JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Que lástima! amiga leitora, que catástrofe, meu
caro leitor!
O que ocorreu em Brasília é tão terrível quanto
o é a escolha equivocada de nossos representantes na política. Em países que
valorizam a educação, a informação e, consequentemente, a cultura, tal absurdo
não ocorre jamais.
A coisa está preta.
Pergunto a Shakespeare, o que acha da situação e
eis que ele repete:
— To be or not to be: that's the question.
— Como assim, ó grande dramaturgo? Ó criador de
Otelo, ó meu nobre inspirador de Dom Casmurro!
E o imortal a mim me responde:
— Qual de vós criastes a frase: "Quem não
lê, mal ouve, mal fala, mal vê"?
— Essa é do Monteiro Lobato...
— Faltou completar: e não existe... Pois se as
autoridades de vosso país não valorizam o acesso à informação, certamente
desejam manter sua população ignorante. E o ignaro desconhece até mesmo a
própria existência.
— Verdade pura, meu prezado bardo. Também não
escreve e nem digita quem não tem acesso à informação.
Continuemos, porém, a informar ao leitor o que
nos causa espécie. Por vezes, algumas propostas na área do incentivo à produção
intelectual, com vistas a proporcionar à sociedade mais cultura e arte, é algo
que passa despercebido e até mesmo não prospera, por não gerar rendimentos
políticos de vulto.
Atualmente, até mesmo iniciativas relacionadas a
concursos literários, por exemplo, não são confiáveis, dado à tendenciosidade
dos seus organizadores que, muitas vezes, fraudam os concursos e elegem, entre
seus ganhadores, os nepotes.
Mas já houve tempo em que se podia acreditar em
alguns concursos. Refiro-me aqui aos concursos literários que distribuíam
prêmios, diplomas e publicavam as melhores produções literárias.
Exemplo disso ocorreu há vinte anos,
aproximadamente, em concurso promovido pela Biblioteca Pública do Cruzeiro,
aqui em Brasília, que premiou, em dinheiro vivo, os três melhores poemas. Sim,
fomos três os vencedores. Não sei se todos vivos...
Na época, o prêmio foi bom, seiscentos reais
para cada um: uma senhora, que escreveu um longo poema lírico; um jovem, que
escreveu um poema pornográfico e eu, que fui representado por meu secretário
com um soneto.
Um dos avaliadores das centenas de poemas
inscritos afirmou-me que a banca avaliadora ficara na dúvida se premiaria
"meu soneto" ou se só daria o prêmio aos outros dois...
Afinal, dizia ele, a poesia contemporânea
praticamente aboliu os poemas de forma fixa de suas produções literárias.
Enfim...
"Mas afinal, o que aconteceu de tão
horrível?" Perguntas-me tu, leitor estranhado, estranhando já que eu use a
segunda pessoa do singular e não a segunda do plural.
Ao que te explico que, nos dias atuais, o vós só
é usado nas orações: "Perdoai, vós, as nossas ofensas, assim como nós
perdoamos aos nossos ofensores. E não nos deixeis, vós, cair em tentação, mas
livrai-nos, vós, do mal. Amém".
Fecharam a Biblioteca Demonstrativa da 506 Sul!
Oh! Céus, oh! Lua, oh! Terra...
Se assim fazem com nossa amiga silenciosa que nos
faz ouvir e ver um mundo de fantasias, o que não farão com a realidade? Oh!
Céus etc. etc. etc.
O fechamento da biblioteca demonstra,
sobejamente, o pouco caso de nossos governantes com a educação de nossa gente.
Se isso acontece em Brasília, o que não ocorrerá
no restante do país?
Mas, contudo, todavia dentro de poucos dias
haverá eleições para a escolha dos novos representantes do Executivo e do
Legislativo.
Só não será eleita a nova direção da biblioteca
que já não existe, assim como não é cidadão quem não sabe ler, escrever e
votar...
Por isso, meu amigo Shakespeare sai de cabeça
baixa, triste, desiludido mesmo com o futuro de um povo cuja biblioteca é
fechada: "Fecham-se as bibliotecas e mata-se um povo!" É o que ainda
brada o bardo, antes de escafeder-se.
Vou passar uns dias em Portugal, contrariamente
à minha antiga índole bairrista do Rio de Janeiro, o qual é o espaço universal
do meu mundo físico e mental, pois dali não me afastava fisicamente, mas
viajava, pelas asas da imaginação, graças às obras de Camões, Garrett,
Cervantes, Shakespeare, Hugo, Voltaire, Poe, Dickens, Sterne, Schopenhauer,
Allan Kardec, Jorge Leite de Oliveira, entre algumas das produções literárias
de muitas outras pessoas d'antanho, as quais me permitiram conhecer os continentes
sem jamais me afastar de minha terra natal.
Saudades da Biblioteca Nacional, saudades do
Club Beethoven, saudades dos eventos literários, saudades da rua do Ouvidor,
saudades de Dom Pedro II, amigo das artes e da cultura... Saudades das
bibliotecas, tão caras à minha formação literária.
Quando retornar com Carola, prometo-lhes trazer
ares novos e um cálice do vinho do Porto.
Por ora, só me resta pegar do lenço e enxugar
esta lágrima que insiste em cair: snif...
Ah!, sim, o soneto... Para muitos, não lhes é
desconhecido, mas como talvez a amiga leitora ainda aprecie versos medidos e
rimados, aqui vai...
Elegia à biblioteca
Um dia, em sonho, vi 4
palavras
Que 1 sábio escriba me
pediu p'ra ler
E me rogou também para
escrever...
Fechou a porta e lhe
baixou as travas:
... Asteca
... Biblioteca
... Caneca
... Dantesca
O que fez destacar o
Império asteca
Está narrado em minha
biblioteca,
Junto à revolução de
Frei Caneca
O mundo gira em torno
das palavras
Só nesta biblioteca é
que encontravas
A execução do frei, que
foi dantesca.
Agora que me leste, paciente leitora, concluído
teu espanto, leitor amigo, peço-te acompanhar-me a prece e o choro em prol da
alma da Biblioteca Demonstrativa da quadra 506 Sul, que nem encapuzada foi,
como Frei Caneca, ao ser assassinada:
Oremos...
Snif, snif, snif...
Acesse, quando puder, o blog: www.jojorgeleite.blogspot.com
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