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quinta-feira, 30 de novembro de 2023

 



CINCO-MARIAS

 

É preciso educar crianças sem preconceitos

 

EUGÊNIA PICKINA

eugeniapickina@gmail.com


Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar. 
Nelson Mandela

 

O preconceito é construído socialmente, não nasce com a criança. A cada troca e interação, no convívio cotidiano, a criança absorve valores, normas, crenças, e compreende o mundo. Com isso, ela está totalmente disponível para aprender coisas importantes e valiosas. De outra parte, a criança está suscetível também a incorporar condutas sociais norteadas por preconceitos como o racismo, o machismo etc., e que passam, infelizmente, de geração para geração.

Todos nós, que somos pais/educadores, temos a oportunidade de ressignificar crenças e comportamentos, predispondo-nos a educar uma criança sem preconceitos. E como fazê-lo?

No dia a dia, em razão do convívio diário com a criança, o diálogo é muito importante. Muitas vezes a criança diz, por exemplo, que tem, na escola, um colega que ela rotula de ‘chato’ ou ‘diferente’. Aproveitar essa rica oportunidade para reforçar seu direito a escolher amigos de acordo com a afinidade, contudo ela deve sempre respeitar a todos. Reforçar que o respeito vem antes de quaisquer preferências é fundamental à educação de qualquer ser humano e futuro cidadão.

Levar o filho para conhecer lugares frequentados por pessoas diversas também ajuda o processo educativo da criança. Em feiras, museus, bibliotecas, parques, pracinha etc., ressaltar a diversidade presente no mundo, oferecendo à criança a chance de notar diferenças e, portanto, ir pouco a pouco compreendendo que é a diversidade que embasa natureza e sociedade.

Há pais que têm receio de apresentar o mundo para a criança. Obviamente, respeitando a idade da criança, desde cedo ela precisa aprender que os seres humanos são iguais, a independer, por exemplo, de raça, credo, etnia... Nosso mundo é permeado por distintas formas de expressão e é importante já na infância termos contato com os contrastes para desenvolvermos empatia, solidariedade, respeito, compreensão.

Por fim, ter coerência entre o que falamos para a criança e como agimos é primordial para o próprio processo da educação infantil. As crianças aprendem principalmente reproduzindo nossas atitudes. Então o primeiro passo para que o filho respeite o próximo é o pai ou a mãe reforçar atitudes respeitosas no cotidiano. É ser um exemplo positivo. De modo atento, determinado, sobretudo se o adulto responsável pela criança deriva de uma educação preconceituosa, procurar observar-se, evitando comentários irônicos e desrespeitosos sobre as pessoas. Na vida adulta, a autoeducação é ferramenta importante e contínua. Corrigir-se com insistência, pois sempre é tempo de aprender a deixar para trás os preconceitos. Tornar-se uma pessoa melhor sempre é alternativa inteligente e, em consequência, ser um adulto mais preparado para guiar um ser humano no começo da vida.

 

Notinhas

 

A palavra preconceito une o prefixo “pré”, que significa anterior, ao vocábulo “conceito”, que remete a significado ou juízo. Preconceito é um substantivo abstrato que designa o ato de julgar, isto é, de emitir-se um juízo ou uma sentença sobre algo antes de conhecer-se o que se é julgado. Julgar alguém pela cor de sua pele, por seu gênero, sexualidade, classe social, origem geográfica, aparência física, religião, deficiências etc. é uma forma de preconceito prejudicial para a sociedade.

O preconceito está em todo o mundo. Dependendo do lugar, certos tipos de preconceito podem ser mais intensos que outros. No caso do Brasil, por exemplo, os principais tipos de atitudes preconceituosas estão relacionados ao racismo (preconceito contra negros), machismo, misoginia, sexismo (preconceito contra mulheres), homofobia, xenofobia...

 

*

 

Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).

Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), ministra cursos e palestras sobre educação ambiental em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.

Seu contato no Instagram é @eugeniapickina

 

 

 

 

 

 

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quarta-feira, 29 de novembro de 2023

 



Revista Espírita de 1864

 

Allan Kardec

 

Parte 15

 

Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1864, periódico editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo é baseado na tradução feita por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.

A coleção do ano de 1864 pertence a uma série iniciada em janeiro de 1858 por Allan Kardec, que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando desencarnou.

Cada parte do estudo, que é apresentado às quartas-feiras, compõe-se de:

a) questões preliminares;

b) texto para leitura.

As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

 

Questões preliminares

 

A. No tratamento da obsessão, a ação fluídica é fundamental?

B. Que oração foi recomendada por Kardec como a mais indicada para as preces da manhã e da noite?

C. Que fator facilita as tentações que sofremos dos maus Espíritos?

 

Texto para leitura

 

174. O número de agosto começa noticiando a volta dos fenômenos de Morzine, objeto das edições de dezembro de 1862, janeiro, fevereiro, março e maio de 1863. Segundo a Revista, a epidemia demoníaca - denominação usada pelos jornais leigos -, que teve começo em 1857, reapareceu com nova intensidade. (PP. 225 a 228)

175. Tudo indica - diz Kardec - que os fenômenos de Morzine fossem causados pelos Espíritos e é por isso que os meios espirituais empregados pela Igreja resultaram ineficazes. Com efeito, atribuindo-os aos demônios, ela não buscava a sua melhora, mas apenas o afastamento deles através de signos, fórmulas e aparelhos de exorcismo, do que eles se riam, visto que é um fato comprovado pela experiência que tais recursos nenhum poder exercem sobre os Espíritos, ao passo que se têm visto os mais endurecidos e perversos ceder a uma pressão moral e voltar aos bons sentimentos. (PP. 229 e 230)

176. O Espiritismo, ao contrário, propõe que em tais casos o tratamento consista em uma tríplice ação: a ação fluídica, que liberta o perispírito do doente da pressão do Espírito malévolo; o ascendente exercido sobre este último pela autoridade que sobre ele dá a superioridade moral, e, por fim, a influência moralizadora dos conselhos que se lhe dão.  (P. 230)

177. A primeira - esclarece Kardec - é simples acessório das duas outras, porque, se momentaneamente chega a afastar o Espírito, nada o impede de voltar à carga. É a fazê-lo renunciar voluntariamente a seus maus propósitos que a gente se deve aplicar, moralizando-o. (P. 230)

178. Nos casos individuais isolados, os que se dedicam ao alívio dos aflitos geralmente são ajudados pela família e pela vizinhança, muitas vezes pelos próprios doentes, sobre cujo moral devem atuar por meio de palavras boas e encorajadoras, que os devem excitar à prece. Mas semelhantes curas não se obtêm instantaneamente. (P. 231)

179. Escrevendo sobre a prece, Kardec lembra que, segundo São Paulo, uma condição essencial da prece é ser inteligível. Observando que o mais perfeito modelo de concisão, no caso da prece, é a Oração dominical, o Codificador a recomenda como sendo a mais indicada para as preces da manhã e da noite, desde que dita com inteligência, de coração, e não com os lábios. (P. 234)

180. Uma vez por semana, por exemplo, no domingo, pode-se consagrar à prece um tempo mais longo, a isto acrescentando a leitura de algumas passagens do Evangelho e a de algumas boas instruções, ditadas pelos Espíritos. (P. 234)

181. Kardec esclarece que, conforme as circunstâncias e o tempo disponível, pode-se dizer a Oração dominical simples ou a desenvolvida, intercalada por comentários, conforme sugestão contida na Revista. (N.R.: A Oração dominical desenvolvida foi reproduzida na íntegra no cap. 28, item 3, d’O Evangelho segundo o Espiritismo.)  (PP. 234 a 240)

182. Num dos trechos da Oração desenvolvida, esta assinala que a justiça de Deus não falta a ninguém e que a prosperidade material do perverso é efêmera como a sua existência corpórea e terá terríveis retornos, ao passo que será eterna a alegria reservada àquele que sofre com resignação. (P. 238)

183. Na mesma prece, Kardec reconhece que cada uma de nossas infrações às leis de Deus é uma ofensa ao Pai e uma dívida contraída que, mais cedo ou mais tarde, teremos que resgatar. (P. 238)

184. Relativamente às tentações que sofremos dos maus Espíritos, Kardec diz na prece que cada imperfeição é uma porta aberta à influência deles e que tudo que poderíamos fazer para os afastar será inútil, se não lhes opusermos uma vontade inquebrantável no bem e uma renúncia absoluta ao mal. É, pois, contra nós mesmos que devemos dirigir nossos esforços e, então, os maus Espíritos afastar-se-ão naturalmente, porque é o mal que os atrai, enquanto o bem os repele. (P. 239)

185. Examinando a questão da destruição dos aborígines do México, proposta por um confrade de Bordeaux, a Sociedade Espírita de Paris acusou no dia 8-7-1864 importante orientação assinada pelo Espírito de Erasto. (P. 241)

 

Respostas às questões propostas

 

A. No tratamento da obsessão, a ação fluídica é fundamental?

Ela integra o que Kardec chama de uma tríplice ação: 1.) a ação fluídica, que liberta o perispírito do doente da pressão do Espírito malévolo. 2.) o ascendente exercido sobre este último pela autoridade que sobre ele dá a superioridade moral. 3.) a influência moralizadora dos conselhos que se lhe dão. A ação fluídica – afirma Kardec – é, no entanto, simples acessório das duas outras, porque, se chega momentaneamente a afastar o Espírito, nada o impede de voltar à carga. É a fazê-lo renunciar voluntariamente a seus maus propósitos que a gente se deve aplicar, moralizando-o. (Revista Espírita de 1864, pág. 230.)

B. Que oração foi recomendada por Kardec como a mais indicada para as preces da manhã e da noite?

O Codificador do Espiritismo recomendou a Oração dominical como sendo a mais indicada para todos os dias, de manhã e de noite, desde que dita com inteligência, de coração, e não apenas com os lábios. Na sequência, ele sugeriu que uma vez por semana, por exemplo, no domingo, devia-se consagrar à prece um tempo mais longo, a isto acrescentando a leitura de algumas passagens do Evangelho e a de algumas boas instruções, ditadas pelos Espíritos, com o que nascia, no meio espírita, o chamado culto do Evangelho no lar. (Obra citada, pp. 234 a 236.)

C. Que fator facilita as tentações que sofremos dos maus Espíritos?

Esse fator é a imperfeição, que constitui uma porta aberta à influência deles. Kardec diz que tudo que poderíamos fazer para os afastar será inútil, se não lhes opusermos uma vontade inquebrantável no bem e uma renúncia absoluta ao mal. É, pois, contra nós mesmos que devemos dirigir nossos esforços e, então, os maus Espíritos afastar-se-ão naturalmente, porque é o mal que os atrai, enquanto o bem os repele. (Obra citada, pág. 239.)

 

 

Observação:

Para acessar a Parte 14 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2023/11/revista-espirita-de-1864-allan-kardec_0346146402.html

 

 

 

 

 

 

 

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terça-feira, 28 de novembro de 2023

 



Coração: muito além do plano físico

 

CÍNTHIA CORTEGOSO

cinthiacortegoso@gmail.com

 

O coração é por si a parte mais simbólica do nosso corpo físico. Ele é muito além, é a base de tudo, é o primeiro órgão a se formar no embrião quando está no útero da mãe que também tem um coração a amparar outra vida. Se ele é tão considerável fisicamente, quanto mais visto pelos olhos transcendentais, pois é no coração onde se encontra a Centelha Divina que está em nós e é também onde ativamos a energia plena do amor incondicional. Por isso quando há referência de algo que tocou o coração significa que o sentimento sensibilizou o espírito.

Relacionamentos, quando unidos pelo coração, são fortes e verdadeiros, pois nessa forma não há imposição, mas escolha por amor e afinidade. O coração é sublime em toda a sua força; é a conexão entre o efêmero e o permanente; não julga, interessa-lhe que todas as partes sejam mais livres e felizes; o coração mostra o melhor caminho já que a intuição é a sua linguagem e diante disso é necessário ouvi-lo com amor e agradecimento. Seguir o coração significa descobrir a sua essência divina e é por isso que a intuição é mais sentida do que a maneira pensada. Quando aquietamos o coração, iniciamos a meditação e podemos recordar um pouco que somos seres transcendentais, e a nossa mente começa a sintonizar-se com o coração. No plano terreno há muitas distrações.

Todos os nossos órgãos são relacionados a algum diretório específico e insubstituível do nosso corpo, e é o coração, amorosamente, que procura harmonizar todo o nosso universo; ele, por si, compreende a sua responsabilidade, ama, doa, ampara e fortalece; o coração é o porta-voz do espírito. A sua energia é tão poderosa que promove realizações, até há pouco, duvidáveis.

E quando alguém diz que ama de todo coração é por que sente profunda e verdadeiramente. Tudo o que passa pelo coração ganha notoriedade, ou melhor, chega ao espírito.

De repente, temos uma intuição e não sabemos se devemos seguir. Salvo os sentimentos ainda inferiores, todos os outros felizes são a conexão do coração com o Sagrado. É do coração que se emanam luzes benditas voltadas ao Céu, portanto quando houver uma intuição deve-se apenas acolhê-la e tudo o mais vos será acrescentado. E de acordo com a conduta, assim também, estará o coração.

À medida que conhecemos um pouco mais sobre o nosso ser, surpreendemo-nos com a Grandeza Divina. Tudo é perfeito, bom e completamente extraordinário. E o coração possui uma linda missão.

Fisicamente, o coração é um órgão incomparável; energeticamente, possui as mais lindas conexões; espiritualmente, é a ligação com o Plano Divino. Ou seja, é a luz que nos guia na escuridão, é a energia que alimenta o nosso corpo, é a união com a nossa verdade.

Cada vez que o coração pulsa, ele nos impulsiona para a eternidade e para a condição de vida feliz.

O coração é luz.

E quando decidimos crescer é o coração que devemos ouvir, ele é a sabedoria amorosa.

 

Visite o blog Conto, crônica, poesia… minha literatura: http://contoecronica.wordpress.com/

 

 

 



 

 

 

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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

 


 

Mãos enferrujadas

 

Irmão X

 

Quando Joaquim Sucupira abandonou o corpo, depois dos sessenta anos, deixou-nos a impressão de que subiria incontinenti aos Céus.

Vivera arredado do mundo, no conforto precioso que herdara dos pais. Falava pouco, andava menos, agia nunca. Era visto invariavelmente em trajes impecáveis. A gravata ostentava sempre uma pérola de alto preço, pequena orquídea assinalava a lapela, e o lenço, admiravelmente dobrado, caía irrepreensível, do bolso mirim. O rosto denunciava-lhe o apurado culto às maneiras distintas. Buscava no barbeiro cuidadoso, cada manhã, renovada expressão juvenil. Os cabelos bem postos, embora escassos, cobriam-lhe o crânio com o esmero possível.

Dizia-se cristão e, realmente, se vivia isolado, não fazia mal sequer a uma formiga. Assegurava, porém, o pavor que o possuía, ante os religiosos de todos os matizes. Detestava os padres católicos, criticava as organizações protestantes e categorizava os espíritas no rol dos loucos. Aceitava Jesus a seu modo, não segundo o próprio Jesus. As facilidades econômicas transitórias adiavam-lhe as lições benfeitoras do concurso fraterno, no campo da vida.

E cada vez mais se convencia de que as melhores diretrizes eram as dele mesmo. Afastamento individual para evitar complicações e desgostos. Admitia, sem rebuços, que assim efetuaria preparação adequada para a existência depois do sepulcro.

Em vista disso, a desencarnação de homem tão cauteloso em preservar-se passaria por viagem sem escalas com o destino à Corte Celeste.

Dava aos familiares dinheiro suficiente para aventuras e fantasias, a fim de não ser incomodado por eles; distribuía esmolas vultosas, para que os problemas de caridade não lhe visitassem o lar; afastava-se do mundo para não pecar.

Não seria Joaquim Sucupira, perguntavam amigos íntimos, o tipo religioso perfeito?

Distante de todas as complicações da experiência humana, pela força da fortuna sólida que herdara dos parentes, seria impossível que não conquistasse o paraíso. Contudo, a responsabilidade que o defrontava agora não correspondia à expectativa geral. Joaquim Sucupira, desencarnado, ingressava numa esfera de ação, dentro da qual parecia não ser percebido pelos grandes servidores celestiais. Via-os em movimentação brilhante, nos campos e nas cidades. Segredavam ordens divinas aos ouvidos de todas as pessoas em serviço digno. Chegara a ver um anjo singularmente abraçado a uma velha cozinheira analfabeta.

Em se aproximando, todavia, dos Mensageiros do Céu, não era por eles atendido. Conseguia andar, ver, ouvir, pensar. No entanto, desventurado Joaquim!!! As mãos e os braços mantinham-se inertes, semelhavam-se a antenas de mármore, irremediavelmente ligadas ao corpo espiritual. Se intentava matar a sede ou a fome, obrigava-se a cair de bruços porque não dispunha de mãos amigas que o ajudassem.

Muito tempo suportara semelhante infortúnio, multiplicando apelos e lágrimas, quando foi conduzido por entidade caridosa a pequeno tribunal de socorro, que funcionava de tempos em tempos, nas regiões inferiores onde vivia compungido.

O benfeitor que desempenhava ali funções de juiz, reunida a assembleia de Espíritos penitentes, declarou não contar com muito tempo, em face das obrigações que o prendiam nos círculos mais altos e que viera até ali somente para liquidar casos mais dolorosos e urgentes.

Devotados companheiros do bem selecionaram a meia dúzia de sofredores que poderiam ser ouvidos, dentre os quais, por último, figurou Joaquim Sucupira, a exibir os braços petrificados.

Chorou, rogou, lamuriou-se. Quando pareceu disposto a fazer o relatório geral e circunstanciado da existência finda, o julgador obtemperou:

- Não, meu amigo, não trate de sua biografia. O tempo é curto. Vamos ao que interessa.      

Examinou-o detidamente e observou, passados alguns instantes:

- Joaquim, você era casado?       

- Sim.       

- Zelava a residência?       

- Minha mulher cuidava de tudo.       

- Foi pai?       

- Sim.       

- Cuidava dos filhos em pequeninos?       

- Tínhamos suficiente número de criadas e amas.       

- E quando jovens?       

- Eram naturalmente entregues aos professores.       

- Exerceu alguma profissão útil?       

- Não tinha necessidade de trabalhar para ganhar o pão.   

- Nunca sofreu dor de cabeça pelos amigos?

- Sempre fugi, receoso das amizades. Não queria prejudicar, nem ser prejudicado.

O julgador interrompeu-se, refletiu longamente e prosseguiu:

- Você adotou alguma religião?

- Sim, eu era cristão - esclareceu Joaquim Sucupira.

- Ajudava os católicos?

- Não. Detestava os sacerdotes.

- Cooperava com as Igrejas reformadas?

- De modo algum. São excessivamente intolerantes.

- Acompanhava os espíritas?

- Não. Temia-lhes a presença.

- Amparou os doentes em nome do Cristo?

- A Terra tem numerosos enfermeiros.

- Auxiliou criancinhas abandonadas?

- Há creches por toda parte.

- Escreveu alguma página consoladora?

- Para quê? O mundo está cheio de livros e escritores.

- Utilizava o martelo ou o pincel?

- Absolutamente.

- Socorreu animais desprotegidos?

- Não.

- Agradava-lhe cultivar a terra?

- Nunca.

- Plantou árvores benfeitoras?

- Também não.

- Dedicou-se ao serviço de condução das águas, protegendo paisagens empobrecidas?

Joaquim Sucupira fez um gesto de desdém e informou:

- Jamais pensei nisto.

O instrutor indagou-lhe sobre todas as atividades dignas conhecidas no Planeta.

Ao fim do interrogatório, opinou sem delongas:

- Seu caso explica-se: - Você tem as mãos enferrujadas.

Ante a careta de Joaquim Sucupira amargurado, esclareceu:

- É o talento não usado, meu amigo. Seu remédio é regressar à lição. Repita o curso terrestre.

Joaquim Sucupira, confundido, desejava mais amplas elucidações.

O juiz, porém, sem tempo de ouvi-lo, entregou-o aos cuidados de outro companheiro.

Rogério, carioca desencarnado, recebeu-o de semblante amável e feliz, após escutar-lhe as compridas lamentações, convidou, pacientemente:

- Vamos, Joaquim Sucupira. Você entrará na fila em breves dias.

- Fila? - interrogou Joaquim Sucupira, boquiaberto.

- Sim - acrescentou o alegre ajudante -, na fila da reencarnação.

E, puxando Joaquim Sucupira pelos ombros, disse-lhe:

- O que você precisa, Joaquim Sucupira, é de movimento...

 

Do livro Luz Acima, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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