No Invisível
Léon Denis
Parte 49
Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial do clássico No Invisível, de Léon Denis, cujo título no original francês é Dans l'Invisible.
Nossa expectativa é que este estudo sirva para o leitor
como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto indicado para leitura.
Este estudo é publicado sempre às sextas-feiras.
Questões preliminares
A. É verdade que Kant, o célebre
autor da Crítica da razão pura, também atestou as faculdades mediúnicas
de Emmanuel Swedenborg?
B. Balzac foi médium?
C. Os mortos são invisíveis, mas
não são ausentes. Quem disse tais palavras?
Texto para
leitura
1256. Jerônimo Cardan, em “De Rerum Varietate” (VIII, 3),
felicitava-se por ter os “dons” que permitem cair em êxtase à vontade, ver
objetos estranhos com os olhos do espírito e ser informado do futuro.
1257. Schiller declarou que seus mais belos pensamentos não
eram de sua própria criação; ocorriam-lhe tão rapidamente e com tal energia que
ele tinha dificuldade em apreendê-los com suficiente presteza para os
transcrever.
1258. As faculdades mediúnicas de Emmanuel Swedenborg, o
filósofo sueco, são atestadas pela célebre carta de Kant à Srta. De Knobich.
Nessa missiva, o autor da “Crítica da razão pura” refere que a Sra. Harteville,
viúva do embaixador alemão em Estocolmo, obteve por intermédio do Barão de
Swedenborg uma comunicação de seu defunto marido, relativa a um documento
precioso que não fora possível encontrar, apesar de repetidas buscas; estava
guardado numa gaveta secreta, cuja existência foi revelada pelo falecido, e que
só ele conhecia.
1259. O incêndio de Estocolmo, visto e descrito por
Swedenborg a trezentas milhas de distância, é também uma prova da pujança de
suas faculdades. Pode-se, portanto, admitir que as teorias por ele formuladas
acerca da vida invisível não são produto de sua imaginação, mas lhe foram
inspiradas por visões e revelações. Quanto à forma sob a qual ele as descreveu,
não se lhe deve ligar mais que uma importância relativa. Todos os videntes
cedem à necessidade, em que se encontram, de traduzir a percepção que têm do
invisível com o auxílio das formas, das imagens, das expressões impostas por
sua educação e familiares ao meio em que vivem. É assim que, conforme o tempo e
as latitudes, darão aos habitantes do outro mundo os nomes de deuses, anjos,
demônios, gênios ou espíritos.
1260. Vejamos agora os grandes escritores do século XIX.
Chateaubriand e sua irmã Lucília têm igual direito a ser considerados
inspirados:
“A primeira inspiração do poeta, sua primeira musa –
assegura-se – foi sua irmã Lucília. Não há a mínima dúvida de terem os anos
passados ao pé dessa criatura sonhadora e mística deixado um sulco no coração
do moço, comovido, como o recorda ele (Memórias de Além-Túmulo), pelos súbitos
desalentos dessa natureza consternada e extática. Essa criatura misteriosa,
meio sonâmbula, quase dotada da dupla vista, como uma habitante das ilhas
Hébridas, atravessou a infância de Chateaubriand como a figura da dor.
Transmitiu sua poética enfermidade moral a esse irmão já tão mortificado; é
assim que ela entra por metade em todas as concepções do poeta. Nesse coro de
brancas visões... por toda parte a encontraremos. Suas estranhas predições não
lhe teriam feito entrever o tipo de uma Veleda?”
1261. Balzac, em “Ursule Mirouet”, “Séraphita”, “Louis
Lambert”, “La Peau de Chagrin” etc., tocou em todos os problemas da vida
invisível, do ocultismo e do magnetismo. Todas essas questões lhe eram
familiares. Tratava-as com a competência do verdadeiro mestre, numa época em
que ainda eram pouquíssimo conhecidas. Era não somente um profundo observador,
mas também um vidente na mais elevada acepção do termo.
1262. Edgard Quinet teve as mesmas intuições geniais, se
acreditarmos no Sr. Ledrain, crítico literário extremamente céptico, que assim
se exprimia num artigo do “L'Éclair”, por ocasião do seu centenário, em 1903:
“Ao mesmo tempo em que o mundo visível o extasiava, tinha
ele os olhos fixos no mundo invisível. Foi um fervoroso espiritualista, como
todos os de sua geração, como Lamartine, Victor Hugo, Michelet. Acreditava na
‘cidade imortal das almas’, na pátria de onde se não pode ser banido por homem
algum. O sopro de não-sei-quê país supraterrestre em certos momentos o envolve
e transporta como suspenso em asas, aos espaços infinitos. Lede seu discurso ao
pé do túmulo de sua mãe, de seu genro Georges Mourouzi; que inflexões do Alto!
É um nabi (profeta), a elevar-se acima de todos os sacerdócios e a falar em
nome do Eterno, como investido de uma missão direta.”
1263. Lamartine, em “Jocelin” e na “Chute d'un Ange”, e
Jean Reynaud, em “Terre et Ciel”, podem também ser considerados inspirados.
Lamartine escrevia a Arlès Dufour, para se defender de uma censura de Infantin:
“Eu tenho meu objetivo; não o suspeita ele; ninguém sabe
qual seja, exceto eu. Elevo-me em sua direção, na medida que o comporta o tempo
e não mais depressa. Esse objetivo é impessoal e puramente divino. Mas tarde
será desvendado. Enquanto espero, como quer ele que eu fale a homens de carne e
osso a pura linguagem dos Espíritos?”
1264. Michelet, em certas ocasiões, parece estar sob o
império de algum poder desconhecido. Escutai-o falando de sua “Histoire de la
Révolution”:
“Nunca, desde a minha Donzela de Orléans, havia eu sentido
semelhante lampejo do Alto, uma tão luminosa projeção do Céu... Inolvidáveis
dias; quem sou eu para os haver descrito? Ainda não sei, nem saberei jamais,
como os pude reproduzir. A inacreditável felicidade de encontrar de novo isso
tão vivo, tão intenso, depois de sessenta anos, tinha-me intumescido o peito de
uma alegria heroica.”
1265. Inspirado, pregoeiro do invisível, não é menos Victor
Hugo: “Deus se manifesta através do pensamento do homem – disse ele –; o poeta
é sacerdote”. Ele acreditava na comunhão com os mortos. São conhecidas suas
sessões de Espiritismo em Jersey, com a Sra. De Girardin e Augusto Vacquerie,
descritas por este em suas “Miettes de l'Histoire”, como são conhecidos os
versos por ele dirigidos ao Espírito Molière e os terrivelmente irônicos que a
“Sombra do Sepulcro” lhe ditava com o auxílio dos pés de urna mesinha.
1266. Sem dúvida, a propósito dos homens de gênio, ele
repele esse “erro de todos os tempos, de pretender-se dar ao cérebro humano
auxiliares exteriores”. Semelhante opinião – Antrum adjuvat vatem –
melindra o seu orgulho. Mas a si próprio se contradirá ele em muitos casos.
Leiam-se, por exemplo, estes seus versos:
“Les morts sont des vivants mêlés à nos combats.
Et nous sentons passer leurs flèches invisibles.”
1267. Ao pé do túmulo de Emília Putron, proferia estas
palavras que se tornaram célebres: “Os mortos são os invisíveis, mas não são os
ausentes.” Na poltrona dos antepassados, que se via na sala de jantar de
Hauteville-house, inscrevera estas palavras expressivas: Absentes adsunt.
Não representa isso uma constante evocação dos que ele amara? Em todas as suas
obras se encontram magníficas invocações às “vozes da sombra”, às “vozes do
abismo”, às “vozes do espaço”.
1268. Certamente não pretendemos que Victor Hugo fosse
médium no sentido restrito do vocábulo, como grande número de pessoas, aptas a
obter fenômenos de mínimo valor. Esse pujante espírito não podia ser
restringido ao papel secundário de intérprete dos pensamentos de outrem.
Queremos dizer que o Além projetava sobre ele suas radiações e harmonias, as
quais fecundavam o seu gênio e dilatavam-lhe até ao infinito o horizonte do
pensamento.
1269. Em Henri Heine essa colaboração do invisível se
traduz de modo sensível. Eis o que ele dizia no prefácio de sua tragédia “W.
Radcliff”:
“Escrevi William Radcliff em Berlim, sob tílias, nos derradeiros
dias de 1821, enquanto o Sol com seus enlanguescidos raios iluminava os tetos
cobertos de neve e as árvores despojadas de suas folhas. Escrevia sem
interrupção e sem fazer emendas. E, à medida que escrevia, parecia-me ouvir por
cima da cabeça um como que ruflar de asas. Quando referi esse fato aos meus
amigos, jovens poetas berlinenses, eles se entreolharam de um modo singular e
me declararam unanimemente que, escrevendo, nada de semelhante a isso haviam
jamais observado.”
1270. O que há de mais notável é que essa tragédia é
inteiramente espírita; o desenvolvimento da ação e seu desenlace patenteiam a
recíproca influência do mundo terrestre e do mundo dos Espíritos.
1271. Muitos autores célebres foram médiuns sem o saber.
Outros tiveram disso consciência. Paul Adam, um dos mais fecundos escritores
contemporâneos, francamente o confessou:
“Fui um poderoso médium escrevente. A Força que me
inspirava tinha tal intensidade física, que obrigava o lápis a subir sozinho
pelo declive do papel, que eu inclinava com a mão contrariamente às leis do
peso. Essa Força não somente via no passado, que eu ignorava, como possuía a
presciência do futuro. Suas predições eram de surpreendente realização, visto
como, nada, absolutamente nada, me podia fazer prevê-las.”
1272. Nem todos têm essa franqueza, e preferem deixar crer
em seus méritos pessoais, mas em geral os grandes gênios reconhecem de bom
grado que são dirigidos por Inteligências superiores. Encontra-se em grande
número de escritores contemporâneos essa espécie de obsessão do invisível.
Hoffmann, Bullwer-Lytton, Barbey d'Aurevilly, Guy de Maupassant etc. a
conheceram e exprimiram em algumas de suas obras. Participaram, em graus
diversos, dessa comunhão das almas, de que surge desvendado o imenso mistério
da vida e do espaço.
1273. Como se vê, em todos os domínios da arte e do
pensamento os Céus vivificam a Terra. Os grandes músicos, os príncipes da
harmonia, parece terem estado mais diretamente ainda sob a influência da
mediunidade. Não somente a precocidade de alguns, como, por exemplo, de Mozart,
atesta o princípio das reencarnações, mas também há, na vida dos compositores
célebres, fenômenos absolutamente mediúnicos, que seria demasiado longo referir
aqui. Sua história é de todos conhecida.
1274. Vimos atrás (no cap. XIV) que Mozart e Beethoven
deram testemunho das influências ultraterrenas que lhes inspiravam o gênio.
Outro tanto se poderia dizer de Haydn, Haendel, Gluck etc. Chopin tinha visões
que, às vezes, o aterravam. Suas mais belas composições – sua “Marcha Fúnebre”,
seus “Noturnos” – foram escritos em completa obscuridade. Toda a obra de Wagner
repousa sobre um fundo de espiritualidade. E isso tanto é expresso nas palavras
de “Lohengrin”, do “Tannhauser” e de “Parsifal”, como em toda a própria música.
1275. Os homens ilustres têm sido, em sua maior parte,
médiuns auditivos. Foi ao despertar que, na maioria das vezes, compuseram suas
obras. Dante denominava a manhã “a hora divina”, por ser aquela em que se
exprimem as inspirações da noite. Belíssimas coisas haveria que dizer acerca
das revelações noturnas feitas ao gênio. Os antigos conheciam o mistério dessa
iniciação. Diziam eles: “O dia é dos homens; a noite pertence aos deuses.”
1276. Durante o sono as almas superiores remontam às
esferas sublimes; mergulham nas irradiações do pensamento divino, em um oceano
de sonoridade, de harmoniosas vibrações; aí descobrem os princípios e as causas
da sinfonia eterna. Francisco de Assis e Nicolau de Tolentino sentiram-se
imersos no êxtase, por terem escutado um eco longínquo, algumas notas esparsas
dos concertos celestes, isto é, da orquestra infinita das esferas.
1277. O “Requiem” de Mozart não tem outra origem. Algumas
horas apenas antes de seu desprendimento corporal, o mestre, com a mão já
invadida pelo gelo da morte, traçou esse hino fúnebre, que foi a derradeira
manifestação do seu gênio. Convinha que o ilustre médium, que durante toda a
vida percebera as vozes melodiosas do Espaço, expirasse numa última harmonia e
que sua alma se exalasse num lamento sobre-humano, de inefáveis inflexões, de
que só são capazes os grandes inspirados, ao assomarem o limiar dos mundos
gloriosos.
1278. Rafael Sanzio dizia que suas mais belas obras lhe
haviam sido inspiradas e apresentadas numa espécie de visão. Dannecker,
escultor alemão, afirmava que a ideia do seu Cristo, uma obra-prima, lhe tinha
sido comunicada por inspiração, num sonho, depois de a ter inutilmente
procurado em suas horas de estudo.
1279. Alberto Dürer velava, uma noite, e meditava. Queria
pintar os quatro evangelistas e, tendo retocado esboços, que não exprimiam a
seu gosto o ideal que imaginava, atirou os pincéis, abriu a janela e pôs-se a
contemplar as estrelas. A inspiração lhe veio nesse momento de tristeza;
invocou os seus modelos espirituais. A Lua projetava sua claridade nos
monumentos e nas agulhas das catedrais de Nuremberg. E disse ele: “Permitistes
a homens transformar aí lascas de pedra em construções harmônicas, de
majestosas linhas. Consenti-me transportar para a tela esses santos enviados
que trago na alma.”
1280. Ele viu então a igreja de São Sebald avermelhar-se em
fogo, e nuvens azuis formarem um fundo em que se desenhavam as imponentes
figuras dos quatro evangelistas, e exclamou: “Eis aí os rostos que tenho
inutilmente procurado fixar!” Não é esse um caso de mediunidade, e não vemos
atualmente o mesmo fato reproduzir-se com Helena Smith, a médium de Genebra?
1281. Muito havia que escrever sobre a intervenção das
inspirações superiores no domínio da arte. Não haveria também a influência do
Alto nesse poder da oratória que subleva e arrebata as multidões, como o vento
subleva as ondas do oceano? Ela parece manifestar-se principalmente nos
oradores de arrojados surtos que, em certos momentos, são como que suspensos da
Terra e transportados em possantes asas, ou ainda nesses improvisadores, de
frases sugestivas e sonora linguagem, cuja palavra flui em acelerados jorros, e
que Cícero denominava “a torrente do discurso”. (Continua
no próximo número.)
Respostas às
questões preliminares
A. É verdade que Kant, o célebre autor da Crítica da razão
pura, também atestou as faculdades mediúnicas de Emmanuel Swedenborg?
Sim. Numa carta enviada à Srta. De Knobich, Kant disse que a Sra.
Harteville, viúva do embaixador alemão em Estocolmo, obteve por intermédio de
Swedenborg uma comunicação de seu defunto marido, relativa a um documento
precioso que não fora possível encontrar, apesar de repetidas buscas. O
documento estava guardado numa gaveta secreta, cuja existência foi revelada à
mulher pelo falecido, e que só ele conhecia. (No Invisível, 3ª Parte.
XXVI - A mediunidade gloriosa.)
B. Balzac foi médium?
Sim. Em “Ursule Mirouet”, “Séraphita”, “Louis Lambert”, “La Peau de
Chagrin”, Balzac tocou em todos os problemas da vida invisível, do ocultismo e
do magnetismo. Todas essas questões lhe eram familiares e ele as tratava com a
competência de verdadeiro mestre, numa época em que ainda eram pouquíssimo
conhecidas. Era ele não somente um profundo observador, mas também um vidente
na mais elevada acepção do termo. (Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade
gloriosa.)
C. Os mortos são invisíveis, mas
não são ausentes. Quem disse tais palavras?
Foi o poeta e escritor francês
Victor Hugo, que, como se sabe, acreditava na comunhão com os mortos. São
conhecidas suas sessões de Espiritismo em Jersey, com a Sra. De Girardin e
Augusto Vacquerie, descritas por este em suas “Miettes de l'Histoire”, como são
conhecidos os versos por ele dirigidos ao Espírito Molière e os terrivelmente
irônicos que a “Sombra do Sepulcro” lhe ditava com o auxílio dos pés de urna
mesinha. Foi ao pé do túmulo de Emília Putron que ele proferiu estas palavras
que se tornaram célebres: “Os mortos são os invisíveis,
mas não são os ausentes.” (Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade
gloriosa.)
Observação:
Para acessar a Parte 48 deste estudo, publicada na
semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2023/12/no-invisivel-leon-denis-parte-48-damos.html
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