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sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

 



No Invisível

 

Léon Denis

 

Parte 48

 

Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial do clássico No Invisível, de Léon Denis, cujo título no original francês é Dans l'Invisible.

Nossa expectativa é que este estudo sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.

Cada parte do estudo compõe-se de:

a) questões preliminares;

b) texto para leitura.

As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto indicado para leitura.

Este estudo é publicado sempre às sextas-feiras.

 

Questões preliminares

 

A. O Alcorão é uma obra mediúnica? 

B. A admiração de Léon Denis por Joana d´Arc é conhecida. Que é que ele diz nesta obra a respeito da grande missionária?

C. Podemos associar a inspiração de natureza espiritual às obras dos grandes mestres da arte e da literatura?

 

Texto para leitura

 

1232. Acompanhemos o curso das idades e veremos a mediunidade expandir-se nos mais diversos meios, uniforme em seu princípio, variada ao infinito em suas manifestações. A história dos profetas de Israel se encerrou com a aparição do filho de Maria. Vimos noutro lugar que a vida do Cristo está cheia de manifestações que fazem dele o mediador por excelência. Ele conversava no Tabor com Moisés e Elias, e legiões de almas o assistem. Seu pensamento abrange dois universos; sua palavra tem a doçura dos mundos angélicos; seu olhar lê no recesso dos corações, e com um simples contacto ele faz cessar o sofrimento.

1233. Essas maravilhosas faculdades são por ele transmitidas parcialmente a seus apóstolos. E lhes diz: “Não cuideis como ou o que haveis de falar; porque naquela hora vos será inspirado o que haveis de dizer. Porque não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é o que fala em vós.” (Mateus, X, 19, 20.)

1234. Decorrem os séculos; muda-se a cena. Além, no Oriente, surge outra imponente figura. No silêncio do deserto, esse grande silêncio dos espaços que comunica à alma uma serenidade e um equilíbrio quase nada conhecidos por habitantes das cidades, Maomé, o fundador do Islã, redige o “Alcorão”, sob o ditado de um Espírito, que adota, para se fazer escutar, o nome e a aparência do anjo Gabriel.  Ele mesmo o afirma no livro sagrado dos árabes:

“Vosso compatriota, ó Koraichitas, não está transviado, nem foi iludido. O Alcorão é uma revelação que lhe foi feita. Foi o Terrível quem o instruiu. E ele revelou ao servo de Deus o que tinha a revelar-lhe. O coração de Maomé não mente; ele o viu.”

“O Alcorão – diz ele – permanece como o mais belo monumento da língua em que foi escrito, e nada vejo que o iguale, na história religiosa da Humanidade. É o que explica a influência enorme que esse livro tem exercido sobre os árabes, que estão convencidos de que Maomé, cuja instrução era rudimentar, não podia escrever esse livro, e que ele lhe foi ditado por um anjo.”

1235. Singular coincidência: sua missão começa como a de Joana d'Arc; se lhe revela mediante vozes e visões. Como Joana, também ele por muito tempo se esquivara; mas o poder misterioso o arrasta contra sua vontade e o humilde condutor de camelos torna-se fundador de uma religião que se estende sobre uma vasta região do mundo; ele cria integralmente um grande povo e um grande império.

1236. Acerca de suas faculdades mediúnicas assim se exprime E. Bonnemère:

“Maomé caía de vez em quando num estado que metia medo aos que em torno se achavam. Nesses momentos em que sua personalidade lhe fugia e ele se sentia subjugado por uma vontade mais poderosa que a sua, subtraía-se às vistas estranhas. Os olhos, desmesuradamente abertos, se tornavam fixos e sem expressão; imóvel, Maomé parecia invadido por um desfalecimento que nada lograva dissipar. Em seguida, pouco a pouco, a inspiração fluía, e ele escrevia, com vertiginosa rapidez, o que vozes misteriosas lhe ditavam.”

1237. Na Idade Média, mencionemos duas grandes figuras históricas: Cristóvão Colombo, o descobridor de um novo mundo, impelido por uma obsessão divina, e Joana d'Arc, que obedece às suas vozes. Em sua aventurosa missão, Colombo era guiado por um gênio invisível. Tratavam-no de visionário. Nas horas das maiores dificuldades, ele escutava uma voz desconhecida murmurar-lhe ao ouvido: “Deus quer que teu nome ressoe gloriosamente através do mundo; ser-te-ão dadas as chaves de todos esses portos desconhecidos do oceano que se conservam atualmente fechados por formidáveis cadeias.”

1238. A vida de Joana d'Arc está na memória de todos. Sabe-se que em todos os lugares seres invisíveis inspiravam e dirigiam a heroica virgem de Domrémy. Todos os êxitos de sua gloriosa epopeia são previamente anunciados. Surgem aparições diante dela; vozes celestes ciciam-lhe ao ouvido. Nela, a inspiração flui como o borbotar de uma torrente impetuosa. Em meio dos combates, nos conselhos, como diante de seus juízes, por toda parte, essa criança de 18 anos comanda ou responde com segurança, consciente do sublime papel que desempenha, jamais variando na fé nem nas palavras, inquebrantável mesmo diante das súplicas, mesmo em face da morte – iluminada e como transfigurada pelo clarão de um outro mundo.

1239. Ouçamo-la:

“Eu amo a Igreja e sou boa cristã. Mas, quanto às obras que tenho feito e à minha vinda, devo confiar-me ao rei do Céu que me enviou. Eu vim da parte de Deus e dos santos e santas do paraíso, da Igreja vitoriosa lá de cima e por sua determinação; a essa Igreja submeto todos os meus atos e tudo o que tenho feito ou por fazer.”

1240. A vida de Joana d'Arc, como médium e missionária, seria sem igual na História se não tivesse havido antes dela o mártir do Calvário. Pode-se pelo menos dizer que nada se viu de mais augusto desde os primeiros tempos do Cristianismo.

1241. A esses nomes gloriosos temos o direito de acrescentar os dos grandes poetas. Depois da música, é a poesia um dos focos mais puros da inspiração; provoca o êxtase intelectual, que permite entrar em comunicação com as esferas superiores. O poeta, mais que os outros homens, sente, ama e sofre. Nele cantam as vozes todas da Natureza. O ritmo da vida invisível regula a cadência de seus versos. Todos os grandes poetas heroicos principiam seus cantos por uma invocação aos deuses ou à musa; e os Espíritos inspiradores atendem à deprecação. Murmuram ao ouvido do poeta mil coisas sublimes, mil coisas que só ele entende, entre os filhos dos homens. Homero tem cantos que vêm de mais alto que a Terra.

1242. Platão dizia (“Diálogos do Íon e do Menon”): “O poeta e o profeta, para receberem a inspiração, devem entrar num estado superior em que seu horizonte intelectual se dilata e ilumina por uma luz mais alta.” – “Não são os videntes, os profetas ou os poetas que falam; é Deus que por eles fala.”

1243. Segundo Pitágoras (Diog. Laerte, VIII, 32), “a inspiração é uma sugestão dos Espíritos que nos revelam o futuro e as coisas ocultas”. Virgílio foi por muito tempo considerado um profeta, em virtude de sua “Écloga messiânica de Polion”. Dante é um médium incomparável. Sua “Divina Comédia” é uma peregrinação através dos mundos invisíveis. Ozanam, o principal autor católico que já analisou essa obra genial, reconhece que o seu plano é calcado nas grandes linhas da iniciação nos mistérios antigos, cujo princípio, como é sabido, era a comunhão com o oculto. É pelos olhos da sua Beatriz, morta, que Alighieri vê “o esplendor da viva luz eterna”, que iluminou toda a sua vida. Em meio daquela sombria Idade Média, sua vida e sua obra resplandecem como os cimos alpestres quando se coloram dos últimos clarões do dia e já o resto da terra está mergulhado na sombra.

1244. Tasso compõe aos 18 anos seu poema cavalheiresco “Renaud”, sob a inspiração de Ariosto, e mais tarde, em 1575, sua obra capital, a “Jerusalém Libertada”, vasta epopeia, que afirma haver-lhe sido igualmente inspirada. Shakespeare, Milton e Shelley foram também inspirados. Falando do grande dramaturgo, disse Victor Hugo: “Forbes, no curioso fascículo compulsado por Warburton e perdido por Garrick, afirma que Shakespeare se entregava à magia e que em suas peças o que havia de bom lhe era ditado por um Espírito.”

1245. Todas as obras geniais são povoadas de fantasmas e de aparições: “Ali, ali – diz Ésquilo, falando dos mortos – vós não os vedes, mas vejo seres.” O mesmo acontece a Shakespeare. Suas obras principais – “Hamlet”, “Macbeth”, etc. – contêm cenas célebres em que se movem aparições. Os espectros do pai de Hamlet e de Banquo, presos ao mundo material pelo jugo do passado, se tornam visíveis e impelem os vivos ao crime.

1246. Milton fazia suas filhas tocarem harpa antes de compor seus cantos do “Paraíso Perdido”, porque, dizia ele, a harmonia atrai os gênios inspiradores.

1247. Eis o que disse de Shelley seu historiador, Medwin:

“Ele sonhava desperto, numa espécie de abstração letárgica que lhe era habitual; e depois de cada acesso os olhos lhe cintilavam, os lábios se agitavam em crispações e sua voz tremia de emoção. Ele entrava numa espécie de sonambulismo, durante o qual sua linguagem era antes de um Espírito, ou de um anjo, que de um homem.”

1248. Goethe se abeberou amplamente nas fontes do invisível. Suas relações com Lavater e a Sra. De Klettenborg o haviam iniciado nas ciências profundas, de que cada uma de suas obras traz o cunho. O “Fausto” é uma obra mediúnica e simbólica de primeira ordem. Outro tanto se pode dizer de Klopstock e de sua “Messíada”, poema em que se sente perpassar o sopro do Além.

1249. Disse Goethe:

“Eu corria às vezes à minha escrivaninha sem me preocupar em endireitar uma folha de papel que estivesse de través, e escrevia minha peça em versos, de começo ao fim, naquela posição, sem mexer-me. Para isso, tomava de preferência um lápis que melhor se prestava à grafia, porque algumas vezes me havia acontecido ser despertado de meu sonambulismo poético pelo ranger da pena ou os salpicos de tinta, e distrair-me, e sufocar no nascedouro minha pequena produção.”

1250. W. Blake afirma ter escrito suas poesias sob a direção do Espírito Milton e reconhecer que todas as suas obras foram inspiradas. Mais próximo de nós, Alfred de Musset tinha visões, via aparições e ouvia vozes. Uma noite, sob as janelas do Louvre, escutou ele estas palavras: “Assassinaram-me na rua de Chabanais.” Correu para lá, e deparou-se-lhe um cadáver... “Onde, pois, me conduz essa mão invisível que não quer que eu me detenha?” dizia ele.

1251. Ora sublime e puro como os anjos, ora pervertido como um demônio, Musset vivia submetido às mais diversas influências, e ele próprio o assinalava. Duas testemunhas de sua vida íntima, George Sand e a Sra. Colet, descreveram com fidelidade esse aspecto misterioso da existência do “filho do século”:

“Sim – dizia ele a Teresa – eu experimento o fenômeno que os taumaturgos denominam ‘possessão’. Dois Espíritos se têm apoderado de mim. Há muitos anos que tenho visões e ouço vozes. Como o poderia eu pôr em dúvida, quando todos os meus sentidos mo afirmam? Quantas vezes, ao cair da noite, tenho visto e ouvido o jovem príncipe que me foi caro e um outro amigo meu, ferido num duelo, em minha presença! Parece-me, no momento em que essa comunhão se opera, que meu espírito se me desprende do corpo, para responder à voz dos Espíritos que me falam.”

1252. A Sra. Colet conhecia, feita pelo poeta, a narrativa de três aparições femininas – criaturas amadas e já mortas – de que ela faz uma comovedora descrição. Acrescenta-lhe diversos casos de exteriorização semelhantes aos de nossos médiuns contemporâneos. G. Sand e a Sra. Colet afirmam que o poeta caía em transe com a maior facilidade. Ele próprio fala de sopros frios, cuja sensação experimentara, e de súbito desprendimento, o que lhe seria difícil imaginar. Desses fatos resulta que A. de Musset devia a influências ocultas uma parte, pelo menos, do ascendente que exercia sobre os seus contemporâneos. Ele foi ao mesmo tempo um poeta de elevada inspiração e, propriamente falando, um vidente e um auditivo.

1253. Em todos os tempos essas comunicações sutis dos Espíritos aos mortais têm vindo fecundar a arte e a literatura. Certamente, não consideramos literatos esses alinhadores de frases, que nunca sentiram os inspiradores do Além. Os escritores sobre os quais baixam os eflúvios superiores são raros. É preciso haver predisposições anteriores, um lento trabalho de assimilação, para que a força ignota possa atuar na alma do pensador. Naqueles que, porém, reúnem essas condições, a inspiração se precipita como um jorro. O pensamento brota, original ou vigoroso, e a influência por ele exercida é soberana.

1254. A forma da inspiração varia conforme as naturezas. Em alguns, o cérebro é como um espelho que reflete as coisas ocultas e projeta as suas irradiações sobre a Humanidade. Outros escutam a grande voz misteriosa, o murmúrio das palavras que explicam o passado, esclarecem o presente e anunciam o futuro. Sob mil formas o invisível penetra os sensitivos e se impõe:

1255. “Em Goethe – diz Flammarion – em certos momentos de paixão, essa comunicação dos Espíritos se revela com luminosa clareza. Em outros, como Bacon, a convicção se formou lentamente com esses mínimos indícios que o estudo cotidiano do homem faz sobressair.” Na obra de Rogério Bacon, “o doutor admirável”, “Opus Majus”, todas as grandes invenções do nosso tempo estão profetizadas e descritas.  (Continua no próximo número.)

 

Respostas às questões preliminares

 

A. O Alcorão é uma obra mediúnica? 

Sim. Maomé, o fundador do Islã, redigiu o Alcorão sob o ditado de um Espírito, que adotou, para se fazer escutar, o nome e a aparência do anjo Gabriel.  Ele mesmo o afirma no livro sagrado dos árabes: “Vosso compatriota, ó Koraichitas, não está transviado, nem foi iludido. O Alcorão é uma revelação que lhe foi feita. Foi o Terrível quem o instruiu. E ele revelou ao servo de Deus o que tinha a revelar-lhe. O coração de Maomé não mente; ele o viu.”  Acerca das faculdades mediúnicas de Maomé, assim se exprime E. Bonnemère: “Maomé caía de vez em quando num estado que metia medo aos que em torno se achavam. Nesses momentos em que sua personalidade lhe fugia e ele se sentia subjugado por uma vontade mais poderosa que a sua, subtraía-se às vistas estranhas. Os olhos, desmesuradamente abertos, se tornavam fixos e sem expressão; imóvel, Maomé parecia invadido por um desfalecimento que nada lograva dissipar. Em seguida, pouco a pouco, a inspiração fluía, e ele escrevia, com vertiginosa rapidez, o que vozes misteriosas lhe ditavam.” (No Invisível, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)

B. A admiração de Léon Denis por Joana d´Arc é conhecida. Que é que ele diz nesta obra a respeito da grande missionária?

Segundo Léon Denis, a vida de Joana d'Arc, como médium e missionária, seria sem igual na História se não tivesse havido antes dela o mártir do Calvário. De fato, nada se viu de mais augusto desde os primeiros tempos do Cristianismo. Em todos os lugares seres invisíveis inspiravam e dirigiam a heroica virgem de Domrémy. Todos os êxitos de sua gloriosa epopeia são previamente anunciados. Surgem aparições diante dela; vozes celestes ciciam-lhe ao ouvido. Nela, a inspiração flui como o borbotar de uma torrente impetuosa. Em meio dos combates, nos conselhos, como diante de seus juízes, por toda parte, ela comanda ou responde com segurança, consciente do sublime papel que desempenha, jamais variando na fé nem nas palavras, inquebrantável mesmo diante das súplicas, mesmo em face da morte – iluminada e como transfigurada pelo clarão de um outro mundo. (Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)

C. Podemos associar a inspiração de natureza espiritual às obras dos grandes mestres da arte e da literatura?

Sim. Em todos os tempos essas comunicações sutis dos Espíritos aos mortais têm vindo fecundar a arte e a literatura. É preciso, porém, haver predisposições anteriores, um lento trabalho de assimilação, para que a força ignota possa atuar na alma do pensador. Naqueles que reúnem essas condições, a inspiração se precipita como um jorro. O pensamento brota, original ou vigoroso, e a influência por ele exercida é soberana. Depois da música, é a poesia um dos focos mais puros da inspiração; provoca o êxtase intelectual, que permite entrar em comunicação com as esferas superiores. O poeta, mais que os outros homens, sente, ama e sofre. Nele cantam as vozes todas da Natureza. O ritmo da vida invisível regula a cadência de seus versos. Todos os grandes poetas heroicos principiam seus cantos por uma invocação aos deuses ou à musa; e os Espíritos inspiradores atendem à deprecação. Murmuram ao ouvido do poeta mil coisas sublimes, mil coisas que só ele entende, entre os filhos dos homens. (Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)

 

 

Observação:

Para acessar a Parte 47 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2023/12/no-invisivel-leon-denis-parte-47-damos.html

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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