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domingo, 17 de dezembro de 2023

 



Como o Espiritismo vê Jesus e a moral cristã

 

ASTOLFO O. DE OLIVEIRA FILHO

aoofilho@gmail.com

 

As religiões orientais de um modo geral admitem que Jesus foi um grande profeta. Os judeus julgavam, à sua época, fosse ele a ressurreição de João Batista, Elias, Jeremias, ou algum dos profetas, conforme registrou Mateus no capítulo 16 de suas anotações.

Ramatis, por meio do médium Hercílio Maes, classifica-o, numa de suas obras, como o médium do Cristo, fazendo distinção entre uma e outra pessoa. Waldo Vieira não o inclui entre os vultos mais eminentes da humanidade.

Jesus e a santíssima Trindade – A Igreja católica, apostólica, romana, desde o Concílio de Niceia, em 325, considera Jesus um dos integrantes da Santíssima Trindade, conferindo-lhe assim status de Deus. A sentença do Concílio de Nicéia diz o seguinte: "A Igreja de Deus, católica e apostólica, anatematiza os que dizem que houve um tempo em que o Filho não existia, ou que não existia antes de haver sido gerado".

Colhida numa lenda hindu, a ideia da Trindade foi inserida na teologia católica a partir do século IV. Diz-nos Léon Denis ("Cristianismo e Espiritismo", pág. 73) que essa concepção trinitária, tão obscura, tão incompreensível, oferecia grande vantagem às pretensões da Igreja. Permitia-lhe fazer de Jesus Cristo um deus, conferindo ao poderoso Espírito, a que ela chama seu fundador, um prestígio, uma autoridade, cujo esplendor sobre ela recaía e assegurava seu poder.

As discussões e perturbações que suscitou essa questão agitaram os espíritos durante três séculos e só vieram a cessar com a proscrição dos bispos arianos, ordenada pelo imperador Constantino, e o banimento do papa Líbero, que não quis sancionar a decisão do Concílio. É que a divindade de Jesus fora anteriormente rejeitada por três concílios, o mais importante dos quais foi realizado em Antioquia, no ano de 269.

O que Jesus dizia de si mesmo – A Declaração de Niceia está, como sabemos,  em contradição formal com as opiniões dos apóstolos e com as próprias palavras de Jesus. Enquanto todos acreditavam no Filho criado pelo Pai, os bispos proclamavam o Filho igual ao Pai, "eterno como ele, gerado e não criado", ao contrário do que o próprio Jesus dizia de si mesmo.

Eis alguns exemplos:

"Se me amásseis, certamente havíeis de folgar que eu vá para o Pai, porque o Pai é maior do que eu" (João, 14:28);

"A mim, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, por que dizeis vós "Tu blasfemas", por eu ter dito que sou Filho de Deus?" (João, 10:36);

"Por esse motivo, os Judeus perseguiam a Jesus e queriam matá-lo, isto é, porque fizera tais coisas em dia de sábado. - Mas Jesus lhes disse: Meu Pai trabalha até ao presente e eu também trabalho" (João, 5:16);

"Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma. Não busco a minha vontade, mas a vontade d' Aquele que me enviou" (João, 5:30);

"Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis, porque foi de Deus que saí e foi de sua parte que vim; pois não vim de mim mesmo, foi Ele que me enviou" (João, 8:42);

"Aquele que me confessar e me reconhecer diante dos homens, eu também o reconhecerei e confessarei diante de meu Pai que está nos céus; - aquele que me renunciar diante dos homens, também eu mesmo o renunciarei diante de meu Pai que está nos céus" (Mateus, 10:32 e 33);

"O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. Pelo que respeita ao dia e à hora, ninguém o sabe, nem os anjos que estão no céu, nem mesmo o Filho, mas somente o Pai" (Marcos, 13:31);

"Jesus então lhes disse: Ainda estou convosco por um pouco de tempo e vou em seguida para aquele que me enviou" (João, 7:33);

"Havendo Jesus dito estas coisas, elevou os olhos ao céu e disse: Meu Pai, a hora é vinda; glorifica a teu Filho, a fim de que teu Filho te glorifique" (João, 17:1);

"Então, soltando grande brado, Jesus disse: Meu Pai, às tuas mãos entrego o meu espírito. E, tendo pronunciado essas palavras, expirou" (Lucas, 23:46);

"(Após a ressurreição) Ele diz a Madalena: Vai a meus irmãos e dize-lhes que eu vou para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus" (João, 20:17). 

Ademais, a Declaração de Niceia contradiz não somente o que Jesus dizia de si mesmo, mas de igual modo o que os apóstolos e os evangelistas disseram sobre o Mestre de Nazaré:

"Ao mesmo tempo, apareceu uma nuvem que os cobriu e dessa nuvem saiu uma voz que fez se ouvissem estas palavras: Este é meu filho bem-amado; escutai-o" (Transfiguração no monte Tabor. Marcos, 9:7);

"Respondendo-lhe, Simão Pedro disse: Tu és o Cristo, filho de Deus vivo. Jesus então lhe disse: Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue quem to revelou, mas sim, meu Pai, que está nos céus" (Mateus, 16: 13 a 17);

"Varões israelitas - falou Pedro -, ouvi minhas palavras. Jesus Nazareno foi um varão, aprovado por Deus entre vós, com virtudes e prodígios e sinais que Deus obrou por ele no meio de vós" (Atos, 2:22);

"Jesus de Nazaré foi um profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo" (Lucas, 24:19);

"Só há um Deus - diz S. Paulo - e um só mediador entre Deus e os homens, que é Jesus-Cristo, homem" (I Epístola a Timóteo, 2:5).

Jesus segundo Roustaing – Vê-se assim que jamais o Cristo ou os apóstolos  atribuíram ao Mestre a condição de divindade. Ele seria, portanto, um homem?

Para os rustenistas, seguidores da obra de J. B. Roustaing, que publicou em 1866 o livro "Os Quatro Evangelhos", Jesus não é Deus nem homem. Ensina a doutrina contida no livro publicado por Roustaing que o Nazareno não possuiu um corpo como o nosso, pois que tinha tão somente um corpo fluídico. Teria sido, portanto, um agênere, um Espírito materializado, o que ajudaria a explicar uma série de fenômenos e seu desaparecimento da face da Terra dos 12 aos 30 anos.

Kardec repeliu, porém, tal ideia, mostrando que a doutrina veiculada por Roustaing transformaria em um engodo, em uma simulação, o nascimento de Jesus, a gravidez de Maria e os sofrimentos do Senhor ante o Calvário.

Diz Kardec em "A Gênese", cap. 15, item 66: "Se tudo nele fosse aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada predição de sua morte, a cena dolorosa do jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para que lhe afastasse dos lábios o cálice das amarguras, sua paixão, sua agonia, tudo, até ao último brado, no momento de entregar o Espírito, não teria passado de vão simulacro...

E o Codificador do Espiritismo, repelindo enfaticamente a ideia de que Jesus foi um agênere, conclui: "Tais as consequências lógicas desse sistema, consequências inadmissíveis, porque o rebaixariam moralmente, em vez de o elevarem. Jesus, pois, teve como todo homem um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência".  

Jesus não é Deus, mas um messias divino – Para J. Herculano Pires, a Bíblia é a codificação da primeira revelação cristã, o Espiritismo, a codificação da terceira revelação, e o Evangelho representa a segunda, "a que brilha no centro da tríade dessas revelações", tendo na figura do Cristo o sol que ilumina as duas outras, uma como que "intervenção direta do Alto para a reorientação do pensamento terreno" (Introdução ao Livro dos Espíritos, LAKE, 3a edição, abril de 1966, págs. 11 e 12).

Léon Denis diz que Jesus "ascendeu à eminência final da evolução" e o conceitua como "governador espiritual deste planeta" ("Cristianismo e Espiritismo", pág. 79), bem antes de Emmanuel descrever-lhe o papel como cocriador e orientador do planeta em que vivemos, em sua obra "A Caminho da Luz", cap. 1, psicografada por Francisco Cândido Xavier e publicada pela FEB em 1939.

Ensina Emmanuel (“A Caminho da Luz”, cap. 1): “Rezam as tradições do mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos, do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas as coletividades planetárias. Essa Comunidade de seres angélicos e perfeitos, da qual é Jesus um dos membros divinos, ao que nos foi dado saber, apenas já se reuniu, nas proximidades da Terra, para a solução de problemas decisivos da organização e da direção do nosso planeta, por duas vezes no curso dos milênios conhecidos. A primeira verificou-se quando o orbe terrestre se desprendia da nebulosa solar, a fim de que se lançassem, no Tempo e no Espaço, as balizas do nosso sistema cosmogônico e os pródromos da vida na matéria em ignição, do planeta, e a segunda, quando se decidiu a vinda do Senhor à face da Terra, trazendo à família humana a lição imortal do seu Evangelho de amor e redenção”.

Allan Kardec, comentando a resposta dada à pergunta 625 d' O Livro dos Espíritos ("Qual o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem, para lhe servir de guia e de modelo? R.: Vede Jesus"), escreveu: "Jesus é para o homem o tipo da perfeição moral a que pode aspirar a humanidade na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a doutrina que ele ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque ele estava animado do espírito divino e foi o ser mais puro que já apareceu sobre a Terra". 

Jesus foi um enviado do Pai à Terra – Em "O Evangelho segundo o Espiritismo" (cap. 1, item 4), Kardec esclarece que o papel de Jesus "não foi simplesmente o de um legislador moralista sem outra autoridade além da palavra". "Ele veio cumprir as profecias que haviam anunciado a sua vinda, e a sua autoridade provinha da natureza excepcional do seu Espírito e da sua missão divina".

O mesmo ensino se lê em "Obras Póstumas", págs. 136 e seguintes: "Jesus era um messias divino pelo duplo motivo de que de Deus é que tinha a sua missão e de que suas perfeições o punham em relação direta com Deus" (...). "Para que Jesus fosse igual a Deus, fora preciso que ele existisse, como Deus, de toda a eternidade, isto é, que fosse incriado" (...). "Digamos que Jesus é filho de Deus, como todas as criaturas, que ele chama a Deus Pai, como nós aprendemos a tratá-lo de nosso Pai. É o filho bem-amado de Deus, porque, tendo alcançado a perfeição, que aproxima de Deus a criatura, possui toda a confiança e toda a afeição de Deus".

Em "A Gênese" (cap. 15:2), o Codificador ensina que, como homem, "Jesus tinha a organização dos seres carnais; porém, como Espírito puro, desprendido da matéria, havia de viver mais da vida espiritual do que da vida corporal, de cujas fraquezas não era passível". No mesmo passo, o Codificador esclarece que, pelos imensos resultados que produziu, "a sua encarnação neste mundo forçosamente há de ter sido uma dessas missões que a Divindade somente a seus mensageiros diretos confia, para cumprimento de seus desígnios".  

Não há nada melhor que a moral de Jesus – A moral evangélica recebeu com a Doutrina Espírita não apenas a sanção, a confirmação, mas a certeza de sua expansão em todo o mundo, para concretização da profecia proferida por Jesus no conhecido sermão profético: "Levantar-se-ão muitos falsos profetas que seduzirão a muitas pessoas; - e porque abundará a iniquidade, a caridade de muitos esfriará; - mas aquele que perseverar até ao fim será salvo. - E este Evangelho do reino será pregado em toda a Terra, para servir de testemunho a todas as nações. É então que o fim chegará" (Mateus, 24:11 a 14).

Com efeito, Kardec escreveu na primeira de suas obras: "A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, ou seja, fazer o bem e não fazer o mal" ("O Livro dos Espíritos", Introdução, item VI). Mais tarde, ele explicaria o porquê dessa assertiva: "A moral que os Espíritos ensinam é a do Cristo, pela razão de que não há outra melhor" ("A Gênese", cap. 1, item 56).

Em seguida, no mesmo trecho, o Codificador esclarece: "O que o ensino dos Espíritos acrescenta à moral do Cristo é o conhecimento dos princípios que regem as relações entre os mortos e os vivos, princípios que completam as noções vagas que se tinham da alma, de seu passado e seu futuro, dando por sanção à doutrina cristã as próprias leis da natureza".

Na verdade, o que ele entrevê, com relação ao vínculo entre o Espiritismo e a doutrina evangélica, é exatamente a confirmação do que Jesus havia predito, na curiosa promessa sobre o Consolador: "Se me amais, guardai os meus mandamentos, e eu pedirei a meu Pai e ele vos enviará outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: - o Espírito de Verdade que o mundo não pode receber, porque não o vê; vós, porém, o conhecereis, porque permanecerá convosco e estará em vós. Mas, o Consolador, que meu Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e fará vos lembreis de tudo o que vos tenho dito" (João, 14:15 a 26 e 16:7 a 14).

De fato, já na obra fundamental da Doutrina, afirmam os Espíritos superiores: "Estamos encarregados de preparar o Reino de Deus anunciado por Jesus, e por isso é necessário que ninguém possa interpretar a lei de Deus ao sabor das suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei que é toda amor e caridade" (L.E., item 627).

 

 

 

 

 

 

 

 

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