Devaneios linguísticos de Jó
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Amigo leitor, no ano passado, eu estava correndo em
pista do Lago Sul, de Brasília, quando levei uma queda. Como a pista era
bastante inclinada, uma senhora que subia por ela, de carro, ao me ver cair de
ponta-cabeça, imaginou que eu teria fraturado o crânio. Logo, a bondosa dama
ligou para a ambulância do Corpo de Bombeiros, que não tardou a chegar.
Vendo-me sentado no acostamento da pista, cercado pelo
zelo da senhora, que lhe passou sua impressão sobre minha queda, um dos três
militares que me atenderam iniciou uma série de perguntas. Graças a Deus,
respondi com lucidez a todas elas, mas o paramédico ficou espantado com minha
trajetória de vida: auxiliar de pintor de paredes, vigia de loja de vizinho
evangélico, aos doze ou treze anos de idade, balconista, jornaleiro, vendedor
de picolés e, aos dezenove anos, soldado do Exército. Faltavam-me opções, pois
ainda nem completara o ensino médio.
Após promoção, fui transferido para Salvador, onde
fiquei durante ano e meio. Depois, para Barreiras, BA, onde me casei e, no ano
seguinte, vim com a nova família, agora acrescida da filha primogênita, para
Brasília.
Como aprendera a gostar de poesia e rabiscar meus
poemas, ainda em mocidade espírita de Rocha Miranda, no Rio de Janeiro
(Mocidade Espírita Irmão Isaac, do Centro Espírita Jesus, Maria e José), ao
saber de concurso nacional de poesia, promovido pela Revista Brasília, inscrevi-me. Para minha surpresa, fui classificado com
medalha de bronze, como prêmio ao meu poema intitulado A Marcha.
Por essa época, eu já havia concluído o ensino médio, aqui
na Capital, então prestei vestibular no Centro de Ensino Unificado de Brasília
(UniCEUB) e, cinco anos após, iniciei meu trabalho como professor de língua
portuguesa na própria faculdade que me formara e onde também me pós-graduara
como especialista em língua portuguesa.
Em pouco mais de duas décadas, no ensino de português,
redação e literatura, conheci as teorias de Roman Jakobson, Henri Saussure e
Noam Chomsky sobre a língua e a linguagem. Entretanto, nunca pensei em
substituir a alma pela sua faculdade de se comunicar.
Agora, após ter concluído, na UnB, especialização,
mestrado e doutorado em literatura e estar cursando um estágio pós-doutoral, on-line,
na Universidade Estadual da Bahia, propuseram-me a leitura de filósofos e
teóricos que veem diferente de mim as funções da linguagem propostas por Jakobson.
Um deles é Roland Barthes, para quem "a língua é fascista, porque nos
obriga a dizer".
Pelo que sei, o que nos faculta, e não nos obriga a
dizer, é a vontade, atributo da alma. Enfim... anotei algumas coisas gostosas
ditas por esse emérito professor francês. Uma delas é que "a literatura
está onde há sabor nas palavras, pois sabor e saber têm a mesma origem etimológica
latina".
Outra coisa interessante, que contrasta com o gênio
conservador francês de sua língua, é que, para Barthes, a escola deveria
encorajar a "aprendizagem simultânea de várias línguas com funções
diversas, promovidas à igualdade".
Há mais coisas interessantes em sua excelente obra.
Humana como tantas outras que se julgam muito sábias, mas que, com sua ciência
igualmente mutante, não decifram o mutante coronavírus. Sua proposta de
diversificação do aprendizado linguístico, no entanto, valoriza o que tenho postado
aqui, a conta-gotas, semanalmente: a tradução livre de uma página da terceira
edição francesa d'O Evangelho Segundo o Espiritismo em terceira pessoa,
que é a língua falada, predominantemente, pelo povo.
À bientôt!
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