O
homem que se veste com sacos de lixo
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De tempos para cá,
após a fase pior da pandemia da Covid-19, temos visto um rapaz, próximo ao
comércio da Asa Norte, em Brasília, que se veste com sacos de lixo marrons e
aborda os transeuntes aos quais estende a mão, em geral somente olhando as
pessoas nos olhos, para que lhe deem alguns trocados.
Apiedados dele,
alguns moradores dão-lhe roupas e calçados, entretanto, no dia seguinte, se
deparam com ele vestido da mesma forma que antes. As roupas e os calçados podem
ser encontrados jogados em algum contêiner destinado ao lixo.
Disseram-me que ele
não aceita que lhe deem roupas. Seu desejo é trajar-se com sacos de lixo, que
abre, costura e envolve seu corpo com esse traje. Se lhe oferecem alimento,
costuma recusar.
Segundo também ouvi
falar, ele é perturbado mental e os trocados que ganha são gastos com drogas. De
que tem algum distúrbio da mente, se eu tinha dúvida, agora já não mais a
tenho.
Ele também não tem
paciência para esperar a ajuda que pede, praticamente sem falar, apenas se
aproximando das pessoas com uma das mãos estendida. Em geral, quando me vê,
aproxima-se de mim com esse gesto. Há dois dias, quando eu estava entrando na
farmácia, avistei-o junto de uma lixeira. Ele veio ao meu encontro e, para não
abrir a carteira na rua, pedi-lhe que aguardasse um pouco, pois na saída da
farmácia eu lhe daria a espórtula pedida. Demorei-me cerca de 10 minutos, pois
havia bastante gente na farmácia e, quando saí, ele havia desaparecido.
Hoje, ao sair do
mercado com algumas compras, avistei-o do outro lado da rua, vestido com os
sacos de sempre. Escondi-me atrás dum poste para tirar o dinheiro que lhe pretendia
dar e, para meu espanto, assim que guardei a carteira ele apareceu ao meu lado,
com a mão estendida.
Dei-lhe o dinheiro
que tivera tempo de passar da carteira ao bolso, mas talvez por pena, talvez
por remorso por não o ter atendido de imediato antes, tentei conversar com ele.
— Por que você se
veste assim? Posso dar-lhe uma roupa, eu disse-lhe.
Ele nada respondeu,
mas meneou a cabeça negativamente. Então tornei a perguntar-lhe:
— Onde você mora?
Dessa vez, ele falou:
— Moro na rua.
Como eu havia
comprado umas latas de cerveja, para oferecer a familiares que foram convidados
a almoçar conosco no próximo domingo, perguntei-lhe se não gostaria de tomar
uma cerveja. Apenas lembrei que a bebida não estava gelada.
Sua resposta foi mostrar-me
entre os dedos o dinheiro recebido e balançar negativamente a cabeça.
Afastei-me penalizado, sem saber mais o que fazer.
A única certeza, ou
quase isto, que tenho é que, se tudo estiver bem com ele, amanhã ou depois eu o
verei debruçado numa lixeira, vestido com os mesmos sacos de lixo. E, tão logo
me veja, estenderá a mão para que eu lhe dê uma esmola, mas não aceitará nada
para vestir, comer ou beber que eu lhe ofereça.
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