Irmão
X
—
Aonde chegaremos, “seu” Daniel! — exclamava Porfírio, excelente companheiro de
lides espirituais — tenho visto muita teoria na Doutrina, muita briga por isso
e por aquilo, mas essa ideia de “Espíritos doentes” não vai… Como engolir a
novidade? Pertencem as moléstias ao corpo, articulam-se na fauna microscópica e
devem acabar naturalmente com a extinção dos ossos. Espírito é Espírito. Não
temos aqui afirmação perfeitamente ortodoxa? Se as enfermidades são
transferíveis, então…
—
Mas, Porfírio, venha cá! — acentuava o interlocutor, complacente — raciocinemos
sobre o assunto. Quem nos despertou para essas realidades não nos disse que a
coisa é assim, sem mais nem menos. Nem todas as doenças nos acompanharão e
grande número delas, indubitavelmente, não passará do sepulcro. É inegável,
porém, o desequilíbrio da mente e, em semelhante desarmonia, as enfermidades da
alma se fazem claramente compreensíveis. Você não pode admitir que um homem,
encarcerado na suposição de absoluto domínio, que viva de cometer violências
com o próximo, provocando emissões magnéticas destrutivas ou perturbadoras,
venha a achar-se em rigorosa sanidade espiritual, depois da morte, só porque
deliberou aceitar o poder da oração “in extremis”. A prece constituir-lhe-á
remédio salutar, a empregar-se no início da cura. No entanto, não pode remover,
de momento para outro, os espinheiros que tal homem criou para si próprio. Não
acredita que o imprevidente e o perverso, desligados do corpo denso,
conservarão, por muito tempo, o fruto amargoso da própria sementeira?
O
interpelado não se deu por vencido.
—
Não — obtemperou, contrafeito —, não posso concordar. Corpo e alma, a meu ver,
são essencialmente distintos. A matéria é pó e tudo o que se relaciona com o pó
se destina ao chão do Planeta. É impossível crer em “Espíritos doentes” no
outro mundo. A morte é força niveladora. No túmulo, deixaremos todos os motivos
de perturbações materiais. Demoramo-nos por aqui, simplesmente em provas
expiatórias e a sepultura nos abrirá caminho para os mundos felizes. De outro
modo…
Diante
das reticências significativas, o amigo renovou as considerações:
—
Não lhe apraz, contudo, interpretar nossas lutas, na superfície da Terra, como
ensinamentos edificantes? Não se sente, acaso, numa escola de grandes proporções,
onde cada aprendiz responde por si, perante orientadores e benfeitores? Admite
que a morte seja um “levantar de bandeira”, assim como nas corridas de cavalos,
constrangendo cada Espírito a buscar, apressadamente, a melhor parte?
Porfírio,
rebelde, acrescentou:
—
Se você interpõe a argumentação para justificar a teoria de entidades enfermas,
engana-se. Espíritos não podem adoecer. Não podemos fomentar a ilusão de
hospitais na “outra vida”.
Antes
que a palestra se tornasse mais acalorada, D. Amélia, a esposa do teimoso
doutrinador, veio chamar para a reunião no ambiente doméstico. A mesa estava
posta. Médiuns e demais companheiros em meditação.
Decorridos
alguns minutos, iniciaram-se os trabalhos sob a direção de Porfírio.
Orações
sentidas e comentários reconfortantes.
O
material de espiritualidade superior era ali autêntico, preciso. Tudo
condimentado em cristalina sinceridade familiar.
Ao
término da sessão, eis que se incorpora um Espírito perturbado, sofredor. Grita
e chora. Declara-se em trevas e assevera ouvir com imensa dificuldade. Acusa
dores terríveis na mão direita. Relaciona lembranças fragmentárias. Tem a
memória tardia de um hemiplégico. Foi juiz em comarca remota. Confessa haver
prostituído o tribunal. Diz haver despertado fora do corpo físico, torturado
por antigas vítimas. Está angustiado. Quer viver, entre os homens, outra vez, a
fim de reparar as falhas cometidas.
O
diretor da reunião doutrina, amoroso, mas laboriosamente.
Depois
de longo entendimento, em que o devotado orientador encarnado despende todos os
recursos socorristas ao seu alcance, o infortunado revela melhoras e abandona o
recinto, prometendo aproveitar-se dos conselhos recebidos.
Encerram-se
os serviços da noite, entre ações de graças.
O
condutor da sessão enxuga a fronte suarenta.
Quando
a sala se esvaziou, após o adeus reconfortante dos amigos que se afastaram
jubilosos pelo agradável dever cumprido, Daniel se aproximou do companheiro e
falou, bem-humorado:
—
Então, Porfírio? acredita que estivemos socorrendo um Espírito desencarnado
robusto e sadio? O infeliz acusa desequilíbrio mental evidente, revela
distúrbios e dores perfeitamente localizados. Um médico hábil, entre nós,
poderia lavrar completo diagnóstico.
Porfírio
silenciou, pensativo.
—
Para mim — prosseguiu Daniel —, o comunicante está seriamente enfermo e você
funcionou na condição de clínico providencial. Imagine que ele mostrou os
sintomas de um reumático, a fadiga que procede de perturbações circulatórias, a
memória falha de um paralítico, as visões de um louco, sem nos reportarmos aos
intrincados problemas psicológicos de que é portador, que dariam para tentar a
curiosidade de muitos Freuds. Não acha que tenho razão?
Foi
então que Porfírio, desapontado, balanceou a cabeça e retrucou vencido:
—
Sou doutrinador de Espíritos sofredores há mais de vinte anos, mas,
francamente, ainda não havia pensado nisto.
Do
livro Luz Acima, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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