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sexta-feira, 23 de outubro de 2020

 



O Espiritismo perante a Ciência

 

Gabriel Delanne

 

Parte 32

 

Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.

Nosso objetivo é que este estudo possa servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.

Cada parte do estudo compõe-se de:

a) questões preliminares;

b) texto para leitura.

As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

 

                Questões preliminares


A. As evoluções do princípio inteligente limitam-se às experiências realizadas em nosso globo?

B. Existe relação entre o organismo do médium e a mediunidade?

C. Na época de Delanne, havia médiuns que se valiam de sua faculdade para ganhar a vida?


                    Texto para leitura

 

744. No ponto de vista moral, que é o mais importante, as sábias pesquisas de Boucher de Perthes, Du Mortillet, Lartet, Gaudry e tantos outros estabeleceram que, em certo momento do período quaternário, os caracteres humanos e símios se encontraram reunidos no antropoide dessa época longínqua. À medida que esse ser foi progredindo, seus órgãos se foram aperfeiçoando, em consequência dos esforços que fazia para comunicar-se com seus semelhantes; formou-se a apófise dentária, e esse animal humano pôde falar. Não se sabe a duração do tempo em que se operou essa transformação, mas tudo leva a crer que foi enorme.

745. O homem não falante é o que se encontra no grau superior terciário, e apesar das vivas discussões que levantou a qualificação de homem, que lhe foi dada, pode ser ele, em todo caso, considerado como um precursor, pois que talhava pedras para seu uso.

746. Se o princípio inteligente dos animais foi obrigado a passar por formas intermediárias para chegar a humanidade, se são os macacos os representantes diretos dos antropoides e se a raça tende a desaparecer, pergunta-se: quando eles não existirem mais, como poderão as almas dos animais chegar ao nosso grau humano? É sensata a objeção e nos demonstra que não se devem limitar à Terra as evoluções do princípio inteligente. Fazemos parte do Universo e nada prova que o princípio anímico seja obrigado, chegando à Terra, a seguir toda a série das espécies que existem em sua superfície.

747. Na época quaternária, fora possível que as almas animais se transformassem, passando por graduações insensíveis a almas humanas; mas, em nossa época, isto já não é possível, pois que não se encontram traços intermediários entre o homem e o macaco. É preciso, pois, admitir que a alma animal, chegada ao ápice da escala das formas por que tinha de passar, é levada a um mundo onde, pouco a pouco, adquire as qualidades que diferenciam o homem do animal, isto é, o conhecimento de si mesmo, a perfectibilidade e o sentimento do bem e do mal.

748. A passagem da alma pela série animal parece-nos razoável, mas ainda há muitos pontos a esclarecer e não podemos apresentar esta hipótese senão com as mais formais reservas. Para entrar no terreno sólido dos fatos, podemos afirmar que o homem existe na Terra há mais de 300.000 anos; que saiu, lentamente, da faixa da bestialidade, para elevar-se até aos mais altos píncaros da intelectualidade. Que espetáculo e que ensino nos apresentam nossos miseráveis avós, morando em cavernas e correndo nus, em busca de nutrição! A custo distinguiam-se de outros animais ainda mais fortes e tão ferozes como eles. Mas o homem traz na fronte o selo da superioridade, possui a inteligência; é ela que o vai tirar desse terrível estado para torná-lo o senhor de toda a criação. É a lei do progresso que se manifesta e que nos eleva da inferioridade do ser às esferas radiantes, onde só existe o amor, a justiça e a fraternidade.

749. Os fenômenos mediúnicos de que falamos no capítulo consagrado ao Espiritismo necessitam estudo especial, porque demonstram que existem estados particulares do organismo que permaneceram desconhecidos até aqui dos fisiologistas e dos filósofos. Um médium, já o dissemos, é um ser dotado do poder de entrar em comunicação com os Espíritos; deve, pois, possuir em sua constituição física algo que o distinga das outras pessoas, pois que nem todos estão aptos a servir de intermediários aos Espíritos desencarnados. Ademais, o Espírito emprega, ao atuar sobre o médium, certos processos que seria interessante conhecer, porque se concebemos muito bem como pode um homem fazer sentir fisicamente sua influência sobre um outro, o mesmo não se dá quando examinamos de que maneira se exerce a ação espiritual sobre um encarnado.

750. Nestas pesquisas, facilmente se compreenderá que só podemos raciocinar por analogia. Não é possível, ainda, fazer experiências diretas sobre o fluido perispiritual, que escapa, por sua natureza, a todos os nossos instrumentos, por mais perfeitos que sejam. Repetiremos aqui o que já foi dito, que não temos a pretensão de os explicar cientificamente; nosso fim é mais modesto; limitamo-nos a apresentar analogias, a emitir teorias, que permitirão compreender como se podem produzir os fenômenos. É uma tentativa que tem por fim fazer entrar os fatos espiritistas nas leis naturais e mostrar que foram considerados, sem razão, como derrogações aos princípios imutáveis que dirigem a Natureza.

751. A má interpretação que se deu às manifestações espíritas afastou delas os pensadores; eles acreditaram que se queriam renovar as mais absurdas superstições e levantaram-se com razão contra o que tachavam de loucuras. Mas mostrando-lhes que podemos explicar logicamente os fatos por hipóteses deduzidas das modernas concepções científicas, abrir-lhes-emos os olhos sobre uma ordem de fatos que eles ignoravam e por isso mesmo chamaremos a atenção dos homens sérios para um domínio inexplorado e fecundo em maravilhosas descobertas. É, pois, dar um passo avante na propagação de nossas crenças explicar o mediunismo por uma teoria que não choque, em nada, as ideias do mundo científico.

752. Não podemos pretender dar as relações numéricas que ligam os diferentes fenômenos da mediunidade; ninguém entretanto duvida que elas existem e chegar-se-á mais ou menos depressa a descobri-las, conforme a exatidão dos métodos que se empregarem. Já vimos Crookes construir aparelhos de medida muito sensíveis para apreciar a influência dessa força, que se exerce à distância do foco donde ela emana e com nenhum condutor visível, assim como o constata o relatório da Sociedade Dialética.

753. Foi seguindo uma ordem de ideias paralela a esta que Helmholtz e Donders chegaram a calcular o tempo fisiológico da visão, isto é, a duração que separa o momento em que uma sensação luminosa fere o olho, daquele em que ela é percebida pelo cérebro. Essas experiências, muito simples, formam os elementos fundamentais de toda atividade intelectual, porque nelas entram em jogo a sensação, a percepção, a reflexão e a vontade.

754. Segundo seu grau de complexidade, cada ciência se aproxima mais ou menos da precisão matemática à qual ela deve chegar, cedo ou tarde, e tanto isto é verdade que a ideia de aplicar o cálculo aos fenômenos vitais não é nova.

755. Fechner teve a glória de ter coordenado os trabalhos contemporâneos e de os ter completado com suas próprias pesquisas. Esta parte da Física Fisiológica tomou o nome de Psicofísica.

756. É por esta ordem de ideias que devemos impelir o Espiritismo. É preciso agora, quando a existência da força psíquica é incontestável, medir sua ação sobre o homem e a que ela pode exercer à distância. A filosofia grandiosa dos Espíritos está assentada em bases da mais rigorosa lógica; é preciso, pois, estudar as leis físicas que tornarão nossas experiências irrefutáveis.

757. Existem, infelizmente, entre os médiuns, os mais deploráveis preconceitos. Uns se supõem investidos de uma espécie de sacerdócio, que os deve colocar acima de seus contemporâneos, e consideram como atentatória à sua dignidade qualquer medida que tenha por fim fiscalizar-lhes a faculdade. Outros – ajuntemos que são pouco numerosos – consideram o mediunismo como um dom que lhes permite ganhar facilmente a vida, e se estabelecem médiuns como o faria um salsicheiro ou um padeiro.

758. É de desejar que os espiritistas sérios reajam contra essas tendências contrárias às instruções dos Espíritos, e que Allan Kardec reprovava energicamente. Disse Lafontaine: Mais vale um franco inimigo do que um amigo desastrado. É uma verdade isto, sobretudo em Espiritismo.

759. Formou-se uma classe de fanáticos que querem excluir toda medida preventiva que tenha por fim resguardar contra uma possível fraude. Consideram eles os investigadores sérios como falsos irmãos e, por pouco, lhes pregariam uma peça. Essas pobres pessoas não compreendem que é de interesse capital que não se produza a menor suspeita; sem isto, adeus convicções! Com seu desajeitado zelo, fazem mais mal à doutrina que os mais encarniçados detratores.

760. Não é só na França que isto acontece, senão também na Inglaterra. Veja o que, a propósito, escreveu Hudson Tuttle, na Banner of Light, sob o título O Sacerdócio dos Médiuns:

“Banner, em seu número de 26 de fevereiro de 1876, traz um artigo assinado por T. R. H., que apresenta as mais errôneas conclusões. O pior é que esse senhor diz alto o que muitos pensam baixo. Já se tem cem vezes repetido que os fenômenos espirituais tinham por fim convencer os incrédulos. Para convencer é preciso que os fenômenos se possam produzir e que deles se tenha a prova, sem perturbar as leis que presidem à sua manifestação. Ora, o autor do precitado artigo, contrariando toda ciência, diz: ‘Não está distante o dia, eu o espero, em que os médiuns terão, em geral, uma suficiente independência para negar a todos o direito de exigir uma prova qualquer, quanto a seus diversos poderes.’ É a primeira vez que vemos atribuir-se aos médiuns um poder sagrado que não admite contradição. Onde nos levará isso? Ao culto dos médiuns. Deve-se, como entre os antigos levitas, criar uma classe especial que fique acima das leis que regem a generalidade dos homens e devemos, com os olhos fechados, aceitar o que lhes aprouver chamar de espiritual? Mas o papa se torna um pigmeu ao lado do colosso que assim se quer erigir acima do julgamento de todos. Pôr uma venda nos olhos da razão e transformar os espectadores em títeres, com os médiuns a lhes puxarem os cordéis, seria querer o fim do Espiritismo a breve trecho. Ousamos declarar que as provas estritamente científicas impostas pelo professor Crookes e a retidão de suas observações fizeram mais para impressionar o mundo científico que quaisquer cartas de louvores de pesquisadores comuns. Não há espíritas que não falem com legítimo orgulho das investigações do célebre professor. Estudei um pouco os fenômenos espirituais e ninguém me acusará de procurar sistematicamente causar danos à causa que me tomou os melhores momentos de minha vida, nem de querer impor condições prejudiciais ao fluido espiritual. Porque amo o Espiritismo é que o quero ver liberto de toda a mentira, desembaraçado de toda acusação de falsidade. O professor Crookes, como todos sabem, colocou uma gaiola em torno dos instrumentos de música que, apesar disso, tocaram algumas árias; este fato prova suficientemente que o poder espiritual pode agir através dessas gaiolas. Por que, desde então, não colocar sempre uma gaiola semelhante em torno dos instrumentos? Por que deixar um pretexto àqueles que é preciso convencer? E por que, sobretudo, qualificar de falso irmão aquele que propõe medidas de controle tão seguras? Quando um médium se furta a uma prova que a minha própria experiência, aliada à de outros, demonstrou não ser prejudicial às manifestações, apresso-me em pôr termo a qualquer espécie de prática com ele. Confesso não compreender por que o médium honesto resistiria a certas condições experimentais que se lhe queira impor. Nada, sem dúvida, poderia ser-lhe mais importante, do que a completa elucidação da causa que ele defende; a causa só pode ganhar com isso e ele deve considerar ponto de honra colocar em terreno livre toda observação. E então, mesmo que se tenha controlado uma vez as manifestações de um médium, não há razão para que outras manifestações sejam admitidas como verdadeiras, se as mesmas condições de controle não tenham sido observadas.”

761. Eis o que é bem falar e desejaríamos que os espiritistas pensassem da mesma maneira. É preciso nos coloquemos em face dos preconceitos de nosso tempo, que está muito inclinado a nos tomar por alucinados, e deixemos aos céticos a facilidade de se convencerem, só lhes fazendo ver fenômenos absolutamente irrefutáveis. Nestas condições, formaremos adeptos; se não se submeterem a isso, de que servirá a propaganda?

762. Devemos dizer que a grande maioria dos espiritistas pensa como nós e que estas reflexões visam apenas a um restrito grupo de atrasados, que temeriam dar um tremendo golpe na doutrina, revelando um embuste. Cumpre, ao contrário, o maior vigor e é porque os fenômenos existem que se faz mister vigiar os charlatães que tentariam imitá-los.

763. A mediunidade se nos apresenta de tal maneira probante, que a dúvida não é mais permitida a quem queira estudar seriamente; mas se o pesquisador tem a infelicidade de encontrar, no começo de suas investigações, um impostor, conclui falsamente que o Espiritismo não passa de um novo método de exploração. Não nos devemos expor à crítica e, por isso, Allan Kardec pregou sempre a mais absoluta fiscalização.

764. A propósito da tentativa de explicação científica, que apresentamos, poderão observar-nos que apoiamos nossas demonstrações em hipóteses e que, portanto, não servirão para convencer os incrédulos. Responderemos que o terreno em que entramos não foi ainda reconhecido e que forçoso nos é recorrer às hipóteses. Mas teremos o cuidado de aventá-las de tal sorte que nenhuma experiência venha desmenti-las. É nestas condições que uma teoria é aceitável. Conformamo-nos, aliás, com o uso dos sábios, que estão reduzidos aos sistemas, para explicar os mais simples fenômenos, os que se passam sob seus olhos e cujas condições de produção podem variar à vontade. Não esqueçamos, com efeito, que os tratados de física ou de química só nos apresentam as relações entre as diferentes substâncias, sem mostrar a natureza íntima dos corpos. Fala-se sem cessar, da matéria, sem lhe definir exatamente a verdadeira constituição.

765. A força é um proteu (1) de formas múltiplas, cuja essência é ainda um mistério. Finalmente, verificamos correlações ou diferenças entre certo número de fatos e daí deduzimos leis, mas sem conhecer a verdadeira natureza dos corpos sobre os quais elas se exercem, nem o que são essas leis em si mesmas.

 

(1) Proteu: aquele que muda facilmente de opinião ou de sistema.

 

Respostas às questões preliminares

 

A. As evoluções do princípio inteligente limitam-se às experiências realizadas em nosso globo?

Não. Tudo leva a crer que não se devem limitar à Terra as evoluções do princípio inteligente. Fazemos parte do Universo e nada prova que o princípio anímico seja obrigado, chegando à Terra, a seguir toda a série das espécies que existem em sua superfície. (O Espiritismo perante a Ciência, Quarta Parte, Cap. IV – Hipótese.)

B. Existe relação entre o organismo do médium e a mediunidade?

É bem provável. Um médium é um ser dotado do poder de entrar em comunicação com os Espíritos; deve, pois, possuir em sua constituição física algo que o distinga das outras pessoas, pois que nem todos estão aptos a servir de intermediários aos Espíritos desencarnados. (Obra citada, Quinta Parte, Cap. I – Algumas observações preliminares.)

C. Na época de Delanne, havia médiuns que se valiam de sua faculdade para ganhar a vida?

Sim, embora fossem pouco numerosos. Eles consideravam o mediunismo como um dom que lhes permitia ganhar facilmente a vida, fato que Allan Kardec reprovava energicamente. (Obra citada, Quinta Parte, Cap. I – Algumas observações preliminares.)

 

 

Observação:

Para acessar a parte 31 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/10/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_16.html

 

 

 

  

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