Simão, o mendigo
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Acompanhei meu
secretário e esposa em passeio que fizeram ao Rio de Janeiro. No centro da
cidade, eles resolveram fazer umas compras na Av. Nossa Senhora de Copacabana.
Como de praxe, viram
deitados ou sentados nas calçadas diversos mendigos. Um deles era Simão, idoso
e enfermo, cujo cajado estava encostado na porta fechada de uma loja.
Vagara, incerto,
após fugir da seca no Piauí e fora despejado do pardieiro onde se hospedara,
após acabar-se o pouco dinheiro que trouxera, resultante da venda de seu
pequeno sítio a parentes que prometeram ajudá-lo, mas o deixaram desamparado.
Agora, não lhe restava outra opção a não ser a de ser mais um dentre tantos
seres humanos (ser, ser, seres,
notou, leitor?) sem lar, sem cama, sem pão (sem,
sem, sem, leitora, você viu isso?) e maltrapilho a vagar incerto, pelas
longas e, por vezes, tumultuadas avenidas cariocas (as, as, as... isso é coisa da carioca Cecília
Malan, rs).
Os cabelos alvos, a
face enrugada, as mãos encarquilhadas de Simão muito pouco comoviam os
transeuntes, que não se importavam em saber de onde viera e por que ali se
encontrava. Os que o viam, apenas sabiam que se tratava de um mendigo. Não lhe
conheciam o passado e nem lhes interessava seu futuro.
Com o passar dos
dias, sem condições de comprar remédios para as feridas que surgiam em seu
corpo encarquilhado, em virtude da desidratação e quedas, muitos pedestres o
tratavam mal. Diversas pessoas afastavam-se enojadas. Alguns diziam que era
“leproso”, outros alegavam que ele se fazia de doente e necessitado, mas que
era farsante explorador da bolsa alheia.
Muitas vezes, Simão
refletia em como fora difícil sua vida na caatinga nordestina; todavia, quando
moço, possuía corpo robusto e boa saúde, a tudo superando, até chegar ali, na
esperança de encontrar ao menos um biscate, um pequeno quarto onde repousar da
velhice, alguma roupa limpa para vestir e o pão de cada dia. O tempo foi
passando e Simão foi ficando cada vez mais fraco, mais desiludido, mais enfermo
e cansado. Já não tinha forças nem mesmo para tentar localizar seus parentes no
Piauí. Muito menos coragem para tal, pois sabia que seus três “filhos homens” e
suas “cinco filhas mulheres” viviam em situação de penúria material e sua
viagem para a “Cidade Maravilhosa” fora, para todos, uma boca a menos para
comer a mandioca ralada com o pouco feijão da cuia; mais caldo do que feijão.
Um dia, porém,
quando Joteli e esposa já não mais caminhavam pela avenida Nossa Senhora de Copacabana,
após uma noite de chuva e de frio, o velho sofredor tentou levantar-se do seu
canto na calçada onde dormira e caiu. Perdeu os sentidos e... horas depois, um
rabecão que por ali passava recolheu seu corpo sem vida e o enterrou como
indigente.
Assim é o destino de
milhões de seres humanos.
Esta e outras cenas,
vistas por meu amigo, o poeta português João de Deus, inspirou-lhe o seguinte
poema, que compartilho com meus trinta ou quarenta fiéis leitores semanais:
Simão, o mendigo
Doente, pobre, velhinho,
O desditoso Simão,
Arrimado a seu
bordão,
Andava
devagarinho...
Pés e mãos em chaga
aberta,
Lá ia o velho,
coitado!
Enfermo, desamparado
E humilde na estrada
incerta.
Cabelo todo
branquinho,
Rugosa a face
morena,
O pobre metia pena
A vagar pelo
caminho...
De onde viera? Ora,
quem
Buscava saber ao
certo?
Vinha de longe ou de
perto?
Ninguém sabia,
ninguém.
Só lhe sabiam do
nome,
E que, em miséria,
sem nada,
Ele esmolava na
estrada,
A fim de matar a
fome.
Estendendo seu
chapéu,
Pedia, cheio de dor:
— Uma esmola, meu
senhor,
Por amor ao Pai do
Céu!...
Mas, oh! Deus, que
desalento
Neste mundo de
aflição!
Ninguém ouvia Simão
Nas horas do
sofrimento.
— Passai de largo! é
leproso!...
Diziam homens cruéis
— Oh! não vos
aproximeis
Deste ancião
perigoso!...
— Ah! que graça!
Põe-te à brisa! —
Exclamava outro
passante —
— Nada de esmola ao
tratante,
Que este velho não
precisa!...
O mendigo, nos seus
ais,
Dizia: — Viva a
saúde!
Trabalhei enquanto
pude,
Agora, não posso
mais...
Toda a gente lhe
fugia,
Ninguém lhe dava uma
sopa,
Nem um trapinho de
roupa
Para a noite da
agonia.
Muito tempo era
passado,
E o desditoso
velhinho
Sentia-se mais
sozinho,
Mais doente, mais
cansado...
Chegou, enfim, um
momento
Em que o velho sofredor
Caiu de frio e de
dor
Na estrada do
sofrimento.
Caiu e sonhou,
contente,
Embora a sede e o
cansaço,
Que Jesus vinha do
Espaço
Dizendo-lhe,
docemente:
— Escuta, meu bom
Simão,
Não temas, querido
amigo!
Sê forte! Eu estou
contigo.
Chegaste à
ressurreição.
Não chores. Estou
aqui!...
Terminou tua
aflição,
Estás em meu
coração!
Pensavas que te
esqueci?
Enquanto o mundo
enganado
Atormentava-te ao
peso
De zombaria e
desprezo,
Eu sempre estive ao
teu lado.
Teus prantos e tuas
dores
São, hoje, a luz que
te veste
No campo do amor
celeste,
Repleto de eternas
flores.
E Jesus, em voz mais
terna,
Concluía: — Vem,
Simão,
À doce consolação
Do mundo de luz
eterna!...
E Simão, chorando e
rindo,
A seguir, ditoso, o
Mestre,
Esqueceu a dor
terrestre,
No céu venturoso e
lindo.
O caminho era de estrelas
De tão sublime matiz
Que o pobre ria, feliz,
Sem saber como
entendê-las.
No outro dia, ao
reconforto
Do Sol de coroa
erguida,
Acharam Simão sem
vida...
O mendigo estava
morto.
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