CINCO-MARIAS
Dizer a verdade
EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
O essencial é não mentir, e antes de mais nada, não se mentir. Não se mentir
sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre a felicidade. André Comte-Sponville
A mentira acompanhou toda a História do homem. E aprendemos desde
criança que essa prática só cria confusão e infelicidade.
Em alguns casos, sabemos que mentir é uma tentativa de viver uma
realidade distinta e não o que se vive de fato. E, no geral, a possibilidade de
a criança dizer a verdade é menor se ela sentir medo de ser
severamente punida.
Por sabermos que a honestidade e a sinceridade são a base para qualquer
relacionamento humano, a melhor maneira de lidar com a mentira na infância,
época em que o ser humano começa a mentir, é fazer com que as crianças adquiram
o hábito de dizer a verdade. O pai não pode pedir ao seu filho que
não diga para a mãe que o viu bebendo, por exemplo. Uma avó não deve solicitar
ao neto que não conte aos pais que comeu o doce antes do almoço, segundo uma
“inocente mentirinha”. Cuidar também em orientar a criança sem lançar mão de
ameaças vazias como “papai do céu castiga quem mente...”
Ensina-se com o exemplo, em primeiro lugar. Pois como exigir de
uma criança dizer a verdade se ela vê seus pais mentirem com frequência?
Há crianças que mentem por imitação. O hábito de dizer a verdade, nesses
casos, não tem ressonância no lar, porque não há, no ambiente doméstico, um
clima de lealdade e os adultos, por isso, facilmente falseiam os fatos, as
circunstâncias. A criança cresce em consequência (mais) inclinada à mentira.
Você cultiva o hábito de dizer a verdade, mas descobriu uma mentira de
seu filho? Depois de explicar-lhe com calma os riscos e vexames causados por
uma mentira, use uma reprimenda leve ou uma breve perda de privilégios – a
depender da situação. Os castigos mais severos – gritar, tirar um brinquedo por
semanas etc. – humilham, geram ressentimento e, dificilmente, modificam o uso
da estratégia da mentira. Recordar sim, sem preguiça, que a tarefa essencial é
dizer a verdade.
Contos de fadas enriquecem a infância. As aventuras de Pinóquio*,
por exemplo, proporciona um conteúdo ético importante, revelando ludicamente à
criança o desvalor da mentira...
Notinha
Segundo estudos diversos, aos dois anos as crianças já imitam os outros.
A partir dos 4 anos começam a identificar mentirosos pelo olhar. Aos sete anos,
as crianças já são capazes de sustentar uma mentira. Aos treze anos, o
adolescente é capaz de mentir como um adulto dissimulado.
Sugestões para ajudar a criança a desenvolver o hábito de dizer a
verdade: a) evite rótulos. Dizer mentiras é diferente de ser mentiroso. Ao
atribuirmos uma característica à criança que na realidade é só um
comportamento, poderemos promover a identificação da criança com o rótulo e, em
consequência, acabar por estimular o vício da mentira; b) dê o exemplo. Um
simples “Diz que eu não estou em casa!” para evitar um telefonema incômodo
valida o hábito da mentira; c) esclarecer à criança que sempre há opções que
não implicam mentir – por exemplo, ao receber um presente de que não gostou,
ela precisa somente agradecer; d) quando a criança mente, o assunto deve ser abordado
com calma, sem ameaças de castigos ou punições severas. Quando o adulto age com
violência e/ou ressentimento, sua conduta apenas reforçará, na criança, a
tendência para mentir e, nesse caso, como uma medida defensiva; e) evite dar
oportunidade à mentira. Se já sabe que a criança não fez a tarefa da escola,
por que perguntar isso a ela? Prefira apoiá-la: “há algo em que eu possa ajudar
em relação à sua tarefa?”; f) elogie o comportamento positivo e, ainda, procure
promover a reparação do dano causado em vez do castigo.
*A história original, traduzida para o português como As aventuras de
Pinóquio, foi escrita pelo italiano Carlo Collodi. No formato de folhetim,
os capítulos foram publicados por um semanário infantil de Roma – o Giornale
per i Bambini entre os anos de 1881 e 1883. A história ganhou várias
versões, sendo a mais conhecida o desenho animado de Walt Disney, no século XX.
*
Esta seção, cuja estreia neste blog ocorreu no dia 6 de janeiro deste
ano, traz sempre textos dedicados à infância, seus cuidados, sua educação. O
título – Cinco-marias – é uma alusão a um conhecido brinquedo
que integra um conjunto de brincadeiras e
atividades lúdicas conceituadas como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta
floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em
Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto
Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim
Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em
Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), está concluindo em São Paulo a formação
em Psicanálise.
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental
em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.
Seu contato no Instagram é @eugeniapickina
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