No Invisível
Léon Denis
Parte 47
Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial do clássico No Invisível, de Léon Denis, cujo título no original francês é Dans l'Invisible.
Nossa expectativa é que este estudo sirva para o leitor
como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto indicado para leitura.
Este estudo é publicado sempre às sextas-feiras.
Questões preliminares
A. É verdade que os profetas
israelitas eram médiuns inspirados?
B. A música desempenhava papel
importante na iniciação profética?
C. Que faculdades mediúnicas
tinha Moisés?
Texto para
leitura
1205. O profetismo em Israel, durante vinte consecutivos
séculos, é um dos fenômenos transcendentais mais notáveis da História. A
crítica contemporânea nada compreendeu ou fingiu nada compreender em tal
sentido; acreditou simplificar tudo, recorrendo à negação. A exegese católica
desnaturou o fato, imaginando explicar tudo com uma só palavra: o milagre. E,
todavia, outra expressão mais justa encontrou, quando denominou os profetas de
“harpas vivas do Espírito Santo”. Assim, nesse ponto, como em tantos outros, a
Ciência e a Religião, isoladas, não podem ministrar mais que incompletas
noções; só a doutrina espírita, que serve de traço de união entre uma e outra,
as pode reconciliar.
1206. O Espiritismo penetrou o mistério aparente das
coisas; projeta as claridades do Além sobre a teologia, que completa, e sobre o
experimentalismo, que esclarece. A verdade é que os profetas israelitas são
médiuns inspirados; esta é a única denominação que lhes convém, como veremos
adiante, com exemplos colhidos na Bíblia. Eles nos demonstrarão que a História
de Israel é o mais belo poema mediúnico, a epopeia espiritualista por
excelência. É o que um dia indubitavelmente dirá a exegese científica. E graças
a ela se dissiparão as obscuridades dos Livros sagrados. Tudo se explicará,
tudo, ao mesmo tempo, se tornará simples e grande.
1207. A origem do profetismo em Israel é assinalada por
imponente manifestação. Um dia, Moisés escolhe 70 anciães e os coloca ao redor
do tabernáculo. Jeová revela sua presença em uma nuvem; imediatamente as
poderosas faculdades de Moisés se transmitem aos outros e “eles
profetizaram”. O tabernáculo aí
representa um acumulador ou condensador fluídico; é um meio de exteriorização,
como os espelhos de metal brilhante; fixando-se nele o olhar, provocava-se o
transe.
1208. A manifestação de Jeová na nuvem é uma espécie de
materialização. Esta, como vimos, sempre começa por uma aglomeração nebulosa,
vaga a princípio, na qual a aparição se desenha e toma forma pouco a pouco.
Jeová é um dos Eloim, Espíritos protetores do povo judeu e de Moisés em
particular. Sob a influência que no momento exerce, os poderes espirituais de
Moisés se transmitiram aos 70 anciães, como os poderes do Cristo se
transmitiram mais tarde, parcialmente, aos apóstolos, no Cenáculo, e como hoje
em dia vemos, em certos casos, a mediunidade transmitir-se de uma pessoa a
outra por meio de contacto e de passes.
1209. Assim começa o profetismo, ou mediunidade sagrada, em
Israel. Moisés, iniciado nos mistérios de Ísis, graças à sua longa permanência
no Egito, e sobretudo em consequência de suas relações familiais com seu sogro
Jetro, grão-sacerdote de Heliópolis, foi a seu turno o grande iniciador
psíquico de seu povo, antes de se constituir o seu imortal legislador.
1210. Desde então a mediunidade profética se tornou
permanente na raça judaica, posto que intermitente em suas manifestações. Está
visivelmente subordinada a certos estados psicológicos, que não são sempre
constantes nem nos indivíduos nem nos povos. Ao tempo dos Juízes, o profetismo
era “coisa rara”. Com Samuel reaparece, fulgura com um novo esplendor. Nessa
época o estado de alma do povo hebreu se prestava melhor a tal fenômeno. Na
vida das nações há períodos de perturbação intelectual e depressão moral que
obrigam o Espírito a momentaneamente se afastar. A França também tem conhecido
suas horas de obscuridade e de incerteza.
1211. Tendo compreendido que a mediunidade transcendente
está subordinada às disposições morais dos indivíduos e das sociedades, Samuel
instituiu escolas de profetas, isto é, agremiações em que os seus membros se
iniciavam nos mistérios da comunicação fluídica. Essas escolas eram
estabelecidas em certas cidades, de preferência, porém, nos vales solitários ou
nos recôncavos das montanhas.
1212. O estudo, a contemplação do infinito, no silêncio e
beleza das noites, ao cintilar das estrelas, ou ainda à claridade do dia, sob o
límpido céu do Oriente, prepara o discípulo-profeta para receber o influxo do
Alto. A soledade o atrai; à medida que se afasta dos homens e se insula, uma
comunhão mais íntima se estabelece entre ele e o mundo das forças divinas.
Pelos desfiladeiros profundos das montanhas da Judeia, nas desertas cavernas da
cadeia selvagem de Moab, ele sonha, presta ouvido atento às mil vozes dessa
Natureza austera e grave que o rodeia. É que a Natureza inteira, penetrada pela
substância divina, é um médium, isto é, um intermediário entre o homem e os
seres superiores.
1213. Tudo se liga no Universo imenso; uma cadeia magnética
prende entre si todos os seres, os mundos todos. Só a nossa ciência
fragmentária e o excesso dissolvente do espírito crítico foram capazes de
destruir essa magnífica síntese e insular o homem moderno do resto do Universo
e de seus harmoniosos planos.
1214. A música desempenhava também grande papel na
iniciação profética. É sabido que essa
arte imprime o ritmo na emissão fluídica e facilita a ação das entidades
invisíveis. A preparação era laboriosa, difícil o noviciado. Durante os dois
primeiros anos, o aspirante profeta era simplesmente médium passivo; depois,
aprendia a tornar-se ativo e, pela exteriorização, a ler no invisível os
quadros, a norma dos acontecimentos futuros. Esse exercício era longo e sujeito
muitas vezes a enganos.
1215. Influências sucessivas e contrárias se apossavam não
raro dos profetas. Tal é o exemplo de Balaão, que parte para amaldiçoar as
tribos e é obrigado a profetizar a sua glória. Nunca, como nesse episódio
bíblico, foi mais patente a dualidade dos Espíritos inspiradores. Será difícil,
às vezes, distinguir na mediunidade, qualquer que seja a sua natureza, a parte
do médium e a do Espírito. Daí contradições aparentes, uma espécie de luta
psicológica íntima entre o médium e o que o inspira; é o combate simbólico de
Jacob e o anjo; mas o Espírito sempre termina por vencer e sua luz impregna
vitoriosamente a mentalidade e a vontade do sensitivo.
1216. Convém, todavia, não esquecer que o Espírito, quando
é de natureza elevada, jamais violenta o sensitivo de que se apodera, respeita
a sua personalidade, a sua liberdade, procede sempre com delicadeza e só
emprega a persuasão. É por esse motivo que cada profeta, quer seja grande como
Isaías ou humilde como o pastor Amós, conserva, no desempenho de sua missão, a
linguagem habitual e o cunho de sua personalidade. Assim, em nossos dias, dois
médiuns, ao interpretarem a mesma revelação, não se exprimirão nos mesmos
termos nem verão com igual clareza.
1217. A cada página da Bíblia encontramos textos que
afirmam a mediunidade sob todas as suas formas e em todos os seus graus. Sob os
nomes de anjos, deuses etc., os Espíritos protetores dos homens ou das nações
tomam parte em todos os fatos, intervêm em todos os acontecimentos.
1218. Moisés é vidente e auditivo. Ele vê Jeová, o Espírito
protetor de Israel, na sarça do Horeb e no Sinai. Quando se inclina diante do
propiciatório da arca da aliança, escuta vozes (“Núm.”, VII, 89). É médium
escrevente quando, sob o ditado de Eloim, escreve as tábuas da lei; médium
ativo, magnetizador poderoso, quando fulmina com uma descarga fluídica os
hebreus revoltados no deserto; médium inspirado, quando entoa seu maravilhoso
cântico após a derrota do Faraó. Moisés apresenta ainda o gênero especial de
mediunidade – a transfiguração luminosa – observada em certos fenômenos
contemporâneos. Quando ele desce do Sinai, traz na fronte uma auréola de luz.
1219. Samuel, cujo nascimento, como o dos predestinados,
foi precedido de oráculos e de sinais, tornou-se profeta desde a infância.
Dormindo no templo, é muitas vezes despertado por vozes que o chamam, lhe falam
no silêncio da noite e lhe anunciam as coisas futuras (I, “Reis”, III, 1 a 18).
1220. Esdras (livro IV, cap. XIV) reconstitui integralmente
a Bíblia que se tinha perdido, e isso em condições em que ainda se patenteiam
diferentes gêneros de mediunidade. A voz lhe diz:
“Prepara uma grande porção de tabuinha e ajunta-se com
cinco escribas expeditos e hábeis. E eu acenderei em teu coração a lâmpada da
inteligência, que não se apagará até que tenhas acabado de escrever o que
houveres começado. – Minha boca se abriu e não tornou a fechar-se. Ditei sem cessar,
noite e dia. E o Altíssimo deu inteligência aos cinco homens que estavam
comigo, e eles escreveram as revelações da noite, coisa que não compreendiam. E
assim, durante quarenta dias, foram escritos 204 livros.”
1221. Todo o livro de Jó está repleto de iluminações e de
inspirações mediúnicas. Sua própria vida, atormentada de maus Espíritos, é um
assunto de estudos muitíssimo sugestivos.
1222. A Bíblia menciona casos frequentes de obsessão, entre
outros, em Saul, que é muitas vezes subjugado por um Espírito colérico: “Em sua
alma abandonada, um Espírito maligno se introduz”. É um fenômeno de incorporação perfeitamente
caracterizado. Saul foi ao começo um médium “do Senhor”; mas, em consequência
de faltas graves e de uma vida desordenada, perdeu sua faculdade ou, antes, se
tornou instrumento de Espíritos inferiores. Essa perda, ou enfraquecimento dos
poderes mediúnicos é frequente nos que se deixam dominar pelas paixões. A mediunidade
se deprime e desaparece sem causa aparente; mas, ordinariamente, porque se
modificaram as disposições íntimas do médium.
1223. A missão dos profetas, como a dos médiuns
contemporâneos, era acidentada de ciladas. São dignos de ler, no capítulo XI da
Epístola aos Hebreus, as provas, as humilhações, os sofrimentos por que
passavam esses médiuns inspirados. Uma das mais penosas tarefas da vida do
profeta era lutar contra os impostores.
1224. Sempre houve, e haverá sempre, falsos profetas, isto
é, médiuns impulsionados por Espíritos malignos. Seu objetivo, ao que parece, é
contrariar a ação dos verdadeiros profetas, semear a discórdia em seus centros
habituais. Muitos grupos espíritas se têm desorganizado sob a influência dos
Espíritos inferiores. É por isso que a grande habilidade do espiritualista
consiste em acautelar os centros contra a preponderância dessas nefastas
influências, que se comprazem obstinadamente em perturbar a ação dos
missionários de paz e de verdade.
1225. Em resumo, a obra dos profetas hebreus foi
considerável. Suas prédicas monoteístas e moralizadoras prepararam o advento do
Cristianismo e a evolução religiosa da Humanidade. Homens que praticavam a
meditação, o recolhimento e a prece, os grandes médiuns israelitas sabiam e
ensinavam que o comércio com o invisível é um princípio regenerador. Eles
tinham por missão espiritualizar a religião de Moisés, que tendia a
materializar-se, do mesmo modo que o Espiritismo contemporâneo tem também a
missão de espiritualizar a sociedade atual, que cada vez mais se dissolve, e
reconduzir as Igrejas às límpidas tradições do Cristianismo primitivo.
1226. Os profetas hebreus foram os conselheiros dos reis de
Israel, os verberadores dos abusos de poder, os consoladores do povo aflito e
oprimido. Como todos os homens de gênio, haviam percorrido numerosas vidas,
existências de trabalho, de investigação penosa, que neles tinham desenvolvido
a intuição profunda. Sua penetração das coisas e sua maravilhosa perspicácia
eram simplesmente os frutos de encarnações anteriores. Tendo vivido no passado
de Israel, possuíam uma perfeita inteligência da alma de sua nacionalidade.
Assim, João Batista, que era a reencarnação de Elias, preparou eficazmente seus
irmãos para a revelação de Jesus.
1227. O tema habitual do ensino profético era antes de tudo
a adoração “em espírito e verdade”. Os profetas combatiam energicamente o
formalismo farisaico da lei e proclamavam abertamente que a circuncisão do
sentimento vale mais que a da carne. Assim também em nossos dias os Espíritos
condenam as práticas materiais e o acanhado farisaísmo dos falsos devotos, de
todos quantos, a pretexto de religião, substituem os preceitos do Evangelho por
supersticiosas práticas.
1228. A virtude, que os videntes de Israel mais
recomendavam era a justiça. A palavra justo significava então o conjunto das
virtudes: “Dar a Deus o que é de Deus e aos homens o que lhes pertence”. Por
toda parte se constituíam eles os advogados dos pobres, desses deserdados que
então eram chamados os Ebionim. Depois do pecado de idolatria, o desprezo dos
pobres e opressão dos fracos era o mais vivamente profligado. (1)
1229. Isaías, sobretudo, é o eloquente defensor dos pobres.
O Messias por ele anunciado é aquele que julgará os pobres com justiça (Isaías,
XI, 4). É precisamente por esse grande amor aos humildes que certos
racionalistas modernos qualificaram os profetas de demagogos, de apaixonados
inimigos de toda dinastia.
1230. Na realidade, três grandes revelações mediúnicas
dominam a História. Aos profetas de Israel sucedeu o médium divino, Jesus. O
Espiritismo é a última revelação, a difusão espiritual anunciada por Joel (II,
28, 29), “quando o Espírito se derramará como uma aurora sobre o mundo, e os
velhos serão instruídos por sonhos e os mancebos terão visões”.
1231. O próprio Reuss (2) concorda que, segundo esse
oráculo, “a efusão do Espírito será tão ampla que a nação inteira se tornará um
povo de profetas”. Assim, a ação física do Além transformará o mundo futuro
numa humanidade de videntes e auditivos. A mediunidade será o último estado da
raça humana encaminhando-se ao termo de seu destino. (Continua no próximo número.)
(1) Profligado – particípio do verbo profligar: lançar por
terra; abater, prostrar, destruir, derrotar; procurar destruir com argumentos;
atacar ou combater com palavras; reprovar energicamente; verberar.
(2) Trata-se, provavelmente, de Theodor Reuss (1855-1923),
anglo-alemão, fundador da ordem Ordo Templi Orientis.
Respostas às
questões preliminares
A. É verdade que os profetas israelitas eram médiuns
inspirados?
Sim. Essa é a única denominação que lhes convém. O profetismo em Israel,
durante vinte consecutivos séculos, foi um dos fenômenos transcendentais mais
notáveis da História. A crítica contemporânea nada compreendeu ou fingiu nada
compreender em tal sentido; acreditou simplificar tudo, recorrendo à negação. A
exegese católica desnaturou o fato, imaginando explicar tudo com uma só
palavra: o milagre. E, todavia, outra expressão mais justa encontrou, quando
denominou os profetas de “harpas vivas do Espírito Santo”. Inúmeros exemplos colhidos na Bíblia nos
demonstram que a História de Israel é o mais belo poema mediúnico, a epopeia
espiritualista por excelência. É o que um dia indubitavelmente dirá a exegese
científica. E graças a ela se dissiparão as obscuridades dos Livros sagrados. (No
Invisível, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)
B. A música desempenhava papel importante na iniciação
profética?
Certamente. É sabido que a música imprime o ritmo na emissão fluídica e
facilita a ação das entidades invisíveis, visto que a preparação era laboriosa
e difícil o noviciado. Durante os dois primeiros anos, o aspirante profeta era
simplesmente médium passivo; depois, aprendia a tornar-se ativo e, pela
exteriorização, a ler no invisível os quadros, a norma dos acontecimentos
futuros. (Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)
C. Que faculdades mediúnicas tinha Moisés?
Várias faculdades. Moisés era vidente e auditivo. Ele viu Jeová, o
Espírito protetor de Israel, na sarça do Horeb e no Sinai. Quando se inclinava
diante do propiciatório da arca da aliança, escutava vozes. Foi médium
escrevente quando, sob o ditado de Eloim, escreveu as tábuas da lei; médium
ativo, magnetizador poderoso, quando fulminou com uma descarga fluídica os
hebreus revoltados no deserto; médium inspirado, quando entoou seu maravilhoso
cântico após a derrota do Faraó. Moisés apresentava ainda o gênero especial de
mediunidade – a transfiguração luminosa – observada em certos fenômenos
contemporâneos. Quando ele desceu do Sinai, trazia na fronte uma auréola de luz.
(Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)
Observação:
Para acessar a Parte 46 deste estudo, publicada na
semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2023/12/no-invisivel-leon-denis-parte-46-damos.html
Como consultar as matérias deste
blog? Se você não o conhece, clique em Espiritismo Século XXI e verá como utilizá-lo e seus vários recursos. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário