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quinta-feira, 24 de novembro de 2022

 



CINCO-MARIAS

 

Ciúme entre irmãos

 

EUGÊNIA PICKINA

eugeniapickina@gmail.com



Se a criança vive em uma atmosfera amigável, sentindo-se necessária, aprenderá a encontrar o amor no mundo
. Maria Montessori

 

A rivalidade entre irmãos é encontrada na natureza e a mesma coisa acontece na família humana: a chegada de um novo irmão costuma abalar a confiança do filho mais velho, que recebia 100% da atenção que os pais lhe disponibilizavam. Desse modo, lidar com o ciúme entre irmãos é um desafio na educação dos filhos.

No primeiro momento, o novo bebê é uma alegre novidade, e o filho mais velho pode até se divertir inicialmente. Mas em pouco tempo ele se cansará e simplesmente reivindicará seu lugar como filho único. Mas isso não vai ocorrer e, ainda, ele perceberá que perdeu esse “privilégio” para sempre.

Uma ideia preocupante toma a mente do primogênito: talvez o novo bebê seja mais amado do que ele. E é nesse momento que as coisas se modificam e que o filho mais velho, tomado pela frustração, passa a agir de modo claro (“quero que vocês levem esse bebê de volta”) ou dissimulado (esconder a chupeta do bebê, dar um beliscão no bebê etc.) ou, ainda, regredir para um comportamento mais infantil e manhoso. O que tudo isso sinaliza? São tentativas de resgate daquele “lugar edílico”, agora definitivamente perdido. Se nada for feito para ajudar a criança que vive essa situação, a rivalidade (cuja raiz é o ciúme) tem o potencial de semear padrões negativos que podem durar a vida inteira.

Não podemos ignorar o fato de que uma criança é incapaz de processar criticamente suas emoções e, por isso, quando estão emocionalmente afetadas, reagem brusca ou agressivamente, sem condição de refletir e agir de modo adequado. No primeiro setênio, há o predomínio do pensamento mágico e, consequentemente, as crianças não entendem a diferença entre bairro e cidade, entre a vida e a morte etc. O cérebro está em formação e, justamente por isso, a criança que experimenta o ciúme pode conservar padrões baseados nessas frustrações iniciais e que, se não orientadas pela paciência e o amor dos pais, podem influir sobre o modo de se relacionar com o irmão ou a irmã mais nova pelo resto da vida.

O que os pais podem fazer em relação ao ciúme que o primogênito ou a primogênita sente em relação ao novo membro familiar?

Os pais precisam agir como pais. Isso quer dizer assumir seu lado adulto, compreendendo que a chegada de um novo irmão abala, sim, a confiança do filho mais velho. É razoável, desse modo, informar o filho mais velho sobre a gravidez/chegada do irmão. Convertê-lo em aliado é decisão inteligente e costuma promover a harmonia familiar – o filho mais velho pode, por exemplo, ajudar os pais a escolher os primeiros brinquedos, auxiliar na compra dos alimentos na fase das papinhas etc. Mas nunca, nunca, os pais podem fazer o filho mais velho responsável pelo outro, ou seja, nada de convertê-lo em babá. Quem cuida de uma criança é o adulto na casa.

Assim como evitar a manipulação é uma regra essencial à saúde psíquica da família, evitar comparar os filhos – as notas, o comportamento, o temperamento, a aparência etc. – é conduta proativa e que ajuda o ciúme entre irmãos a ser superado. O filho observa os pais e a criança tem alta consciência de justiça – e, no dia a dia, isso se traduz em ele e o irmão serem amados igualmente.

Para ajudar na desconstrução do ciúme, é essencial, no lugar da competição, os pais optarem pela cooperação. Família não é arena esportiva. Os pais precisam, com persistência, ser modelos de empatia, incentivando solidariedade e respeito entre os irmãos.

Não escolhemos nossos irmãos, eles nos são impostos por nossos pais. De todos os modos, com eles compartilhamos nossa história inicial de vida, nossas lembranças. Na idade adulta, e também por isso, não é incomum um distanciamento entre os irmãos. Cada um segue seu caminho, iniciando carreiras profissionais, fundando, por sua vez, seu próprio núcleo familiar. Muitas vezes (e isso não é equivocado), os valores que guiam nossos bonitos sentimentos fraternos são deslocados para alguns amigos, e que são “os preciosos irmãos escolhidos”.

 

Notinhas

 

Melanie Klein faz uma distinção entre inveja e ciúme: “A inveja é o sentimento irado de que outra pessoa possui e desfruta de algo desejável – sendo o impulso invejoso tirá-lo dela ou espoliá-lo. (...) O ciúme se baseia na inveja, mas envolve uma relação com, pelo menos, duas pessoas; diz respeito principalmente ao amor que o indivíduo sente como lhe sendo devido e que lhe foi tirado ou se acha em perigo de sê-lo por seu rival” (1991, p. 33). Cf. Klein, M. Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946-1963). RJ: Imago, 1991. (Obras completas de Melanie Klein, 3).

A família precisa entender que, a partir do nascimento do segundo filho, terão início partilhas, negociações, julgamentos. Os filhos são sempre muito diferentes entre si – e os pais deveriam se alegrar por isso. Promover empatia e respeito favorecem uma boa dinâmica familiar. No dia a dia, em vez de dizer “por que você não é organizado como seu irmão?”, os pais podem se concentrar na atitude que gostariam que a criança assumisse: “Você precisa organizar seu material escolar. Por que não começa agora?”

Ter afinidade com um ou outro filho é normal. Demonstrar preferência é prova de ignorância (imaturidade) e atitude leviana que irá alimentar a rivalidade entre irmãos.

 

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Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).

Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), está concluindo em São Paulo a formação em Psicanálise. Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.

Seu contato no Instagram é @eugeniapickina

 

 

 

 

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