O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 28
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. O Espírito de Katie King, quando
materializado, apresentava batimentos cardíacos?
B. Que idade tinha a médium Florence
Cook à época das experiências com Katie King?
C. Que diferença existe entre o
conceito de fluido dado pela Física e o conceito que o Espiritismo dá a essa
palavra?
Texto para leitura
643. Eis outro ponto a destacar nas
experiências de Crookes com respeito às materializações de Katie King: “Uma
noite contei as pulsações de Katie: seu pulso batia regularmente 75, enquanto o
de Miss Cook, poucos instantes depois, atingia 90, sua cifra habitual. Apoiando
o ouvido ao peito de Katie, pude escutar um coração bater no interior e suas
pulsações eram ainda mais regulares que as do coração de Miss Cook, quando, depois
da sessão, ela me permitiu a mesma experiência. Examinados, do mesmo modo, os
pulmões de Katie se mostraram mais sãos que os da médium, porque, no momento,
Miss Cook seguia um tratamento médico, em virtude de forte resfriado”.
644. O dia em que Katie despediu-se do
grande sábio foi por ele devidamente registrado: “Quando chegou o momento de
Katie dizer-nos adeus, pedi-lhe o favor de ser o último a vê-la. Por isso,
depois de chamar cada pessoa da sociedade e dizer-lhe palavras em particular,
deu ela instruções gerais sobre nossa direção futura e a proteção que deveria
ser dispensada a Miss Cook. Destas instruções, que foram estenografadas, cito a
seguinte: Crookes sempre agiu muito bem, e é com a maior confiança que deixo
Florence em suas mãos, perfeitamente certa de que ele não abusará da confiança
que nele deposito. Em todas as circunstâncias imprevistas, ele poderá fazer
melhor do que eu mesma, porque ele tem mais força. Terminadas suas instruções,
convidou-me a entrar consigo no gabinete e permitiu-me que aí ficasse até o
fim. Depois de fechar a cortina, conversou comigo algum tempo, e atravessou o
quarto para ir onde estava Miss Cook, que jazia inanimada no chão.
Inclinando-se sobre ela, Katie tocou-a e disse-lhe: – Acorde, Florence, acorde.
É preciso, agora, que eu a deixe. Miss Cook despertou e, debulhada em lágrimas,
suplicou a Katie que ficasse ainda algum tempo. – Querida, não o posso mais:
está cumprida minha missão. Que Deus lhe abençoe. Conversaram durante algum
tempo, até que as lágrimas da Srta. Cook a impediram de falar. Atendendo às
instruções de Katie, atirei-me para segurar Miss Cook que estava prestes a cair
e soluçava convulsivamente. Olhei em tomo, mas Katie e sua veste branca haviam
desaparecido”.
645. Com respeito à médium, Crookes
escreveu o seguinte: “As sessões quase diárias, com que Miss Cook me favoreceu
ultimamente, esgotaram-lhe as forças. Quero que se saiba o muito que lhe devo
pela sua boa vontade, durante as experiências. Submetia-se de boa mente a
qualquer prova que lhe propunha. Sua palavra é franca e nunca lhe notei a menor
aparência do desejo de enganar. Não creio que ela pudesse levar uma fraude ao
fim e, se o tentasse, seria logo descoberta, porque tal maneira de proceder é
inteiramente estranha à sua natureza. E quanto a pensar que uma inocente
colegial de quinze anos fosse capaz de conceber e sustentar, durante 3 anos,
com pleno êxito, tão gigantesca impostura, e que durante esse tempo se tivesse
submetido a todas as imposições que dela se exigiram, suportado as mais
minuciosas pesquisas, deixando ser inspecionada, não importava o momento, antes
ou depois das sessões; que tivesse obtido mais êxito, ainda, em minha casa que
na de seus pais, sabendo que ela ia ali, expressamente, para se submeter a
rigorosos ensaios científicos; imaginar que a Katie King dos três últimos anos
é o resultado de uma impostura, faz isto mais violência à razão e ao bom senso
do que acreditar que ela é o que afirma ser”.
646. Comentando tais fatos, Delanne
lembra que o Espírito de Katie King materializou-se, não mais em luz duvidosa,
mas em pleno brilho da luz elétrica. Seu corpo era tão real e tangível como o
de Crookes, visto que se lhe ouvia o bater do coração. Temos, pois, que admitir
a possibilidade da materialização temporária dos Espíritos; mas uma condição já
se deduz: é preciso um médium. Sempre que observamos casos de aparições,
podemos, sem receio, afirmar que há um médium próximo.
647. Quando interrogamos os Espíritos
sobre a natureza do perispírito, eles nos respondem que este é tirado do fluido
universal do planeta que habitamos. À primeira vista parece que isto pouca
coisa nos adianta, mas, estudando a fundo o assunto, vamos ver que eles estão
certos.
648.Os Espíritos entendem por fluido
universal uma matéria primitiva, da qual provêm todos os corpos por
transformações sucessivas. Para que se justifique esta concepção, é preciso
demonstrar: 1º - que a matéria pode existir em estados diferentes,
simplificando-se sem cessar até o estado inicial; 2º - que a infinita variedade
dos corpos pode ser reconduzida a uma única matéria.
649. Estabelecidas cientificamente
estas proposições, a existência do fluido universal não será mais contestável.
A primeira pergunta a fazer-se é a seguinte: Há fluidos? É quase impossível
duvidar, depois das experiências de Crookes e dos fatos já narrados, mas que se
deverá entender por esta expressão? Em física, fluidos são os corpos líquidos e
gasosos, mas aqui devemos dar a esta palavra uma significação especial, que é
útil bem definir. Chamamos fluidos aos estados da matéria em que ela é mais
rarefeita do que no estado conhecido sob o nome de gás. É justificada essa
concepção?
650. Para responder, escutemos
Faraday. Eis como ele se expressava em 1816: “Se imaginarmos um estado da
matéria tão afastado do estado gasoso quanto é este do estado líquido, tendo em
conta, bem entendido, o acréscimo de diferença que se produz à medida que o
grau da mudança se eleva, poderemos, talvez, desde que nossa imaginação chegue
até aí, conceber mais ou menos a matéria radiante; e, assim, como ao passar do
estado líquido ao gasoso, a matéria perde grande número de suas qualidades,
mais ainda deve perder nesta última transformação”.
651. Essa arrojada concepção foi
desenvolvida pelo grande físico nos anos seguintes e pode-se ler, nas suas
cartas, compiladas por Bence Jones, este trecho: “Posso assinalar aqui uma
progressão notável nas propriedades físicas que acompanham as mudanças de
estado; talvez ela baste para levar os espíritos inventivos e ousados a
acrescentar o estado radiante aos outros estados da matéria já conhecidos. À
medida que nos elevamos do estado sólido ao líquido e deste ao gasoso, vemos
diminuir o número e a variedade das propriedades físicas dos corpos; cada
estado apresenta menos algumas que o precedente. Quando os sólidos se
transformam em líquidos, todas as graduações de rijeza e moleza cessam
necessariamente de existir; todas as formas cristalinas ou outras desaparecem.
A opacidade ou a cor são substituídas, muitas vezes, por uma transparência incolor
e as moléculas adquirem, por assim dizer, uma mobilidade completa. Se
considerarmos o estado gasoso, vemos aniquilados grande número de caracteres
evidentes dos corpos. As imensas diferenças que existem entre seus pesos
desaparecem quase inteiramente. Apagam-se os traços das diferentes cores que
tinham. Desde então todos os corpos ficam transparentes e elásticos. Eles não
formam mais que um mesmo gênero de substâncias, e as diferenças de rijeza,
opacidade, cor, elasticidade e forma, que tornam quase infinito o número dos
sólidos e dos líquidos, são desde então substituídas por fracas variações de
peso e alguns matizes sem importância. Assim, para os que admitem o estado
radiante da matéria, a simplicidade dos problemas que caracterizam esse estado,
longe de ser uma dificuldade, é antes um argumento em favor de sua existência.
Verificaram até agora um desaparecimento gradual das propriedades da matéria, à
medida que esta se eleva na escala das formas, e ficariam surpresos se esse
efeito cessasse no estado gasoso. Viram a Natureza fazer os maiores esforços
para simplificar-se em cada mudança de estado e pensam que, na passagem do
estado gasoso ao radiante, esse esforço deve ser mais considerável”.
652. O que era hipótese para Faraday é
certeza para nós. Crookes, demonstrando a existência da matéria radiante, pôs
fora de dúvida a existência dos fluidos. Os corpos, com efeito, não mudam
bruscamente de estado, não passam instantaneamente do sólido para o líquido; a
maior parte ocupa uma posição intermediária, chamada estado pastoso. Da mesma
maneira, os líquidos não se transformam em gás, sem que seja possível apreciar
as gradações que separam esses dois estados. Os vapores são disso um exemplo.
Mas a diferença entre líquidos e gases é ainda diminuída pelas experiências
feitas por Charles Andrew, que mostrou que, em certos corpos, há mistura de
estado líquido e gasoso, de maneira a não se poder distinguir se o corpo
pertence a um ou ao outro estado. A lei de analogia nos leva, pois, a admitir
que entre os gases e o estado radiante existe matéria em diferentes estados de
rarefação, desde os mais grosseiros, que se aproximam dos gases, aos mais puros
que estão no estado radiante.
653. Se mostrarmos que as propriedades
químicas seguem a mesma ordem de progressão decrescente, à medida que se sobe
na escala das famílias químicas, dizendo de outro modo, se fizermos ver que
pode-se supor que não existe senão uma só matéria, da qual derivam todos os
corpos que conhecemos, por transformações sucessivas, estaremos bem perto de
tocar o fluido universal de que nos falam os Espíritos.
654. Vejamos se a unidade de matéria é
uma ideia aceitável. O sábio químico Wurtz escreveu na Teoria Atômica: “A ideia
da unidade de matéria é renovada, proveniente de Descartes, porquanto é uma
verdade que, quando se trata do eterno e insolúvel problema da matéria, o
espírito humano parece girar dentro de um círculo, perpetuando-se as mesmas
ideias através dos tempos e apresentando-se sob formas rejuvenescidas às
inteligências de elite que têm procurado sondar este problema”.
655. Muitos sábios modernos foram
levados, por suas pesquisas, à conclusão de que se deve admitir a unidade da
matéria. Examinando, com efeito, as relações que existem entre as diferentes
famílias químicas dos corpos, seremos obrigados a aplicar-lhes, por analogia,
as mesmas leis transformistas das famílias naturais dos animais. É que temos,
em nossa época, uma invencível tendência para a síntese e para a simplificação.
Tanto quanto os antigos multiplicavam as causas, nós temos hoje o cuidado de
eliminá-las. Mas não basta supor, é preciso ter provas.
656. Uma das mais fortes que se podem
fornecer é a que se chama, em química, estados alotrópicos. Certas substâncias
podem ter propriedades inteiramente diferentes, sem mudar de natureza,
quimicamente falando. Assim, o fósforo pode apresentar aspecto vermelho, branco
ou preto, conforme a maneira de prepará-lo. O que há de mais notável é que o fósforo
vermelho e o fósforo ordinário apresentam tais diferenças que seríamos tentados
a considerá-los distintos; analisados, entretanto, pelos mais precisos métodos,
não apresentam diferença alguma: são sempre fósforo. A transformação se opera
expondo-se no vazio barométrico o fósforo branco à ação dos raios do Sol;
cremos que nenhum caso melhor demonstraria que as propriedades dos corpos são
devidas apenas ao arranjo dos átomos que os estruturam. O ozônio é também uma
modificação alotrópica do oxigênio. O carbono mostra tão múltiplos aspectos,
propriedades tão diferentes nos alotrópicos que forma, que só é reconhecido
pela sua infusibilidade e pela propriedade de produzir ácido carbônico,
queimando no oxigênio. Ele se apresenta, a princípio, cristalizado, é o
diamante; depois sob a forma de grafite, antracite, coque, pó de sapato,
carvão... Todos esses corpos têm composição idêntica, mas apresentam
propriedades diferentes, segundo o modo de reunião de seus átomos. Somos, pois,
induzidos a crer que só existe uma única matéria, revestindo, entretanto,
aspectos diferentes. Eis uma observação que demonstra estarmos com a verdade.
657. Tratando da análise espectral,
Zoborowski refere as seguintes experiências: Com o fim de determinar as
temperaturas das diversas partes do Sol, tomaram-se fotografias dos espectros
dessas diferentes partes. Cada corpo em combustão assinala, como se sabe, sua
presença, na luz decomposta em seus elementos ou espectral, por raias
particulares. Demonstrou-se que “o alargamento das raias da platina é
correlativo à elevação da temperatura”. Foi, assim, possível tirarem-se, com
proveito, fotografias dos espectros de grande número de estrelas. E, de
conformidade com a hipótese de Laplace, verificou-se que esses astros estão em
diferentes estados de condensação. As estrelas brancas, mais ardentes, contêm
hidrogênio em abundância e em alta pressão; as estrelas brilhantes se aproximam
da constituição do nosso Sol; as estrelas avermelhadas são muito menos quentes.
Apagando-se, passam ao estado dos planetas obscuros. Nasceram das nebulosas. É
pelo menos a grande hipótese clássica desde Laplace. Essa hipótese, porém, só
será verificável porque a fotografia, permitindo que se apanhem e conservem as
imagens das nebulosas em diversas épocas, através dos séculos, dar-nos-á os
meios de seguir as transformações destas matérias cósmicas, espécie de
protoplasma que gera os mundos.
658. Com um fim um pouco diferente,
Lockyer (1879) e Huggins (1882) fotografaram os espectros de uma série de
nebulosas, das mais densas às mais rarefeitas; chegaram a reconhecer que o
número dos corpos simples diminui à medida que se passa das primeiras às
segundas. Os espectros fotográficos dos mais rarefeitos só revelam hidrogênio e
fósforo. É verdadeiramente a confirmação das vistas expostas mais acima sobre a
unidade da matéria. A correlação assinalada por Faraday, entre o estado cada
vez mais rarefeito da matéria e a perda conexa das principais propriedades que
a caracterizavam, dá-nos o direito de dizer que existe um estado radiante da
matéria que forma o fluido universal. É desse meio que é tirado o perispírito.
Respostas às questões preliminares
A. O Espírito de Katie King, quando materializado,
apresentava batimentos cardíacos?
Sim. Diz Crookes que apoiando o ouvido
ao peito de Katie King (espírito) pôde escutar um coração bater no interior e
suas pulsações eram mais regulares que as do coração de Miss Cook (médium),
quando, depois da sessão, ela lhe permitiu a mesma experiência. Examinados, do
mesmo modo, os pulmões de Katie se mostraram mais sãos que os da médium,
porque, no momento, Miss Cook seguia um tratamento médico, em virtude de forte
resfriado. (O Espiritismo perante a
Ciência, Quarta Parte, Cap. III – O perispírito durante a desencarnação –
Sua composição.)
B. Que idade tinha a médium Florence Cook à época das
experiências com Katie King?
Miss Cook era, segundo Crookes, uma
inocente colegial de quinze anos, fato que não impediu que ela se submetesse
durante 3 anos às experiências conduzidas pelo notável sábio. (Obra citada,
Quarta Parte, Cap. III – O perispírito durante a desencarnação – Sua
composição.)
C. Que diferença existe entre o conceito de fluido dado
pela Física e o conceito que o Espiritismo dá a essa palavra?
Em Física, fluidos são os corpos
líquidos e gasosos, mas o Espiritismo dá a essa palavra uma significação
especial, ou seja, chamamos fluidos aos estados da matéria em que ela é mais
rarefeita do que no estado conhecido sob o nome de gás. (Obra citada, Quarta
Parte, Cap. III – O perispírito durante a desencarnação – Sua composição.)
Observação:
Para acessar a parte 27 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/09/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_18.html
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