O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 36
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Fora da hipótese espírita, como
explicar o surgimento da partitura encontrada por Bach?
B. Os fatos pertinentes à espineta
foram explicados depois mediunicamente?
C. Que é que Delanne diz sobre a mediunidade vidente?
Texto para leitura
828. Se a aparição de um Espírito pode
ser atribuída a uma alucinação, a mesma explicação não pode ser aplicada à
partitura encontrada por Bach. Teria sido escrita por Bach, em estado
sonambúlico? Admitamo-lo, por instantes; mas quem lhe teria ditado os versos,
escritos sem rasura e seguidamente? Onde teria ele colhido o conhecimento de
casos passados, que ignorava e que foram depois confirmados, como veremos um
pouco adiante?
829. Alberic Second perguntava se a
espineta tinha pertencido a Baltazarini e se fora esse musicista que ditara as
palavras do romance e da música. Como resposta, eis o que lemos na Revue Spirite de fevereiro de 1866:
“O fato junto é a continuação da
interessante história Ária e palavras do rei Henrique III, narrada na Revue, de julho de 1865. Desde então,
Bach se tomou médium escrevente, mas pratica pouco, em vista da fadiga que lhe
sobrevém. Só o faz quando incitado por força invisível, a qual se traduz por
viva agitação e tremor da mão, e aí a resistência lhe é mais penosa que o
exercício. Ele é mecânico, no sentido absoluto do terno, e não tem consciência
nem lembrança do que escreve. Um dia, quando estava nessas disposições,
escreveu a quadra seguinte:
Rei Henrique deu essa grande espineta
A Baltazarini, muito bom músico;
Se ela não for boa ou muito graciosa
Que ao menos a conserve por lembrança.
A explicação desses versos que, para
Bach, não tinham sentido, lhe foi dada em prosa.
O rei Henrique, meu senhor, deu-me a
espineta que possuís; escreveu uma quadra numa folha de pergaminho, fê-la
pregar no estojo e m’a remeteu. Alguns anos mais tarde, tendo que fazer uma
viagem e receando que o pergaminho fosse arrancado e se perdesse, visto que eu
levava comigo a espineta, tirei-o e coloquei-o em um pequeno vão, à esquerda do
teclado, onde ainda se acha.
A espineta é a origem dos pianos
atuais, em sua maior simplicidade, e se tocava da mesma maneira; era um pequeno
cravo, de quatro oitavas, com cerca de metro e meio de comprimento, quarenta
centímetros de largura, e sem pés. As cordas, no interior, eram dispostas como
nos pianos e tocadas por meio de teclas. Transportavam-no à vontade,
encerrando-o numa caixa, como se faz com os violinos e os violoncelos. Para ser
utilizado punham-no em uma mesa ou um móvel.
O instrumento estava em exposição no
museu retrospectivo, nos Campos Elíseos, onde não era possível fazer a pesquisa
indicada. Quando ele lhe foi entregue, Bach e seu filho apressaram-se a
esmerilhar em todos os vãos, mas inutilmente, de sorte que acreditaram numa
mistificação. Entretanto, para que não restasse qualquer dúvida, Bach o
desmontou completamente e descobriu, à esquerda do teclado, um intervalo tão
estreito que nele não se podia introduzir a mão. Investigou esse reduto cheio
de pó e de teias de aranha, e dele retirou um pedaço de pergaminho dobrado, enegrecido
pelo tempo, com 31 centímetros de comprimento por 7 e meio de largura, no qual
estava escrita a quadra seguinte, em grandes caracteres da época:
Moys le roi Henri trois octroys cette espinette
A Baltazarini, mon gay musicien
Mais si dis mal sône, ou bien | ma| moult simplette
Lors pour mon souvenir dans lestuy garde bien.
Este pergaminho está furado nos quatro
cantos e os buracos são, evidentemente, os dos pregos que serviram para fixá-lo
na caixa. Traz, também, além disso, nas margens, grande quantidade de buracos,
alinhados e regularmente espaçados, que parecem ter sido feitos por pregos
muito pequenos.
Os primeiros versos ditados
reproduziam, como se vê, o mesmo pensamento que os do pergaminho, de que são a
tradução, em linguagem moderna, e isto antes que estes fossem descobertos.
O terceiro verso é obscuro e contém,
sobretudo, a palavra ma, que parece sem sentido, e não se pode ligar à ideia
principal que, no original, está entre parênteses. Procuramos, inutilmente, a
explicação, e o próprio Bach nada sabia a respeito.
Estava eu um dia em sua casa, quando
houve, espontaneamente, em nossa presença, uma comunicação de Baltazarini, dada
para nós, e assim concebida:
‘Amico mio.
‘Estou contente contigo; encontraste
os versos na minha espineta; meu desejo está satisfeito; estou contente
contigo...
‘O rei, nesses versos, gracejava de
minha pronúncia; eu dizia sempre ma em lugar de mas.
‘Adio amico. – Baltazarini.’
Assim foi dada, sem pedido prévio, a
explicação dessa palavra ma, intercalada por gracejo, pela qual o rei designava
Baltazarini que, como muitos de seus patrícios, assim a pronunciava várias
vezes.
O rei, dando a espineta ao músico, lhe
diz: se ela não é boa, se ela soa mal ou se | ma| (porém) a achar muito
simples, que a conserve em seu estojo, em lembrança de mim. A palavra ma está
rodeada de um filete, como entre parênteses.
Teríamos, certamente, procurado esta
explicação por muito tempo, que não podia ser o reflexo do pensamento do Sr.
Bach, pois que ele mesmo não estava entendendo nada.
Restava resolver uma importante
questão: a de saber se a escrita do pergaminho era, realmente, da mão de
Henrique III.
Bach dirigiu-se à biblioteca imperial
para compará-la com os manuscritos originais. Foram, a princípio, encontrados
alguns, sem semelhança perfeita, mas com o mesmo caráter. Em outros documentos,
porém, a identidade era absoluta, tanto no tipo da letra como na assinatura.
Não podia haver dúvida sobre a
autenticidade do pergaminho, embora certas pessoas, que professam uma
incredulidade ridícula para com as coisas ditas sobrenaturais, tenham achado
que aquilo não passava de uma boa imitação.
Observaremos que não se trata aqui de
uma escrita mediúnica, dada pelo Espírito do rei, mas de um manuscrito
original, escrito pelo próprio rei, quando vivo, e que não tem nada de mais
maravilhoso que aqueles que as circunstâncias fortuitas fazem descobrir todos
os dias. O maravilhoso, se maravilhoso existe, só está na forma pela qual foi
revelada sua existência. É bem certo que, se o Sr. Bach se contentasse em dizer
que o tinha achado, por acaso, em seu instrumento, isso não teria provocado
nenhuma objeção.”
830. Tal é a narrativa exata da
comunicação literária e musical obtida por Bach. Poderíamos citar grande número
de casos, tão seguros como este, em que a intervenção dos Espíritos não é menos
manifesta, mas preferimos enviar o leitor à Revue
Spirite, em que formigam descrições semelhantes, trazendo todas o cunho de
verdade indiscutível.
831. Vejamos agora dois outros
fenômenos: vidência e audiência. A mediunidade vidente é evidentemente uma das
mais curiosas manifestações dos Espíritos. Não há melhor prova da sobrevivência
que aquela que permite a um Espírito tomar-se visível. Para chegar a este
resultado deve ele fazer no encarnado certas modificações perispirituais, que é
preciso estudar. Distingamos os dois casos seguintes:
1º. O médium vê com os olhos;
2º. O médium vê em estado de
desprendimento.
832. Existe um meio simples, por onde
um médium pode saber em que estado se encontra. Ao ver um Espírito, se desvia o
olhar ou fecha os olhos, e a aparição continua visível; é que ele está
desprendido; se, pelo contrário, não percebe mais o Espírito, é que vê com os
olhos do corpo.
833. No desprendimento, a visão se
opera fora dos órgãos dos sentidos, e disso não nos ocuparemos por saber que os
desencarnados veem, ouvem e, de maneira geral, percebem por todas as partes do
perispírito. A vista pela alma, em estado de desprendimento, entra, pois, no
caso geral da visão dos Espíritos entre si.
834. O que convém notar é que o
Espírito é, entretanto, obrigado a agir sobre o médium, para conseguir-lhe o
desprendimento. Que é, pois, o desprender-se? Para a alma é estar menos
acorrentada ao corpo. Sabemos que durante sua passagem na Terra o Espírito está
ligado ao invólucro material pelo perispírito, que aciona, ele próprio, o
sistema nervoso.
835. Quanto mais ativa é a vida do
encarnado, mais abundante é a circulação nervosa e menos pode o Espírito
desprender-se; mas se, como vimos na teoria do magnetismo, é possível
paralisar, momentaneamente, os laços que prendem a alma ao corpo, produz-se uma
irradiação do Espírito encarnado, que, nessa condição, goza de quase todas as
faculdades que possui na erraticidade. Ele pode, pois, ver os Espíritos,
descrevê-los, dar, assim, provas de sua existência. Esse estado particular se
nos apresenta frequentemente no sono. Os sonhos são, a maior parte das vezes,
lembranças que conservamos de nossas viagens no Espaço; ainda que, ao
despertar, não nos recordemos dos fatos de que fomos testemunhas durante a
noite, não se deve concluir que a alma não se tenha desprendido.
836. Em primeiro lugar, vejamos o que
entendemos por mediunidade vidente, porque é bom não tomarmos por aparições as
figuras diáfanas que se percebem na semissonolência e ao despertar. É preciso
cuidado contra as causas de erro que provêm da imaginação superexcitada. Quem
já não acreditou distinguir, em dados momentos, figuras, paisagens, nos desenhos
bizarros formados pelas nuvens? E a razão nos diz que elas não existem, em
realidade. Sabe-se, também, que na obscuridade os objetos revestem aparências
extraordinárias. Quantas vezes, num quarto, à noite, uma veste pendurada, um
vago reflexo luminoso não parecem ter uma forma humana aos olhos dos de maior
sangue frio? Se a isso se vem juntar o medo ou uma credulidade exagerada, a
imaginação faz o resto.
837. Os materialistas empregam a
palavra alucinação para explicar a mediunidade vidente. A palavra alucinação
vem do latim hallucinari, errar, de ad lucem. A alucinação poderia ser
definida como um sonho em estado de vigília; é a percepção de uma imagem
ilusória, de um som que não existe realmente, que não tem valor objetivo. Assim
como o objeto representado não impressiona a retina, o som escutado não fere o
ouvido; a causa eficiente da alucinação existe no aparelho nervoso sensorial e
deve ser atribuída a um trabalho particular do cérebro. Esse fenômeno não
existe somente para a vista e para o ouvido; os outros sentidos também podem
ser alucinados; um contato, um odor, um sabor sem que haja ação prévia de um
excitante exterior, são verdadeiras alucinações.
838. Essas pretendidas sensações, que
experimentam as pessoas atingidas por tal doença, dependem das imagens, das
ideias reproduzidas pela memória, ampliadas pela imaginação e personificadas
pelo hábito. As alucinações podem ser produzidas por causas físicas ou morais.
As primeiras são muito numerosas: o abaixamento ou elevação da temperatura, o abuso
das bebidas alcoólicas, as doses elevadas de sulfato de quinina, a digitális, a
beladona, o estramônio, o meimendro, o acônito, o ópio, a cânfora, as emanações
azotadas, o haxixe, o abalo do cérebro por queda, etc.
839. Entre as causas morais, as mais
comuns são uma impressão súbita dos sentidos, uma sensação viva e prolongada, a
atenção violentamente fixada no mesmo objeto, o insulamento, o remorso, o
temor, o terror.
Respostas às questões preliminares
A. Fora da hipótese espírita, como explicar o surgimento da
partitura encontrada por Bach?
Uma explicação possível é ter sido a
partitura escrita por Bach em estado sonambúlico. Admitida tal hipótese,
pergunta-se: Quem lhe teria ditado os versos, escritos sem rasura e
seguidamente? Onde teria ele colhido o conhecimento de casos passados, que
ignorava e que foram depois confirmados, como veremos um pouco adiante? (O Espiritismo perante a Ciência, Quinta
Parte, Cap. II – Os médiuns escreventes.)
B. Os fatos pertinentes à espineta foram explicados depois
mediunicamente?
Sim. Bach recebeu uma comunicação de
Baltazarini, que se reportou aos fatos referidos neste livro e confirmou que a
espineta realmente lhe pertencera. (Obra citada, Quinta Parte, Cap. II – Os
médiuns escreventes.)
C. Que é que Delanne diz sobre a mediunidade vidente?
Delanne diz que a mediunidade vidente
é uma das mais curiosas manifestações dos Espíritos e que não existe melhor
prova da sobrevivência que aquela que permite a um Espírito tomar-se visível.
(Obra citada, Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e médiuns auditivos.)
Observação:
Para acessar a parte 35 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/11/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_13.html
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