Kardec
e os desentendimentos entre nós
ASTOLFO
O. DE OLIVEIRA FILHO
aoofilho@gmail.com
De
Londrina-PR
Toda vez que surgem desentendimentos
entre irmãos ou companheiros do mesmo grupo de trabalho, não há como deixar de
recordar um dos mais oportunos depoimentos deixados por Jesus, que declarou,
certa vez, que seus verdadeiros discípulos seriam conhecidos por muito se
amarem.
Essa frase certamente passou
despercebida a muitas pessoas que, valendo-se de sua condição de cristãos,
chegaram a combater ou perseguir companheiros – igualmente cristãos – com cujas
ideias não concordavam. A perseguição aos huguenotes(1) foi disso um
expressivo exemplo, como aliás o foi toda a perseguição feita pela Igreja aos
chamados hereges.
Estará o movimento espírita isento de
problemas dessa ordem?
Antes de tratar da questão, examinemos
a frase dita por Jesus: “Meus discípulos verdadeiros serão conhecidos por muito
se amarem”.
A interpretação do texto leva-nos às
considerações abaixo.
Se os que se dizem discípulos do
Cristo não se amam, não são eles verdadeiros discípulos.
Em conhecida classificação dos
espíritas publicada em O Livro dos Médiuns, Kardec valeu-se do termo “espíritas
cristãos” para designar os verdadeiros espíritas, isto é, os que conhecem,
estudam, aceitam e, mais do que isso, praticam os ensinamentos espíritas,
movidos sempre pelo desejo do bem e tendo por farol de suas ações a caridade.
Juntando os dois pensamentos – a
afirmativa de Jesus e a análise feita por Kardec – podemos concluir que, se não
existir o sentimento de amor, de respeito, de fraternidade entre dois
espíritas, não podem, tanto um quanto o outro, merecer o título de “discípulo
do Senhor” nem o qualificativo de “verdadeiro espírita” e, por conseguinte, de
“espírita cristão”.
Como o movimento espírita é formado
por pessoas situadas nos mais diferentes níveis evolutivos, é evidente que não
se encontra ele isento dos desentendimentos e das rusgas que deparamos, às
vezes, nas instituições espíritas mais conceituadas, algo que não ocorre apenas
aqui, mas em diferentes lugares.
Kardec referiu-se, certa vez, a esses
conflitos em discurso pronunciado nas reuniões gerais dos espíritas de Lião e
Bordéus. (Cf. Viagem Espírita em 1862, Editora O Clarim, pp. 76 a 105.)
Disse, então, o codificador do
Espiritismo:
“Se, entre vós, há dissidências,
causas de antagonismos, se os grupos que devem todos marchar para um objetivo
comum, estiverem divididos, eu o lamento, sem me preocupar com as causas, sem
examinar quem cometeu os primeiros erros e me coloco, sem hesitar, do lado
daquele que tiver mais caridade, isto é, mais abnegação e verdadeira humildade,
pois aquele a quem falta a caridade está sempre errado, assistido embora por
qualquer espécie de razão, pois Deus maldiz quem diz a seu irmão: racca.”
(Obra citada, pág. 101.)
O conselho do codificador em casos
tais é muito claro e vem bem a propósito nesta hora difícil em que
desentendimentos diversos têm-se verificado em nosso meio.
“Abafai as discórdias”, propõe-nos
ele. “Seja-vos possível fundir-vos em uma única e mesma família e dar-vos
mutuamente, do fundo do coração e sem pensamento premeditado, o nome de
irmãos.” (Idem ibidem.)
Se agirmos como Kardec propõe, mostraremos
que entendemos a mensagem e que temos, sim, ciência da exata dimensão do que
representam em nossa vida a prática da caridade e a observância dos ensinos que
Jesus nos legou.
(1) Designação depreciativa que os
católicos franceses deram aos protestantes, especialmente aos calvinistas, e
que estes adotaram.
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