O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 35
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
A. Caso tenha várias aptidões
mediúnicas, qual delas o médium deve cultivar?
B. Como uma pessoa pode saber se é ou
não médium?
C. Que médium desenhou uma habitação supostamente situada em Júpiter?
Texto para leitura
810. São muitas as variedades dos
médiuns escreventes, com graus inúmeros em sua diversidade. Há muitos que
apresentam apenas gradações, em que não deixam de existir propriedades
especiais. É raro circunscrever-se a faculdade de um médium a um único gênero.
O mesmo médium pode ter, sem dúvida, muitas aptidões; uma há, porém, que
domina, e é esta que ele deve cultivar, se lhe for útil.
811. Um Espírito nos deu, a respeito
disso, o seguinte conselho: “Quando o princípio, o gérmen de uma faculdade
existe, ela se manifesta sempre por sinais inequívocos. Restringindo-se à sua
especialidade o médium pode sobressair e obter grandes e belas coisas;
ocupando-se com tudo, não obterá nada de bom. Observai, de passagem, que o
desejo de estender indefinidamente o círculo das faculdades é uma pretensão
orgulhosa, que os Espíritos nunca deixam impune; os bons abandonam os
presunçosos que se tornam, assim, joguete de Espíritos enganadores.
Infelizmente, não é raro ver que os médiuns nem sempre se contentam com os dons
que recebem, e desejam, por amor-próprio ou ambição, possuir faculdades
excepcionais, que os tornem notórios. Essa pretensão lhes tira a mais preciosa
qualidade: a de médiuns seguros.”
812. Sabemos, conforme a teoria, que
os médiuns mecânicos podem ser chamados, em dado momento, a fazer qualquer
outra coisa além da escrita. A força que lhes faz mover a mão, para traçar
caracteres, pode também fazê-los executar linhas, curvas, sombreados, ou seja,
fazê-los desenhar. Este caso se apresenta frequentemente e conhecemos certo
número de pessoas que obtêm, assim, uns paisagens, outros cabeças
admiravelmente desenhadas, ignorando completamente até os rudimentos desta
arte.
813. O mais curioso exemplo desse
gênero de mediunidade nos é oferecido por Sardou, o eminente acadêmico, que
publicou em 1858 uma estampa desenhada e gravada por ele, representando uma
habitação em Júpiter. Esse desenho é acompanhado de uma longa nota de Victorien
Sardou, onde o célebre autor explica a maneira pela qual, assistido por Bernard
de Palissy e Mozart, pôde reproduzir, pelo traço, as habitações de Júpiter.
814. Eis o que a respeito escreveu
Allan Kardec: “Apresentamos, com este número de nossa revista, como tínhamos
anunciado, o desenho de uma habitação de Júpiter, executado e gravado por
Victorien Sardou, como médium, e juntamos o artigo descritivo que ele nos quis
dar sobre o assunto. Qualquer que seja, sobre a autenticidade das descrições, a
opinião dos que possam acusar-nos de nos estar ocupando com o que se passa nos
mundos desconhecidos, quando há tanto que fazer na Terra, pedimos aos leitores
não perder de vista que o nosso fim assim como faz ver nosso título é, antes de
tudo, o estudo dos fenômenos, e que, sob este ponto de vista, nada deve ser
negligenciado. Ora, como fato de manifestações, esses desenhos são,
incontestavelmente, dos mais notáveis, visto que o autor não sabe desenhar, nem
gravar, e o desenho foi gravado por ele em água forte, sem modelo, nem ensaio
antecipado, em nove horas. Supondo, mesmo, que o desenho seja uma fantasia do
Espírito que o fez traçar, o fenômeno da sua execução não seria menos digno de
atenção e, nessa qualidade, merece figurar em nossa coleção.”
815. No fim do artigo, acrescentou
Allan Kardec: “O autor desta interessante descrição é um desses adeptos fervorosos
e esclarecidos que não temem manifestar claramente suas crenças e se colocam
acima da crítica dos que nada creem fora do círculo de suas ideias. Ligar o
nome a uma doutrina nova, afrontando os sarcasmos, é coragem que não é dada a
todos, e por isso felicitamos Sardou.”
816. Desde essa época, já longínqua,
tivemos numerosas provas de que essa mediunidade já estava bem espalhada. Um
ferreiro, chamado Fabre, desenhou um esplêndido quadro representando
Constantino quando pôs em fuga o exército de Maxêncio, o qual não seria
reprovado por um mestre. Já vimos pessoas ignorantes dos princípios de desenho
esboçar cabeças, de maneira inteiramente original. A mão era agitada com um
movimento febril de vaivém e só parecia fazer traços; cessada a atividade espiritual,
encontrou-se, no meio dessa confusão, a adorável figura de uma jovem, cujos
traços puros se destacavam nitidamente em meio ao inextricável labirinto de
riscos a lápis.
817. É bom observar que para esta
espécie de mediunidade são necessárias aptidões especiais, e não basta ser um
médium mecânico para que alguém se torne desenhista. Os Espíritos, que conhecem
nossas existências anteriores, podem julgar-nos aptos a esse gênero de
manifestações, ainda quando não sintamos, agora, nenhuma inclinação para as
artes; é, pois, a eles que compete dirigir-nos e a nós seguir-lhes docilmente a
orientação.
818. O ensaio de teoria geral que
apresentamos dos fenômenos da escrita pode ainda aplicar-se a certas
manifestações de ordem complexa. Tal é o caso narrado pelo Grand Journal de 4 de junho de 1865.
819. Ei-lo, tal como o reproduz a
revista:
“Todos os editores e amadores de
música de Paris conhecem G. Bach, discípulo de Zimmerman, primeiro prêmio de
piano do Conservatório, no concurso de 1819, um dos nossos mais estimados e
mais distintos professores de piano, bisneto do grande Sebastião Bach, de quem
leva dignamente o nome ilustre. Informado pelo nosso comum amigo, o Sr.
Dollingen, administrador do Grand Journal,
de que um verdadeiro prodígio se tinha produzido no apartamento de Bach,
durante a noite de 5 de maio último, pedi a Dollingen que me levasse à casa do
Sr. Bach, e fui acolhido no nº 8 da rua Castellane com grande gentileza. Penso
que é inútil acrescentar que, depois da autorização expressa do herói desta
maravilhosa história, é que me permito contá-la:
“A 4 de maio, Léon Bach, que é um
curioso doublé de artista, trouxe a seu pai uma espineta admiravelmente
esculpida. Depois de longas e minuciosas pesquisas, o Sr. Bach descobriu, em
uma tábua interior, a marca do instrumento; datava de abril de 1664 e foi
fabricado em Roma. Bach passou parte do dia em contemplação de sua preciosa
espineta e nela pensava, ainda, ao deitar-se, quando o sono lhe veio fechar as
pálpebras.
“Não há que admirar, portanto, tivesse
o seguinte sonho: No mais profundo sono, Bach viu aparecer à cabeceira um homem
de longas barbas, sapatos redondos na ponta, com grossas borlas, calças largas,
gibão de grandes mangas, com fofos no alto, enorme colarinho em torno do
pescoço e um chapéu pontudo de abas largas. Esta personagem inclinou-se para o
Sr. Bach e lhe disse:
– A espineta que possuís me pertenceu.
Ela muitas vezes serviu-me para distrair o meu senhor, o Rei Henrique III.
Quando ele era moço, compôs uma ária com palavras que gostava de cantar, e eu o
acompanhava muitas vezes. Compô-las em lembrança de uma mulher que encontrou na
caça e de quem se tomou de amores. Afastaram-na; dizem que a envenenaram e o
rei teve com isto grande desgosto. Quando estava triste, cantarolava este
romance. Para distraí-lo tocava eu, então, em minha espineta, uma música de
minha composição, que ele muito apreciava. Vou fazê-la ouvir.
“O homem aproximou-se da espineta,
desferiu alguns acordes e cantou a ária com tanta expressão, que Bach acordou
em lágrimas. Acendeu uma vela, olhou o relógio, verificou que eram duas horas
depois da meia-noite e não tardou a dormir de novo.”
820. Prossegue a narrativa da revista:
“No dia seguinte de manhã, ao
despertar, Bach ficou grandemente surpreendido, por achar, em sua cama, uma
página de música, com uma escrita muito fina e de notas microscópicas. Dificilmente
com o auxílio de suas lunetas, pôde Bach, que é muito míope, compreender as
garatujas. Pouco depois, o neto de Sebastião sentava-se ao piano e decifrava o
trecho. O romance, as palavras e a música eram exatamente conforme as que o
homem do sonho lhe tinha feito ouvir. Ora, Bach não é sonâmbulo, nunca escreveu
um único verso, e as regras da poesia lhe são absolutamente estranhas.”
821. As estrofes constantes do
manuscrito foram reproduzidas pela revista, com a observação de que a
ortografia então utilizada não era familiar ao senhor Bach.
822. Segundo a reportagem a que nos
referimos, a ortografia musical não era menos arcaica que a ortografia
literária, e as chaves foram feitas de modo diverso do que então se usava. Além
disso, o acompanhamento é escrito em um tempo e o canto em outro.
823. Finalizando a reportagem, seu
autor diz que Bach teve a gentileza de fazê-lo ouvir os trechos, que eram de
uma harmonia simplesmente ingênua e penetrante. E acrescentou: “O jornal L'Estoile diz que o rei teve grande
paixão por Maria de Clèves, marquesa de Isle, morta na flor da idade, em uma
Abadia, a 15 de outubro de 1874. Não será a ‘pobre bela, triste e enclausurada’
de que ele fala nas coplas? (1) O mesmo jornal diz também que um músico
italiano, chamado Baltazarini, veio para a França, nessa época, e que foi um
dos favoritos do rei. A espineta pertenceu a Baltazarini? Foi o Espírito de
Baltazarini quem escreveu o romance e a música? Mistério que não ousamos
aprofundar. Alberic Second.”
824. Algumas reflexões sobre o assunto
não serão fora de propósito. “Mistério que não ousamos aprofundar”, e por quê?
Há um fato cuja autenticidade é demonstrada, como reconheceis, e como se
relaciona com a vida misteriosa de além-túmulo, não ousais procurar-lhe a
causa! Temeis encará-la de face? Tendes, pois, medo das almas? Ou receais obter
a prova de que tudo não termina com a vida do corpo?
825. É verdade que para um cético que
não sabe nada e que não crê em nada além do presente, esta causa é bem difícil
de achar. Mas, por isso mesmo que o fato é mais estranho e parece afastar-se
das leis conhecidas, deve ainda mais obrigar à reflexão e despertar, pelo
menos, a curiosidade. Dir-se-ia, verdadeiramente, que certas pessoas têm medo
de ver muito claramente, porque ser-lhes-ia forçoso convir que se enganaram.
826. Vejamos, entretanto, as deduções
que todo homem sério pode tirar desse fato, abstração feita de qualquer ideia
espírita. Bach recebe um instrumento cuja Antiguidade verifica e que lhe causa
grande satisfação. Preocupado com a ideia, é natural que esta lhe provoque um
sonho: ele vê um homem com os trajes da época, que toca e canta no instrumento
uma ária de então; não há nada ali, certamente, que, em rigor, não possa ser
atribuído à imaginação superexcitada pela emoção da véspera, sobretudo em um
musicista.
827. Mas aqui a lembrança se complica,
a ária e as palavras não podem ser uma reminiscência, visto que Bach não as
conhecia. Quem as podia ter revelado, se o Espírito que lhe apareceu não passa
de um ser fantástico, sem realidade? Que a imaginação superexcitada faça
reviver na memória coisas esquecidas, concebe-se; mas teria ela o poder de
dar-nos ideias novas, de ensinar-nos coisas que não sabemos, que nunca
soubemos, de que nunca nos ocupamos? Seria um fato de alta gravidade e que
mereceria ser examinado, porque seria a prova de que o Espírito age, percebe e
concebe independentemente da matéria.
(1) Copla [do lat. copula, 'união', pelo esp. copla]
significa: pequena composição poética, geralmente em quadras, para ser cantada.
Respostas às questões preliminares
A. Caso tenha várias aptidões mediúnicas, qual delas o
médium deve cultivar?
É raro circunscrever-se a faculdade de
um médium a um único gênero; por causa disso, o mesmo médium pode ter muitas
aptidões. Uma há, porém, que ele domina, e é esta que ele deve cultivar, se lhe
for útil. (O Espiritismo perante a
Ciência, Quinta Parte, Cap. II – Os médiuns escreventes.)
B. Como uma pessoa pode saber se é ou não médium?
Segundo os Espíritos, quando o
princípio, o gérmen de uma faculdade existe, ela se manifesta sempre por sinais
inequívocos. Infelizmente, não é raro ver que os médiuns nem sempre se
contentam com os dons que recebem, e desejam, por amor-próprio ou ambição,
possuir faculdades excepcionais que os tornem notórios. (Obra citada, Quinta
Parte, Cap. II – Os médiuns escreventes.)
C. Que médium desenhou uma habitação supostamente situada
em Júpiter?
Foi Victorien Sardou quem publicou em
1858 uma estampa desenhada e gravada por ele representando uma habitação em
Júpiter. O desenho foi acompanhado de uma longa nota em que o médium explica a
maneira pela qual, assistido por Bernard de Palissy e Mozart, pôde reproduzir,
pelo traço, as habitações de Júpiter. (Obra citada, Quinta Parte, Cap. II – Os
médiuns escreventes.)
Observação:
Para acessar a parte 34 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/11/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel.html
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