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sábado, 14 de outubro de 2023

 



O homem que se veste com sacos de lixo

 

JORGE LEITE DE OLIVEIRA

jojorgeleite@gmail.com

 

De tempos para cá, após a fase pior da pandemia da Covid-19, temos visto um rapaz, próximo ao comércio da Asa Norte, em Brasília, que se veste com sacos de lixo marrons e aborda os transeuntes aos quais estende a mão, em geral somente olhando as pessoas nos olhos, para que lhe deem alguns trocados.

Apiedados dele, alguns moradores dão-lhe roupas e calçados, entretanto, no dia seguinte, se deparam com ele vestido da mesma forma que antes. As roupas e os calçados podem ser encontrados jogados em algum contêiner destinado ao lixo.

Disseram-me que ele não aceita que lhe deem roupas. Seu desejo é trajar-se com sacos de lixo, que abre, costura e envolve seu corpo com esse traje. Se lhe oferecem alimento, costuma recusar.

Segundo também ouvi falar, ele é perturbado mental e os trocados que ganha são gastos com drogas. De que tem algum distúrbio da mente, se eu tinha dúvida, agora já não mais a tenho.

Ele também não tem paciência para esperar a ajuda que pede, praticamente sem falar, apenas se aproximando das pessoas com uma das mãos estendida. Em geral, quando me vê, aproxima-se de mim com esse gesto. Há dois dias, quando eu estava entrando na farmácia, avistei-o junto de uma lixeira. Ele veio ao meu encontro e, para não abrir a carteira na rua, pedi-lhe que aguardasse um pouco, pois na saída da farmácia eu lhe daria a espórtula pedida. Demorei-me cerca de 10 minutos, pois havia bastante gente na farmácia e, quando saí, ele havia desaparecido.

Hoje, ao sair do mercado com algumas compras, avistei-o do outro lado da rua, vestido com os sacos de sempre. Escondi-me atrás dum poste para tirar o dinheiro que lhe pretendia dar e, para meu espanto, assim que guardei a carteira ele apareceu ao meu lado, com a mão estendida.

Dei-lhe o dinheiro que tivera tempo de passar da carteira ao bolso, mas talvez por pena, talvez por remorso por não o ter atendido de imediato antes, tentei conversar com ele.

— Por que você se veste assim? Posso dar-lhe uma roupa, eu disse-lhe.

Ele nada respondeu, mas meneou a cabeça negativamente. Então tornei a perguntar-lhe:

— Onde você mora?

Dessa vez, ele falou:

— Moro na rua.

Como eu havia comprado umas latas de cerveja, para oferecer a familiares que foram convidados a almoçar conosco no próximo domingo, perguntei-lhe se não gostaria de tomar uma cerveja. Apenas lembrei que a bebida não estava gelada.

Sua resposta foi mostrar-me entre os dedos o dinheiro recebido e balançar negativamente a cabeça. Afastei-me penalizado, sem saber mais o que fazer.

A única certeza, ou quase isto, que tenho é que, se tudo estiver bem com ele, amanhã ou depois eu o verei debruçado numa lixeira, vestido com os mesmos sacos de lixo. E, tão logo me veja, estenderá a mão para que eu lhe dê uma esmola, mas não aceitará nada para vestir, comer ou beber que eu lhe ofereça.

 

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