissolver lentamente, vai, pelo contrário, aumentando moral
e intelectualmente. Sim, mas Dassier não acredita nas comunicações; ele imagina
que elas são produzidas pelo duplo fluídico da pessoa evocadora, por aquilo que
ele chama o éter mesmérico.
616. Basta, para combater esta infeliz
teoria, chamar a atenção para o fato de que os médiuns estão absolutamente em
seu estado normal quando obtêm comunicações. Se só houvesse relações com o
mundo dos espíritos por meio de sonâmbulos, poderíamos admitir a intervenção da
dupla personalidade, mas nossos médiuns permanecem perfeitamente acordados e,
além disso, a hipótese de Dassier não explicaria mesmo todos os casos de
mediunidade.
617. Admitamos, por um instante, que a
personalidade mesmeriana do médium esteja agindo; esta personalidade, supondo
que ela reproduza exatamente o físico e intelectual do médium, não pode
adquirir, pelo só fato de sua mudança, qualidades que ela antes não possuía. De
fato, como explicar as comunicações recebidas em línguas estrangeiras, o
hebraico-siríaco de Des Mousseaux, e
as faculdades do caixeiro de que fala Cox, o qual tratava dos mais altos
assuntos da filosofia? Não, uma doutrina como a de Dassier não é aceitável e
longe de destruir, como ele pretende, “as enervantes alucinações do
Espiritismo”, vem confirmar ainda mais a nossa fé, pelos numerosos argumentos
que seu livro nos traz.
618. Assinalemos, ainda, dois
caracteres do ser póstumo. Ele se desloca com tanta rapidez como o fantasma
vivo. O irmão do capitão Kidd, morto no Oceano Índico, veio encontrá-lo no
Atlântico, na mesma noite em que se deu a morte. Em segundo lugar, o ser
póstumo parece recear a luz; evita-a com extrema prontidão. Todas as suas
manifestações se dão à noite, e raramente durante o dia, e, neste caso, à
aproximação dos crepúsculos. Dassier atribui à luz uma ação desorganizadora,
devida à extrema rapidez das vibrações luminosas. Somos desta opinião, veremos
agora mesmo por que e em que condições.
619. Verificamos, até agora, a
existência da alma depois da morte, notamos que ela é revestida de um
invólucro, e isto baseando-nos na observação de fatos, cuja autenticidade nos
parece bem estabelecida. Mas os incrédulos porão à conta de alucinação a maior
parte desses fatos.
620. Os fatos de materialização dos
Espíritos, assinalados em todos os tempos, não se realizavam de modo regular, e
a singularidade das circunstâncias em que se produziam, o medo de que se viam
tomadas as testemunhas, eram razões para que fossem mal observados. Graças ao
Espiritismo, podemos experimentar hoje, com alguma certeza; conhecemos,
teoricamente, a causa desses fenômenos, e se não podemos ainda explicar,
cientificamente, como se produzem, já achamos na Ciência os mais firmes pontos
de apoio. Vamos recorrer ao trabalho de Crookes, Pesquisas sobre o Espiritismo,
que é a reprodução de artigos que ele publicou no Quartely Review, reunidos em volume pela livraria de ciências
psicológicas.
621. Quando esses notáveis trabalhos
apareceram na Inglaterra, excitaram pasmo geral. Como ousava um homem daquele
valor pronunciar-se afirmativamente sobre tão controvertido assunto e apoiá-lo
com experiências científicas? O fato era verdadeiramente incrível e de todos os
lados se fizeram ouvir as vociferações dos materialistas.
622. Crookes desdenhou esses ataques,
que não tinham base, e respondeu aos que o acusavam de não ter suficiente
competência para pronunciar-se a respeito dessas questões: “Parece que o meu
maior crime é o de ser um especialista entre os especialistas!” Eu, um
especialista! é verdadeiramente novidade para mim, que eu tenha limitado a
minha atenção a um só assunto especial. O meu cronista seria bastante capaz
para dizer-me qual é este assunto? É a Química Geral, de que tenho feito
relatórios desde a criação da Chimical
New em 1859? É o thallium a
respeito do qual o público provavelmente ouviu dizer tudo o que lhe podia
interessar? É a análise química sobre o qual publiquei recentemente um tratado
dos métodos escolhidos, o qual é o resultado do trabalho de doze anos? É a
desinfecção, a prevenção e a cura da peste bovina sobre a qual publiquei um
relato que pode se dizer, popularizou o ácido carbônico? É a fotografia, sobre
a qual escrevi numerosos artigos, tanto sobre a teoria quanto sobre a prática?
É a metalurgia do ouro e da prata, na qual minha descoberta do valor do sódio
para o processo de amalgamação é presentemente de largo emprego na Austrália,
na Califórnia e na América do Sul? É a ótica, ramo para o qual só me compete
enviar às minhas memórias sobre alguns fenômenos da luz polarizada, publicadas
antes que eu tivesse vinte e um anos; a minha descrição detalhada do
espectroscópio e meus trabalhos com este instrumento numa época em que ele era
quase desconhecido na Inglaterra; e a meus artigos sobre os espectros solares e
terrestres; a meus estudos sobre os fenômenos óticos das opalas e a construção
do microscópio espectral; a minhas memórias sobre a medida da intensidade da
luz e à descrição de meu fotômetro de polarização? Ou bem é a Astronomia e a
Meteorologia a minha especialidade, pois que durante um ano estive no
Observatório Radcliffe em Oxford, onde, além de minha função especial de
superintender a meteorologia, partilhara meus lazeres entre Homero e os
matemáticos em Magdalen Hall, à procura
dos planetas e à fixação de sua passagem com M. Pogson, agora diretor do
Observatório de Madras, e a fotografia celeste executada com o magnífico
heliômetro vinculado ao observatório. As fotografias da lua, tomadas por mim em
1855, no Observatório de M. Hartnup, em Liverpool, foram durante alguns anos as
melhores existentes, e a Sociedade Real me honrou com uma gratificação em
dinheiro para prosseguir meus trabalhos sobre este assunto. Estes fatos, juntos
à minha viagem a Oran, no ano passado, na qualidade de membro da expedição
enviada pelo governo para ali estudar o eclipse, e ao convite que recebi
recentemente para ir ao Ceilão com o mesmo objetivo, pareceriam mostrar que a
Astronomia é a minha especialidade. Para falar a verdade, poucos homens de ciência
prestam-se menos do que eu à acusação de ser um especialista entre os
especialistas.”
623. Juntemos a este magnífico
conjunto de descobertas a da matéria radiante, e poderemos ousadamente caminhar
atrás de um tal homem, sem temer os sarcasmos dos ignorantes, que não nos
poderiam atingir.
624. Foi estudando com Home que
Crookes obteve as primeiras manifestações visíveis e tangíveis. Já referimos
que ele vira mão luminosa escrever rapidamente, elevar-se e desaparecer.
Prosseguindo nas experiências, teve ocasião de verificar formas e figuras de
fantasmas. Esses fenômenos foram, segundo ele próprio, os mais raros que
testemunhou. As condições necessárias para sua produção parecem tão delicadas,
basta tão pouca coisa para contrariar a manifestação, que raras foram as
ocasiões de os ver nas condições de verificação suficiente.
625. Crookes menciona dois casos: “Ao
declinar do dia, durante uma sessão de Home em minha casa, vi agitarem-se as
cortinas de uma janela, que distava cerca de 8 pés de Home. Uma forma sombria,
obscura, semitransparente, semelhante a uma forma humana, foi vista por todos
os assistentes, de pé, perto da janela, e agitava a cortina com a mão. Enquanto
a olhávamos, desvaneceu-se, e a cortina deixou de agitar-se.”
626. O caso que se segue é ainda mais
interessante. Como no caso precedente, Home era o médium: “Uma forma de
fantasma adiantou-se do canto do aposento, apanhou um acordeom e, tocando esse
instrumento, deslizou pelo quarto. Essa forma foi, durante muitos minutas,
vista por todas as pessoas presentes, percebendo-se, também, ao mesmo tempo, o
médium Home. O fantasma, em seguida, aproximou-se de uma senhora, que estava
sentada a certa distância dos demais assistentes; a senhora deu um pequeno
grito e o fantasma desapareceu”.
627. Como já dissemos, houve lutas
apaixonadas, polêmicas violentas nos jornais ingleses, e foi por essas
dissensões que tivemos a felicidade de ver Crookes intervir no debate, com uma
série de cartas, onde expôs os resultados a que chegou, em companhia de Miss Florence
Cook.
628. Eis como se procede, comumente,
para se obterem as materializações de Espíritos, e assim poderá o leitor
acompanhar a discussão. Em um quarto qualquer, suspende-se, em diagonal, num
dos cantos, uma cortina, que se pode mover sobre varões. Nesse reduto se coloca
o médium, depois de examinado dos pés à cabeça; os presentes assentam-se em
círculo, com as mãos unidas; fecham-se todas as portas. Ao fim de certo tempo,
aparece o Espírito, vindo do gabinete, e passeia no espaço deixado pelos assistentes.
629. Eis a primeira carta publicada
por Crookes: “Senhor: Esforcei-me quanto pude para evitar a controvérsia em
assunto tão inflamável como os chamados fenômenos espiritistas. Exceto pequeno
número de casos em que a eminente posição de meus adversários poderia dar a meu
silêncio outros motivos que não os verdadeiros, nunca repliquei aos ataques e
falsas interpretações que minha ligação com essa causa fizeram dirigir contra
mim. O caso, porém, muda de figura, desde que algumas linhas de minha parte
possam afastar injustas suspeitas, lançadas sobre alguém. E quando esse alguém
é uma mulher jovem, sensível e inocente, julgo especialmente um dever trazer o
peso do meu testemunho em favor daquela que creio injustamente acusada. Entre
todos os argumentos apresentados de uma parte e outra, com referência aos
fenômenos obtidos pela mediunidade da senhorita Cook, vejo estabelecidos poucos
fatos que possam levar o leitor a dizer, admitindo-se que ele possa ter
confiança no juízo e na veracidade do narrador: ‘Enfim, eis uma prova
absoluta!’ Vejo muitas falsas asserções, muitos exageros não intencionais,
conjeturas e suposições sem fim, insinuações de fraude, facécias vulgares; mas
não vejo ninguém apresentar-se com a afirmação positiva, baseada na evidência dos
próprios sentidos, de que, quando a forma que dá pelo nome de Katie está no
quarto, o corpo da senhorita Cook está ou não, no mesmo tempo, no gabinete.
Parece que toda a questão se encerra nestes estreitos limites. Prove-se como um
fato uma ou outra das duas alternativas precedentes, e todas as outras questões
subsidiárias serão afastadas. A sessão se fazia em casa do Sr. Luxmore e o
gabinete (espaço reservado ao médium), era uma sala separada por uma cortina do
aposento da frente, no qual se achava a assistência. Inspecionada a sala e
examinadas as fechaduras, a senhorita Cook penetrou no gabinete. Ao fim de
pouco tempo, apareceu a forma de Katie, ao lado da cortina, donde logo se
retirou, dizendo que sua médium não se achava bem, nem podia ser posta em
profundo sono, de maneira a poder afastar-se dela sem perigo. Eu estava
colocado a alguns pés da cortina, atrás da qual Miss Cook se sentara; e podia
ouvir-lhe, frequentemente, os gemidos e suspiros, como se ela sofresse. Esse
continuou por intervalos, durante quase todo o tempo da sessão, e em certo
momento, quando a forma de Katie estava diante de mim, no quarto, ouvi
distintamente o som de um soluço dolente, idêntico aos que Miss Cook fazia
ouvir, por intervalos, no curso da sessão, e que vinha de trás da cortina onde
ela estava assentada. Declaro que a figura era cheia de vida e tinha a
aparência de realidade, e tanto quanto pude ver à luz um pouco indecisa, seus
traços assemelhavam-se aos da Srta. Cook; mas a prova positiva dada por um dos
meus sentidos, de que o suspiro provinha da senhorita Cook, no gabinete, quando
a figura estava fora, essa prova é bastante forte para ser desfeita por uma
simples suposição contrária, ainda que bem sustentada.”
630. O testemunho de Crookes é uma
garantia da exatidão dos fatos; vamos ainda ver que essas manifestações, um
tanto vagas, se foram acentuando, até levar Crookes a dizer, numa carta
seguinte: “Sou feliz por haver obtido, enfim, a prova absoluta de que falava na
carta precedente. Por enquanto não falarei da maior parte das provas que Katie
me deu nas numerosas ocasiões em que a senhorita Cook me favoreceu com sessões
em minha casa, e não descreverei senão uma ou duas das que tiveram lugar
recentemente. Desde alguns anos, experimentava com uma lâmpada de fósforo,
consistindo numa garrafa de 6 ou 8 onças que continha um pouco de óleo
fosforado e permanecia solidamente arrolhada. Eu tinha razões para esperar que
à luz desta lâmpada alguns dos misteriosos fenômenos do gabinete pudessem
tornar-se visíveis e a própria Katie esperava obter o mesmo resultado. A 12 de
março, durante uma sessão em minha casa, e depois de ter Katie passeado por
entre nós e nos haver falado, durante algum tempo, retirou-se para trás da
cortina, que separava meu laboratório, onde estava a assistência, de minha
biblioteca, que temporariamente, fazia as vezes de gabinete. Pouco depois, ela
me chamou e disse: – Entre no quarto e levante a cabeça da médium, que
escorregou para o chão. Katie estava, então, diante de mim, vestida com sua
roupa branca habitual e toucada com seu turbante. Dirigi-me imediatamente para
a biblioteca, a fim de levantar Miss Cook, e Katie deu alguns passos de lado
para que eu passasse. Com efeito, Miss Cook tinha escorregado, em parte, de
cima do canapé, e sua cabeça estava em penosa posição. Coloquei-a no canapé e
tive, apesar da obscuridade, a viva satisfação de verificar que Miss Cook não
estava vestida com a roupa de Katie, mas trazia seu trajo ordinário de veludo
preto e se encontrava em profunda letargia. Não haviam decorrido cinco minutos,
entre o momento em que vi Katie, de vestuário branco, diante de mim, e o em que
levantei Miss Cook para o canapé, retirando-a da posição em que se encontrava”.
Respostas às questões preliminares
A. O positivista Dassier passou a admitir a existência do
ser póstumo?
Sim. Inicialmente, Dassier negava que
a sobrevivência fosse possível; depois, vencido pela evidência, reconheceu o
erro e proclamou a existência do ser póstumo, afirmando, porém, que o fantasma
tem uma existência momentânea, devida ao pouco de força vital que lhe resta no
corpo depois da morte, para depois se dissociar lentamente e entrar no grande
todo. (O Espiritismo perante a Ciência,
Quarta Parte, Cap. III – O perispírito durante a desencarnação – Sua
composição.)
B. Com relação à materialização dos Espíritos, qual o nome
do sábio que se destacou nas pesquisas desse fenômeno?
Seu nome é William Crookes, cujos
notáveis trabalhos nessa área, logo que apareceram na Inglaterra, causaram
pasmo geral. Como ousava um homem daquele valor pronunciar-se afirmativamente
sobre tão controvertido assunto e apoiá-lo com experiências científicas? O fato
era verdadeiramente incrível e de todos os lados se fizeram ouvir as
vociferações dos materialistas. (Obra citada, Quarta Parte, Cap. III – O
perispírito durante a desencarnação – Sua composição.)
C. Com qual médium Crookes obteve as primeiras manifestações
tangíveis?
Foi com Daniel D. Home que ele obteve
as primeiras manifestações visíveis e tangíveis, antes das famosas aparições
tangíveis do Espírito de Katie King. (Obra citada, Quarta Parte, Cap. III – O
perispírito durante a desencarnação – Sua composição.)
Observação:
Para acessar a parte 25 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/09/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel.html
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