O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 7
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Que prodígios a história atribui a
Apolônio de Tiana graças ao magnetismo?
B. Em que o sonambulismo natural se
distingue dos sonhos?
C. O sonâmbulo pode ver um objeto
através de um cartão que normalmente o ocultaria aos seus olhos?
Texto para leitura
170. Os gregos receberam dos povos do
Egito grande número de conhecimentos e não tardaram a igualar, senão a
ultrapassar os mestres. Os hierofantes do altar de Trofônius tinham adquirido
grande celebridade nesses misteres. O que prova que o magnetismo estava muito
espalhado nessa época é que, no dizer de Heródoto, alguns padres mataram por
ciúme certa mágica que fazia curas por meio de fricções magnéticas.
171. O ilustre taumaturgo Apolônio de
Tiana não ignorava essas práticas; ele curava a epilepsia com objetos
magnetizados, predizia o futuro e anunciava os acontecimentos que se passavam
ao longe. Conta-se que, em sua velhice, o filósofo se refugiara em Éfeso.
Ensinava um dia em praça pública, quando seus discípulos o viram deter-se, de
repente, e exclamar, com voz vibrante: “Coragem, fere o tirano!” Interrompeu-se
alguns instantes, na atitude de quem espera com ansiedade, e continuou: “Perdei
o temor, Efésios, o tirano já não existe, acaba de ser assassinado”. Alguns
dias depois, soube-se que no momento em que Apolônio falava Domiciano tombava
sob o punhal de um liberto.
172. Os romanos também tiveram templos
onde se reconstituía a saúde por operações magnéticas. Conta Celso que
Asclepíades de Pruse adormecia, magneticamente, as pessoas atacadas de frenesi.
Galeno, um dos pais da medicina moderna, suprimia certas doenças com a
aplicação dos mesmos remédios que o fizeram passar por feiticeiro e o obrigaram
a deixar Roma.
173. Declarou este notável sábio que
devia grande parte de sua experiência às luzes que recebia em sonho. Também
dizia Hipócrates que as melhores mezinhas – remédios caseiros – lhe eram
indicadas durante o sono. Quem obteve, porém, maior fama nessa matéria, foi
Simão, o mágico, que soprando nos epilépticos, destruía o mal de que estavam
atacados.
174. Na Gália os druidas e as
druidesas possuíam em alto grau a faculdade de curar, como o atestam muitos
historiadores; sua medicina magnética tornou-se tão célebre que os vinham
consultar de todas as partes do Mundo. É fácil verificar quanto sua fama era
universal, consultando Tácito, Plínio e Celso.
175. Na Idade Média, o magnetismo foi
praticado, principalmente, pelos sábios. O clero, ignorante e supersticioso,
temia a intervenção do diabo nessas operações um tanto estranhas, de sorte que
esta ciência ficou sendo o apanágio dos homens instruídos.
176. Avicena, doutor famoso, que viveu
de 980 a 1036, escreveu que a alma age não só sobre o seu próprio corpo, mas
também sobre corpos estranhos que pode influenciar, a distância. Ficin, em
1460, Cornélio Agripa, Pomponáceo em 1500 e sobretudo Paracelso, contemporâneo
deles, estabeleceram as bases do magnetismo moderno, como devia ser ensinado
mais tarde por Mesmer.
177. Arnaud de Villeneuve foi buscar
nos autores árabes o conhecimento dos efeitos magnéticos e seu êxito foi tão
grande que ele atraiu o ódio de seus confrades e foi condenado pela Sorbonne.
Em 1608, Glocênius, professor de medicina em Marbourg, editou uma obra que
tratava das curas magnéticas. Desde essa época ele procurou dar uma explicação
racional desses fenômenos.
178. Van Helmont dizia, reabilitando a
memória de Paracelso, de quem ele foi o continuador: O magnetismo só tem de
novo o nome, só é um paradoxo para os que riem de tudo e que atribuem a Satã o
que não podem explicar. Há no homem uma tal energia, que ele pode atuar fora de
si e influenciar de maneira durável um ser ou um objeto de que está afastado.
Tal força é infinita no Criador, mas limitada na criatura, pelos obstáculos
naturais.
179. Tais concepções novas, estas
vistas ousadas foram atacadas pela Igreja, que se encontra sempre na rota dos
inovadores, empenhada em lhes impedir a passagem, e o célebre médico foi
obrigado a refugiar-se na Holanda, onde já estava o grande Descartes.
180. Socorreu Van Helmont, em sua
luta, o escocês Robert Fludd; mais tarde, Maxwell, em 1679, sustentou as mesmas
ideias. O padre Kircher, falando de Fludd, dizia que seus escritos foram
inspirados pelo diabo; cita, entretanto, numerosos exemplos de simpatias e
antipatias e dá, mesmo, indicações para bem magnetizar.
181. Em 1682, assinalaremos
Greatrakes, na Inglaterra, que fez milagres, simplesmente com as mãos, sem
procurar, aliás, saber a maneira pela qual a ação se dava. Em França, Borel e
Vallée, no começo do século XVII, empregaram o magnetismo por insuflações para
combater as moléstias nervosas rebeldes a qualquer outro tratamento.
182. Gassner encheu a Alemanha com o
ruído dos resultados obtidos pelo magnetismo, como é ele praticado em nossos
dias. Fixava energicamente o olhar nos olhos do doente e o friccionava de alto
a baixo, sacudindo os dedos, quando chegava à extremidade, para expulsar os
princípios maus.
183. Não narraremos a odisseia de
Mesmer; ela é bastante conhecida e por isso cremos desnecessário reproduzi-la;
basta assinalar que a vulgarização da ciência magnética lhe é devida. O
magnetismo é hoje estudado metodicamente, e uma notável propriedade descoberta
pelo marquês de Puységur lhe fez dar passos de gigante: queremos falar do
sonambulismo provocado.
184. Após fatigante jornada, quando
repousamos os membros lassos, sentimos pouco a pouco que um bem-estar nos
invade; produz-se uma tranquilidade geral, uma calma no cérebro; nossos olhos
se fecham, dormimos. Que atos se realizam durante essa suspensão da vida ativa?
185. O sono tem por caráter essencial
romper a solidariedade que existe, habitualmente, entre as diferentes partes do
corpo, entre as diversas funções do organismo, entre as múltiplas faculdades do
homem. Durante esse tempo, cada uma das unidades que compõem o todo concentra
em si mesma a força que lhe é própria, isola-se das outras, e assim o corpo se
separa do mundo exterior pelo repouso dos sentidos.
186. O sono não é, pois, como alguns o
pretenderam, a imagem da morte. Estudando com Longet os sintomas que se
manifestam nos seres que vão dormir, verificamos que o sono não se apodera
bruscamente de nós: nossos órgãos amortecem, sucessivamente, em graus
variáveis; alguns velam ainda, enquanto outros já estão mergulhados em completo
entorpecimento. Em geral, são os músculos dos membros os que primeiro se
relaxam e enfraquecem. Os braços e as pernas, imobilizados, ficam na posição
escolhida e que está em relação com a forma das articulações e das principais
massas musculares.
187. Depois dos membros, são os
músculos voluntários do tronco que se afrouxam; na calma da noite, nossos
sentidos inativos não recebem qualquer impressão de fora, e esta inação, que
favorece a sonolência, é logo seguida de uma atonia completa. Quase sempre, a
vista é o sentido que primeiro enfraquece; o olhar fatigado se embacia, perde o
brilho e se fixa em objetos que não vê mais, ao mesmo tempo em que a pálpebra
se fecha; depois, é o ouvido que adormece e termina a sucessão dos fenômenos
que assinalaram a invasão do sono.
188. É de notar que o ouvido, tão
rebelde à fadiga, resiste também por último aos ataques da morte; ouve-se,
ainda, quando os demais sentidos já cessaram de viver, assim como se percebem
sons, quando os diferentes órgãos já se acham adormecidos. Outra circunstância
singular é a seguinte: é pelo ouvido que penetram, as mais das vezes, as
influências soporíficas, e o ouvido vigia, ainda, quando o corpo, por sua ação,
não é mais do que uma massa inerte.
189. O gosto, o olfato, o tato cessam,
geralmente de manifestar propriedades ativas desde os primeiros sinais do sono,
que podemos encarar como o repouso do corpo. É durante esse estado que os
órgãos e os sentidos recuperam a força nervosa que despenderam durante a
vigília, e quando a máquina humana se torna novamente apta às funções da vida
de relação, o homem desperta.
190. A série de atos que acabamos de
descrever é a que se exerce normalmente. Não indicamos os casos particulares
que podem apresentar-se e que variam conforme os indivíduos, mas existe um
ponto em que é bom insistir, porque nos porá na via das explicações relativas
aos sonhos: é a marcha decrescente das faculdades, no momento do sono.
191. Pode muito bem acontecer que a
percepção ou o poder de conhecer se extinga em nós, antes que os sentidos
adormeçam. Com efeito, quantas vezes, após laboriosas vigílias, sucede-nos
deixar cair um livro no qual já não distinguíamos senão pontinhos pretos. Um
pouco antes, víamos estas letras, nós as reuníamos, líamos, mas já não
concebíamos; mais tarde, víamos, mas não líamos, perdíamos a consciência de nosso
estado. Nesse último caso, é incontestável que a percepção enfraquece antes do
sentido que transmite a impressão.
192. O sono, no momento mesmo em que
sobrevém, destrói a solidariedade que existe entre as diversas faculdades do
espírito, de maneira que elas adormecem sucessivamente; quando uma delas fica
em atividade, adquire uma força tão grande que nenhuma sensação externa lhe
neutraliza a ação. Existem provas notáveis do fato. Se nos preocupamos com a
solução de um problema ou se nos domina uma ideia, todas as nossas forças se
concentram nesse ponto único, e se a lembrança permanecesse, veríamos de que
obras-primas seria capaz o espírito humano.
193. Isto nos conduz ao caso
particular do sono, que se chamou sonambulismo. Neste estado, o indivíduo caminha
dormindo e procede como se estivesse acordado. Os tratados de fisiologia estão
cheios de observações sobre esta curiosa anomalia. Podemos citar exemplos
históricos de sonambulismo.
194. Foi durante o sono que Cardan
compôs uma de suas obras, que Condillac, o famoso filósofo sensualista,
terminou seu curso de estudos. Voltaire refez em sonho, completamente, e melhor
do que o fizera acordado, um dos cantos da Henriade. Massillon, dormindo,
escrevia muitos dos seus elegantes sermões.
195. É preciso, porém, considerar que
para compor uma obra ou escrever sermões, quando o corpo está adormecido, é
necessário que o autor se desloque, que seus membros façam certos movimentos em
relação com o fim a atingir. Eis aí o sonambulismo natural, que se distingue do
sonho por dois caracteres: 1 - o andar durante o sono; 2 - a perda da lembrança
do que se passou, ao acordar.
196. Durante o sonambulismo, os
membros obedecem à vontade e esta atua sobre o corpo, sem ser solicitada por
qualquer estimulante exterior. Isso se produz com frequência nos indivíduos
jovens. As crianças, sobretudo as irritáveis, levantam-se, muitas vezes, de
noite, ou executam na cama movimentos variados, sem que, aliás, lhes seja o
sono interrompido. Se os órgãos da voz despertam, traduzirão os pensamentos do
sonho; assim é que milhares de seres têm o hábito de sonhar alto. Podem
suceder-lhes sustentar conversa, durante certo tempo, com pessoas acordadas;
mas é preciso que se lhes adivinhe o objeto de suas preocupações, porque a
resposta que eles dão se dirigem, não ao interlocutor real, mas à personagem
ideal do sonho.
197. Os ensinos dados pela fisiologia,
para explicar o sonambulismo, são, no entanto, insuficientes, na grande maioria
dos casos. Temos, na primeira linha, a Enciclopédia, que não pode ser acusada
de ternura para com as teorias espiritualistas. Relata, no artigo
“sonambulismo”, a história de um jovem padre que se levantava todas as noites,
ia à escrivaninha, compunha sermões e tornava a deitar. Alguns de seus amigos,
desejosos de saber se ele, de fato, dormia, espiaram-no, e uma noite em que ele
escrevia, como de costume, interpuseram um grosso cartão entre seus olhos e o
papel. Ele não se interrompeu, continuou a redação e, terminada esta,
deitou-se, como de hábito, sem suspeitar da prova a que fora submetido.
198. O autor do artigo acrescenta:
“Quando ele terminava uma página, lia-a alto, do princípio ao fim (se se pode
chamar leitura a esta ação sem o concurso dos olhos). Se lhe desagradava alguma
coisa, ele a retocava e fazia as correções, em cima, com muita exatidão. Eu vi
o começo de um desses sermões que ele escrevia dormindo; pareceu-me bem feito e
corretamente escrito. Mas havia uma emenda surpreendente: tendo posto num lugar
– ce divin enfant, achou, relendo, dever substituir a palavra divin por
adorable; viu, porém, que o ce, que ficava bem antes de divin, não o era antes
de adorable, e colocou muito acertadamente um t ao lado das letras precedentes,
de sorte que se lia cet adorable enfant.”
199. Aqui não é possível limitarmo-nos
às explicações acima enunciadas, para explicar os fatos, porque há uma fase do
fenômeno em que não seria demais insistir: é a visão sem os olhos. É este um
detalhe muito importante, porque se nos é demonstrado que um sonâmbulo pode
caminhar em um quarto, escrever com os olhos fechados, fazer correções, que
indicam uma vista bem nítida, isso nos provará que há nele uma força que
seguramente o dirige, que age fora dos sentidos, numa palavra, que a alma vela
quando o corpo dorme.
200. Na história referida pela
Enciclopédia, pode-se pretender que uma forte contensão do espírito, durante a
vigília, predispusesse o cérebro do jovem sacerdote à redação de suas homilias.
Mas se é fácil admitir que ele tinha o hábito de trabalhar em sua secretária e
que, maquinalmente, para ela vinha durante o sono, é impossível explicar como
via através de um cartão, de forma a escrever corretamente, voltar às páginas,
quando chegava ao fim delas, adicionar letras no lugar preciso onde isso fosse
útil, praticar, finalmente, todos os atos que exigem o auxílio da vista.
Respostas às questões preliminares
A. Que prodígios a história atribui a Apolônio de Tiana
graças ao magnetismo?
Apolônio de Tiana curava a epilepsia
com objetos magnetizados, predizia o futuro e anunciava os acontecimentos que
se passavam ao longe. Conta-se que, em sua velhice, o filósofo se refugiara em
Éfeso. Ensinava um dia em praça pública, quando seus discípulos o viram
deter-se, de repente, e exclamar, com voz vibrante: “Coragem, fere o tirano!”
Interrompeu-se alguns instantes, na atitude de quem espera com ansiedade, e
continuou: “Perdei o temor, Efésios, o tirano já não existe, acaba de ser
assassinado”. Alguns dias depois, soube-se que no momento em que Apolônio
falava Domiciano tombava sob o punhal de um liberto. (O Espiritismo perante a Ciência, Segunda Parte, Cap. I – O
magnetismo e sua história.)
B. Em que o sonambulismo natural se distingue dos sonhos?
O sonambulismo natural distingue-se do
sonho por dois caracteres: 1 - o andar durante o sono; 2 - a perda da lembrança
do que se passou, ao acordar. (Obra citada, Segunda Parte, Cap. II – O
sonambulismo natural.)
C. O sonâmbulo pode ver um objeto através de um cartão que
normalmente o ocultaria aos seus olhos?
Sim. Os fatos mostram que ele pode ver
um objeto mesmo que se lhe interponha um obstáculo qualquer, como um cartão, o
que implica concluir que ele não vê por meio dos olhos físicos, mas sim graças
à sua visão espiritual. (Obra citada, Segunda Parte, Cap. II – O sonambulismo natural.)
Observação:
Para acessar a parte 6 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/04/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel.html
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