O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 25
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Como é possível verificar a
existência do perispírito nos desencarnados?
B. O Espírito desencarnado pode deixar
evidências físicas de que, por algum tempo, esteve tangível, materializado?
C. Embora desencarnada, a pessoa
conserva por algum tempo suas crenças e seus preconceitos?
Texto para leitura
601. Há dois meios para verificar a
existência do perispírito nos desencarnados. Podemos, em primeiro lugar,
observá-lo quando se produzem as manifestações da alma, como o fizemos quanto
ao duplo fluídico do homem; depois, assegurar-nos de sua existência pelos
médiuns videntes e pelo testemunho dos Espíritos.
602. Relata Allan Kardec na Revue Spirite, de abril de 1860, um fato
de manifestação espontânea transmitido ao Sr. Krotzoff, de São Petersburgo,
pelo seu compatriota barão Tcherkasoff, morador em Cannes, que lhe garantiu a
autenticidade. Segundo o relato, depois de ocorrerem numa oficina da cidade
vários fatos referentes a roupas e objetos que desapareciam e depois eram
encontrados em outro lugar, sem que, por mais que tentassem, fosse descoberta a
causa, apareceu certa vez na mesa da secretaria da oficina uma pena e uma folha
de papel em que estavam escritas estas palavras: Mande demolir a parede em tal
lugar (era na escada); aí encontrará ossos humanos que fará sepultar em terra
santa. O dono da oficina apanhou o papel e correu a avisar a polícia. No dia
seguinte, procuraram saber donde provinham o papel e a pena, e acabaram
chegando a um negociante que tinha sua loja no pavimento térreo, e este
reconheceu um e outra como seus. Interrogado a respeito da pessoa a quem os
havia dado, ele respondeu: Ontem, à noite, tinha já fechado a porta, quando
ouvi um pequeno ruído na corrediça da janela; abri-a, e um homem, cujos traços
não pude distinguir, disse-me: – peço-lhe que me dê tinta e pena, que pagarei.
Tendo-lhe entregue esses objetos, ele me atirou uma grossa moeda de cobre, que
vi cair no assoalho, mas que não pude encontrar. Demoliu-se a parede no local
indicado e aí acharam ossos humanos, que foram enterrados, e tudo entrou em
ordem, mas jamais se pôde saber a quem tinham pertencido.
603. Vemos nesta história todos os
traços distintivos que encontraremos nas seguintes: 1º - o Espírito é
invisível, impalpável, porém manifesta uma presença por efeitos físicos que
provam estar materializado; 2º - pede para seu corpo ser sepultado em terra
santa. Vamos ver que, na maioria dos casos, é assim que as coisas se passam.
604. As aparições tangíveis são menos
raras do que se poderia supor. Eis uma narrada também por Allan Kardec:
“A 14 de janeiro último, o Senhor
Lecomte, cultivador na comuna de Brix, distrito de Valogne, foi visitado por um
indivíduo, que se disse um antigo camarada, que com ele havia trabalhado no
porto de Cherburgo e cuja morte remontava a dois anos e meio. Esta aparição
vinha pedir a Lecomte que lhe mandasse rezar uma missa. Ela voltou a 15.
Lecomte, menos assustado, reconheceu, efetivamente, seu antigo camarada, mas,
ainda perturbado, não soube que lhe responder. O mesmo sucedeu a 17 e 18 de
janeiro. A 19 lhe disse Lecomte: Já que desejas uma missa, onde queres que seja
dita, e a assistirás? – Desejo – respondeu o Espírito – que seja dita na Capela
do São Salvador, nestes 8 dias, e eu aí me acharei. E acrescentou: – Não te via
há muito tempo, e estou muito longe para vir ver-te. Dito o que, deixou-o,
apertando-lhe a mão. Lecomte não faltou à promessa. A missa foi dita a 27 de
janeiro, em S. Salvador, e ele viu o antigo camarada ajoelhado nos degraus do
altar. Desde esse dia Lecomte não foi mais visitado e voltou à tranquilidade
habitual”.
605. Dissemos que, morrendo, o
Espírito leva consigo suas crenças e seus preconceitos. Provam-no as duas
histórias precedentes, visto que o Espírito de S. Petersburgo pede que seus
ossos repousem em terra santa, e o segundo, que se mande rezar uma missa por
ele. Não é demais repetir que isso é devido a achar-se a alma, depois da morte,
em condições idênticas às que tinha na Terra.
606. O Espírito possui um corpo, o
perispírito, que lhe parece material; ele vai e vem, conforme seus hábitos, e
admira-se por não lhe responderem. Sua situação é análoga àquela em que nos
encontramos no sonho. Temos consciência de que vivemos, praticamos certos atos,
vemos as pessoas e os objetos, mas tudo de modo especial. Nunca refletimos em
nosso estado, durante esse tempo; sucedem-se os acontecimentos, neles tomamos
parte, mas, quer exista, algumas vezes, felicidade ou sofrimento, e ainda que
sintamos estas sensações, elas não produzem em nós as mesmas impressões da
vigília. Parece que o raciocínio e a sensibilidade são desviados da atividade
normal.
607. No sonho, o Espírito quer, pensa,
age; acha-se em contato com outras personagens, conhecidas ou desconhecidas,
mas não tira deduções desses encontros, ou do que vê; em uma palavra, não goza
da plenitude de suas faculdades. Na morte, reproduz-se o mesmo fenômeno. O
Espírito entra em perturbação; ele sabe que está vivo, está certo de que
existe, mas ninguém o acolhe: parentes e amigos nunca lhe dirigem a palavra.
Vai às ocupações ordinárias, como durante a vida, e esta situação se prolonga
até que reconheça seu estado.
608. Tais fatos não se produzem
somente nos homens desprovidos de inteligência; pode dar-se com Espíritos
cultos, mas que ou em nada têm ou têm ideias falsas sobre o futuro da alma. É
natural que o materialista, ainda o mais instruído, não se julgue morto, pois
que, para ele, morte é sinônimo de nada. Por seu turno, os Espíritos religiosos
que creem firmemente no julgamento de Deus, no paraíso, no inferno, se
persuadem que não estão mortos, visto que possuem um corpo e nada sucede do que
esperavam.
609. Eis aqui fatos que apoiam o nosso
raciocínio. O primeiro está narrado nos Anais da Academia de Medicina de
Leipzig, foi discutido publicamente por esta sábia corporação, e apresenta,
pois, todos os caracteres da certeza. Em 1659 morreu em Crossen, na Silésia, um
jovem boticário, chamado Cristóvão Monig. Alguns dias depois, viram um fantasma
na farmácia. Todos reconheceram nele Cristóvão Monig. O fantasma senta-se,
levanta-se, vai às prateleiras, apanha os potes, os frascos, muda-os de lugar.
Examina e prova os medicamentos, pesa-os, mói as drogas com ruído, serve as
pessoas que lhe apresentam receitas, recebe dinheiro e o coloca na gaveta.
Ninguém ousa, entretanto, dirigir-lhe a palavra. Tendo, sem dúvida,
ressentimentos contra o patrão, que estava, então, seriamente enfermo, faz-lhe
toda a sorte de pirraças. Um dia, apanha uma capa, na farmácia, abre a porta e
sai. Atravessa as ruas sem olhar para ninguém, entra em casa de muitas pessoas
de suas relações, contempla-as um instante, sem proferir palavra, e retira-se.
Encontrando no cemitério uma criada, diz-lhe: Vai à casa do teu patrão e cava no
quarto térreo; aí encontrarás um tesouro inestimável. A pobre rapariga,
espantada, perdeu os sentidos e caiu. Ele se abaixa e a apanha, mas lhe deixa
um sinal, por muito tempo visível. Voltando à casa e apesar de muito assustada,
ela conta o que lhe sucedeu. Cava-se no lugar designado e descobre-se, num
velho pote, uma bela hematita. Sabe-se que os alquimistas atribuem a essa pedra
propriedades ocultas.
610. Tendo o ruído desses prodígios
chegado aos ouvidos da princesa Elisabeth Charlotte, ordenou ela que se
exumasse o corpo de Monig. Pensavam tratar-se de um vampiro, mas só encontraram
um cadáver em putrefação bem adiantada. Aconselharam, então, ao boticário que
se desfizesse de todos os objetos que pertenceram a Monig. O espectro não mais
apareceu a partir desse momento.
611. Aqui, o estado de que falamos é
bem caracterizado. A alma do aprendiz volta e se entrega às ocupações
habituais; é o que acontece muitas vezes; mas a raridade dessas aparições se
explica, porque nem sempre se apresentam as condições necessárias à
materialização do perispírito. Veremos daqui a pouco quais são estas condições.
612. Tomemos a Dassier outro caso em
que a individualidade póstuma é também muito acentuada. O autor deve a
narrativa à gentileza do Sr. Augé, antigo preceptor em Sentenac, Ariège,
paróquia do padre Peytou:
“Sentenac-de-Sérou, 8 de maio de 1879.
Senhor:
Pediste para contar, a fim de serem
discutidos cientificamente, os fatos sobre as almas, geralmente admitidos pelas
pessoas mais conceituadas de Sentenac, e que estejam cercados de tudo que os
possa tornar incontestáveis. Vou citar tais como se produziram e os referem
testemunhas dignas de fé.
Primeiro –
Quando, há cerca de 45 anos, morreu o cura de Sentenac, Peytou, ouvia-se, todas
as noites, a partir do anoitecer, alguém mover as cadeiras nos aposentos do
presbitério, passear, abrir e fechar uma caixa de rapé, e produzir-se o ruído
de quem toma uma pitada. O fato, que se reproduziu por muito tempo, foi, como
acontece sempre, logo admitido pelos mais simples e mais medrosos. Os que
queriam parecer o que me permitireis chamar os Espíritos fortes da comuna, não
lhe quiseram dar nenhuma fé. Contentavam-se em rir dos que pareciam ou, melhor
dizendo, estavam persuadidos de que o Sr. Peytou, o cura morto, aparecia.
Antonio Eycheinne, falecido há 5 anos,
e Batista Galy, que ainda vive, os dois únicos indivíduos um tanto instruídos
do lugar e, portanto, os mais incrédulos, quiseram certificar-se por si mesmos
se todos os ruídos noturnos que – dizia-se – ouviam-se no presbitério, tinham
algum fundamento ou se eram somente o efeito de imaginações fracas, que muito
facilmente se assustam. Uma noite, armados com um fuzil e um machado,
resolveram ficar na casa presbiterial, decididos, se ouvissem alguma coisa, a
saber se eram vivos ou mortos os que faziam o ruído.
Instalaram-se na cozinha, perto de um
bom lume, e começaram a conversar sobre a simplicidade dos habitantes,
declarando que não ouviam nada, e poderiam perfeitamente repousar no colchão de
palha, que tiveram o cuidado de levar. Foi quando, no quarto, em cima,
perceberam um ruído, depois cadeiras que se moviam e alguém que caminhava,
depois descia as escadas, e dirigia-se para a cozinha. Eles se levantaram.
Eycheinne vai até à porta, com o machado na mão, pronto a ferir quem ousasse
entrar, enquanto Galy prepara a espingarda.
Aquele que parecia caminhar, chegado
em frente à porta da cozinha, toma uma pitada, isto é, os nossos homens ouviram
o ruído que se faz ao tomar uma pitada, e, em lugar de abrir a porta da
cozinha, o fantasma foi para o salão, onde parecia passear.
Eycheinne e Galy, sempre armados, saem
da cozinha, passam para o salão e não veem absolutamente nada. Sobem aos
quartos, percorrem a casa toda, perscrutam todos os cantos e acham tudo em seus
lugares. Eycheinne, que era o mais incrédulo, disse, então, ao companheiro:
– Amigo, não são os vivos que fazem o
barulho, são realmente os mortos; é o cura Peytou; o que ouvimos foi seu andar
e sua maneira de tomar pitadas. Podemos dormir tranquilos.
Segundo – Maria
Calvet, criada de Ferré, sucessor de Peytou, mulher tão corajosa quanto existir
pudesse, que não se deixava impressionar por coisa alguma e em nada que se lhe
contasse acreditava, que sem temor teria dormido numa igreja, como se diz
vulgarmente de uma mulher que não tem medo; esta criada, digo, limpava certa tarde,
ao cair da noite, no corredor do celeiro, os utensílios da cozinha. Ferré, seu
patrão, que tinha ido visitar o cura Desplas, seu vizinho, não devia voltar
naquele momento. Enquanto Calvet limpava os utensílios, um padre passou diante
dela, sem lhe dirigir a palavra.
– Ó! o senhor não me faz medo senhor
Cura – disse ela –, eu não sou tão tola para acreditar que o Senhor Peytou
possa voltar.
Vendo que o padre, a quem tomava pelo
patrão, havia passado sem lhe dizer nada, Maria Calvet levanta a cabeça, vira-se
e não vê ninguém.
Começou, então, a assustar-se, desceu
rapidamente a procurar os vizinhos, para dizer-lhes o que lhe sucedera e pedir
à mulher de Galy que viesse dormir com ela.
Terceiro –
Ana Maurette, esposa de Raymond Ferraud, ainda viva, dirigia-se ao morro, ao
amanhecer, para buscar, com seu burro, uma carga de lenha. Passando diante do
jardim presbiterial, vê um padre, que passeava na alameda, com um breviário na
mão. Quando lhe ia dizer ‘Bom dia, senhor padre, levantou-se muito cedo’, o padre
voltou-se e continuou a ler o breviário.
Não o querendo interromper, a mulher
retomou seu caminho, sem que lhe viesse à ideia pensamento de almas. Ao voltar
do morro, com o burro carregado de lenha, encontrou o cura de Sentenac diante
da igreja. – Levantou-se hoje muito cedo, Sr. Cura – disse ela – pensei que ia
fazer uma viagem, pois, ao passar, vi-o rezando no jardim. – Não, boa mulher –
respondeu o vigário –, não há muito que saí da cama, e acabo de dizer missa.
– Então – replicou a mulher, tomada de
medo – quem era esse padre que lia o breviário, ao amanhecer, na aleia do
jardim, e voltou-se no momento em que eu lhe ia dirigir a palavra? Foi bom que
eu acreditasse que era o senhor. Teria morrido de medo se pudesse pensar que
era o cura, que já não existe. Meu Deus! Eu não teria mais coragem pata voltar
de manhã.
Eis aí, senhor, três fatos, que não
são o produto de uma imaginação fraca e assustada, e duvido que a Ciência possa
explicá-los. Serão os mortos? Não o afirmarei, mas há aí alguma coisa que não é
natural.
Seu, muito dedicado.
J. AUGÉ.”
613. Todas as circunstâncias desta
narrativa mostram a personalidade póstuma do cura Peytou, continuando no outro
mundo a vida terrestre. Ele anda de um lado para outro no seu apartamento,
passeia, lendo o breviário; é, pois, impossível negar a persistência da
individualidade nestas condições.
Respostas às questões preliminares
A. Como é possível verificar a existência do perispírito
nos desencarnados?
Há dois meios para isso. Podemos, em
primeiro lugar, observá-lo quando se produzem as manifestações da alma, pelos
efeitos que disso decorrem; depois, assegurar-nos de sua existência pela
descrição feita pelos médiuns videntes e pelo testemunho dos próprios
Espíritos. (O Espiritismo perante a
Ciência, Quarta Parte, Cap. III – O perispírito durante a desencarnação –
Sua composição.)
B. O Espírito desencarnado pode deixar evidências físicas
de que, por algum tempo, esteve tangível, materializado?
Sim. Embora invisível e impalpável, o
Espírito pode manifestar sua presença por efeitos físicos que provam estar
materializado. Os fatos nesse sentido são abundantes, como o leitor verá lendo
esta obra. (Obra citada, Quarta Parte, Cap. III – O perispírito durante a
desencarnação – Sua composição.)
C. Embora desencarnada, a pessoa conserva por algum tempo
suas crenças e seus preconceitos?
Evidentemente. Desencarnado, é comum
que o Espírito leve consigo suas crenças e seus preconceitos. Os fatos o
comprovam. Há Espíritos, por exemplo, que vêm para pedir que seu corpo seja
sepultado em determinado lugar ou que rezem uma missa por eles, o que prova que
eles se encontram em condições idênticas às que tinham na Terra. (Obra citada,
Quarta Parte, Cap. III – O perispírito durante a desencarnação – Sua
composição.)
Observação:
Para acessar a parte 24 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/08/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_28.html
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