No Invisível
Léon Denis
Parte 48
Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial do clássico No Invisível, de Léon Denis, cujo título no original francês é Dans l'Invisible.
Nossa expectativa é que este estudo sirva para o leitor
como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto indicado para leitura.
Este estudo é publicado sempre às sextas-feiras.
Questões preliminares
A. O Alcorão é uma obra
mediúnica?
B. A admiração de Léon Denis por
Joana d´Arc é conhecida. Que é que ele diz nesta obra a respeito da grande
missionária?
C. Podemos associar a inspiração
de natureza espiritual às obras dos grandes mestres da arte e da literatura?
Texto para
leitura
1232. Acompanhemos o curso das idades e veremos a
mediunidade expandir-se nos mais diversos meios, uniforme em seu princípio,
variada ao infinito em suas manifestações. A história dos profetas de Israel se
encerrou com a aparição do filho de Maria. Vimos noutro lugar que a vida do
Cristo está cheia de manifestações que fazem dele o mediador por excelência.
Ele conversava no Tabor com Moisés e Elias, e legiões de almas o assistem. Seu
pensamento abrange dois universos; sua palavra tem a doçura dos mundos
angélicos; seu olhar lê no recesso dos corações, e com um simples contacto ele
faz cessar o sofrimento.
1233. Essas maravilhosas faculdades são por ele
transmitidas parcialmente a seus apóstolos. E lhes diz: “Não cuideis como ou o
que haveis de falar; porque naquela hora vos será inspirado o que haveis de
dizer. Porque não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é o que
fala em vós.” (Mateus, X, 19, 20.)
1234. Decorrem os séculos; muda-se a cena. Além, no
Oriente, surge outra imponente figura. No silêncio do deserto, esse grande
silêncio dos espaços que comunica à alma uma serenidade e um equilíbrio quase
nada conhecidos por habitantes das cidades, Maomé, o fundador do Islã, redige o
“Alcorão”, sob o ditado de um Espírito, que adota, para se fazer escutar, o
nome e a aparência do anjo Gabriel. Ele
mesmo o afirma no livro sagrado dos árabes:
“Vosso compatriota, ó Koraichitas, não está transviado, nem
foi iludido. O Alcorão é uma revelação que lhe foi feita. Foi o Terrível quem o
instruiu. E ele revelou ao servo de Deus o que tinha a revelar-lhe. O coração
de Maomé não mente; ele o viu.”
“O Alcorão – diz ele – permanece como o mais belo monumento
da língua em que foi escrito, e nada vejo que o iguale, na história religiosa
da Humanidade. É o que explica a influência enorme que esse livro tem exercido
sobre os árabes, que estão convencidos de que Maomé, cuja instrução era
rudimentar, não podia escrever esse livro, e que ele lhe foi ditado por um anjo.”
1235. Singular coincidência: sua missão começa como a de
Joana d'Arc; se lhe revela mediante vozes e visões. Como Joana, também ele por
muito tempo se esquivara; mas o poder misterioso o arrasta contra sua vontade e
o humilde condutor de camelos torna-se fundador de uma religião que se estende
sobre uma vasta região do mundo; ele cria integralmente um grande povo e um
grande império.
1236. Acerca de suas faculdades mediúnicas assim se exprime
E. Bonnemère:
“Maomé caía de vez em quando num estado que metia medo aos
que em torno se achavam. Nesses momentos em que sua personalidade lhe fugia e
ele se sentia subjugado por uma vontade mais poderosa que a sua, subtraía-se às
vistas estranhas. Os olhos, desmesuradamente abertos, se tornavam fixos e sem
expressão; imóvel, Maomé parecia invadido por um desfalecimento que nada
lograva dissipar. Em seguida, pouco a pouco, a inspiração fluía, e ele
escrevia, com vertiginosa rapidez, o que vozes misteriosas lhe ditavam.”
1237. Na Idade Média, mencionemos duas grandes figuras
históricas: Cristóvão Colombo, o descobridor de um novo mundo, impelido por uma
obsessão divina, e Joana d'Arc, que obedece às suas vozes. Em sua aventurosa
missão, Colombo era guiado por um gênio invisível. Tratavam-no de visionário.
Nas horas das maiores dificuldades, ele escutava uma voz desconhecida
murmurar-lhe ao ouvido: “Deus quer que teu nome ressoe gloriosamente através do
mundo; ser-te-ão dadas as chaves de todos esses portos desconhecidos do oceano
que se conservam atualmente fechados por formidáveis cadeias.”
1238. A vida de Joana d'Arc está na memória de todos.
Sabe-se que em todos os lugares seres invisíveis inspiravam e dirigiam a
heroica virgem de Domrémy. Todos os êxitos de sua gloriosa epopeia são
previamente anunciados. Surgem aparições diante dela; vozes celestes ciciam-lhe
ao ouvido. Nela, a inspiração flui como o borbotar de uma torrente impetuosa.
Em meio dos combates, nos conselhos, como diante de seus juízes, por toda
parte, essa criança de 18 anos comanda ou responde com segurança, consciente do
sublime papel que desempenha, jamais variando na fé nem nas palavras,
inquebrantável mesmo diante das súplicas, mesmo em face da morte – iluminada e
como transfigurada pelo clarão de um outro mundo.
1239. Ouçamo-la:
“Eu amo a Igreja e sou boa cristã. Mas, quanto às obras que
tenho feito e à minha vinda, devo confiar-me ao rei do Céu que me enviou. Eu
vim da parte de Deus e dos santos e santas do paraíso, da Igreja vitoriosa lá
de cima e por sua determinação; a essa Igreja submeto todos os meus atos e tudo
o que tenho feito ou por fazer.”
1240. A vida de Joana d'Arc, como médium e missionária,
seria sem igual na História se não tivesse havido antes dela o mártir do
Calvário. Pode-se pelo menos dizer que nada se viu de mais augusto desde os
primeiros tempos do Cristianismo.
1241. A esses nomes gloriosos temos o direito de
acrescentar os dos grandes poetas. Depois da música, é a poesia um dos focos
mais puros da inspiração; provoca o êxtase intelectual, que permite entrar em
comunicação com as esferas superiores. O poeta, mais que os outros homens,
sente, ama e sofre. Nele cantam as vozes todas da Natureza. O ritmo da vida
invisível regula a cadência de seus versos. Todos os grandes poetas heroicos
principiam seus cantos por uma invocação aos deuses ou à musa; e os Espíritos
inspiradores atendem à deprecação. Murmuram ao ouvido do poeta mil coisas
sublimes, mil coisas que só ele entende, entre os filhos dos homens. Homero tem
cantos que vêm de mais alto que a Terra.
1242. Platão dizia (“Diálogos do Íon e do Menon”): “O poeta
e o profeta, para receberem a inspiração, devem entrar num estado superior em
que seu horizonte intelectual se dilata e ilumina por uma luz mais alta.” –
“Não são os videntes, os profetas ou os poetas que falam; é Deus que por eles
fala.”
1243. Segundo Pitágoras (Diog. Laerte, VIII, 32), “a
inspiração é uma sugestão dos Espíritos que nos revelam o futuro e as coisas
ocultas”. Virgílio foi por muito tempo considerado um profeta, em virtude de
sua “Écloga messiânica de Polion”. Dante é um médium incomparável. Sua “Divina
Comédia” é uma peregrinação através dos mundos invisíveis. Ozanam, o principal
autor católico que já analisou essa obra genial, reconhece que o seu plano é
calcado nas grandes linhas da iniciação nos mistérios antigos, cujo princípio,
como é sabido, era a comunhão com o oculto. É pelos olhos da sua Beatriz,
morta, que Alighieri vê “o esplendor da viva luz eterna”, que iluminou toda a
sua vida. Em meio daquela sombria Idade Média, sua vida e sua obra resplandecem
como os cimos alpestres quando se coloram dos últimos clarões do dia e já o
resto da terra está mergulhado na sombra.
1244. Tasso compõe aos 18 anos seu poema cavalheiresco
“Renaud”, sob a inspiração de Ariosto, e mais tarde, em 1575, sua obra capital,
a “Jerusalém Libertada”, vasta epopeia, que afirma haver-lhe sido igualmente
inspirada. Shakespeare, Milton e Shelley foram também inspirados. Falando do
grande dramaturgo, disse Victor Hugo: “Forbes, no curioso fascículo compulsado
por Warburton e perdido por Garrick, afirma que Shakespeare se entregava à
magia e que em suas peças o que havia de bom lhe era ditado por um Espírito.”
1245. Todas as obras geniais são povoadas de fantasmas e de
aparições: “Ali, ali – diz Ésquilo, falando dos mortos – vós não os vedes, mas
vejo seres.” O mesmo acontece a Shakespeare. Suas obras principais – “Hamlet”,
“Macbeth”, etc. – contêm cenas célebres em que se movem aparições. Os espectros
do pai de Hamlet e de Banquo, presos ao mundo material pelo jugo do passado, se
tornam visíveis e impelem os vivos ao crime.
1246. Milton fazia suas filhas tocarem harpa antes de
compor seus cantos do “Paraíso Perdido”, porque, dizia ele, a harmonia atrai os
gênios inspiradores.
1247. Eis o que disse de Shelley seu historiador, Medwin:
“Ele sonhava desperto, numa espécie de abstração letárgica
que lhe era habitual; e depois de cada acesso os olhos lhe cintilavam, os
lábios se agitavam em crispações e sua voz tremia de emoção. Ele entrava numa
espécie de sonambulismo, durante o qual sua linguagem era antes de um Espírito,
ou de um anjo, que de um homem.”
1248. Goethe se abeberou amplamente nas fontes do
invisível. Suas relações com Lavater e a Sra. De Klettenborg o haviam iniciado
nas ciências profundas, de que cada uma de suas obras traz o cunho. O “Fausto”
é uma obra mediúnica e simbólica de primeira ordem. Outro tanto se pode dizer
de Klopstock e de sua “Messíada”, poema em que se sente perpassar o sopro do
Além.
1249. Disse Goethe:
“Eu corria às vezes à minha escrivaninha sem me preocupar
em endireitar uma folha de papel que estivesse de través, e escrevia minha peça
em versos, de começo ao fim, naquela posição, sem mexer-me. Para isso, tomava
de preferência um lápis que melhor se prestava à grafia, porque algumas vezes
me havia acontecido ser despertado de meu sonambulismo poético pelo ranger da
pena ou os salpicos de tinta, e distrair-me, e sufocar no nascedouro minha
pequena produção.”
1250. W. Blake afirma ter escrito suas poesias sob a
direção do Espírito Milton e reconhecer que todas as suas obras foram
inspiradas. Mais próximo de nós, Alfred de Musset tinha visões, via aparições e
ouvia vozes. Uma noite, sob as janelas do Louvre, escutou ele estas palavras:
“Assassinaram-me na rua de Chabanais.” Correu para lá, e deparou-se-lhe um
cadáver... “Onde, pois, me conduz essa mão invisível que não quer que eu me
detenha?” dizia ele.
1251. Ora sublime e puro como os anjos, ora pervertido como
um demônio, Musset vivia submetido às mais diversas influências, e ele próprio
o assinalava. Duas testemunhas de sua vida íntima, George Sand e a Sra. Colet,
descreveram com fidelidade esse aspecto misterioso da existência do “filho do
século”:
“Sim – dizia ele a Teresa – eu experimento o fenômeno que
os taumaturgos denominam ‘possessão’. Dois Espíritos se têm apoderado de mim.
Há muitos anos que tenho visões e ouço vozes. Como o poderia eu pôr em dúvida,
quando todos os meus sentidos mo afirmam? Quantas vezes, ao cair da noite,
tenho visto e ouvido o jovem príncipe que me foi caro e um outro amigo meu,
ferido num duelo, em minha presença! Parece-me, no momento em que essa comunhão
se opera, que meu espírito se me desprende do corpo, para responder à voz dos
Espíritos que me falam.”
1252. A Sra. Colet conhecia, feita pelo poeta, a narrativa
de três aparições femininas – criaturas amadas e já mortas – de que ela faz uma
comovedora descrição. Acrescenta-lhe diversos casos de exteriorização
semelhantes aos de nossos médiuns contemporâneos. G. Sand e a Sra. Colet
afirmam que o poeta caía em transe com a maior facilidade. Ele próprio fala de
sopros frios, cuja sensação experimentara, e de súbito desprendimento, o que
lhe seria difícil imaginar. Desses fatos resulta que A. de Musset devia a
influências ocultas uma parte, pelo menos, do ascendente que exercia sobre os
seus contemporâneos. Ele foi ao mesmo tempo um poeta de elevada inspiração e,
propriamente falando, um vidente e um auditivo.
1253. Em todos os tempos essas comunicações sutis dos
Espíritos aos mortais têm vindo fecundar a arte e a literatura. Certamente, não
consideramos literatos esses alinhadores de frases, que nunca sentiram os
inspiradores do Além. Os escritores sobre os quais baixam os eflúvios
superiores são raros. É preciso haver predisposições anteriores, um lento
trabalho de assimilação, para que a força ignota possa atuar na alma do
pensador. Naqueles que, porém, reúnem essas condições, a inspiração se
precipita como um jorro. O pensamento brota, original ou vigoroso, e a
influência por ele exercida é soberana.
1254. A forma da inspiração varia conforme as naturezas. Em
alguns, o cérebro é como um espelho que reflete as coisas ocultas e projeta as
suas irradiações sobre a Humanidade. Outros escutam a grande voz misteriosa, o
murmúrio das palavras que explicam o passado, esclarecem o presente e anunciam
o futuro. Sob mil formas o invisível penetra os sensitivos e se impõe:
1255. “Em Goethe – diz Flammarion – em certos momentos de
paixão, essa comunicação dos Espíritos se revela com luminosa clareza. Em
outros, como Bacon, a convicção se formou lentamente com esses mínimos indícios
que o estudo cotidiano do homem faz sobressair.” Na obra de Rogério Bacon, “o
doutor admirável”, “Opus Majus”, todas as grandes invenções do nosso tempo
estão profetizadas e descritas. (Continua
no próximo número.)
Respostas às
questões preliminares
A. O Alcorão é uma obra mediúnica?
Sim. Maomé, o fundador do Islã, redigiu o Alcorão sob o ditado de um
Espírito, que adotou, para se fazer escutar, o nome e a aparência do anjo
Gabriel. Ele mesmo o afirma no livro
sagrado dos árabes: “Vosso compatriota, ó Koraichitas, não está transviado, nem
foi iludido. O Alcorão é uma revelação que lhe foi feita. Foi o Terrível quem o
instruiu. E ele revelou ao servo de Deus o que tinha a revelar-lhe. O coração
de Maomé não mente; ele o viu.” Acerca
das faculdades mediúnicas de Maomé, assim se exprime E. Bonnemère: “Maomé caía
de vez em quando num estado que metia medo aos que em torno se achavam. Nesses
momentos em que sua personalidade lhe fugia e ele se sentia subjugado por uma
vontade mais poderosa que a sua, subtraía-se às vistas estranhas. Os olhos,
desmesuradamente abertos, se tornavam fixos e sem expressão; imóvel, Maomé
parecia invadido por um desfalecimento que nada lograva dissipar. Em seguida,
pouco a pouco, a inspiração fluía, e ele escrevia, com vertiginosa rapidez, o
que vozes misteriosas lhe ditavam.” (No Invisível, 3ª Parte. XXVI - A
mediunidade gloriosa.)
B. A admiração de Léon Denis por Joana d´Arc é conhecida.
Que é que ele diz nesta obra a respeito da grande missionária?
Segundo Léon Denis, a vida de Joana d'Arc, como médium e missionária,
seria sem igual na História se não tivesse havido antes dela o mártir do
Calvário. De fato, nada se viu de mais augusto desde os primeiros tempos do
Cristianismo. Em todos os lugares seres invisíveis inspiravam e dirigiam a
heroica virgem de Domrémy. Todos os êxitos de sua gloriosa epopeia são
previamente anunciados. Surgem aparições diante dela; vozes celestes ciciam-lhe
ao ouvido. Nela, a inspiração flui como o borbotar de uma torrente impetuosa.
Em meio dos combates, nos conselhos, como diante de seus juízes, por toda
parte, ela comanda ou responde com segurança, consciente do sublime papel que
desempenha, jamais variando na fé nem nas palavras, inquebrantável mesmo diante
das súplicas, mesmo em face da morte – iluminada e como transfigurada pelo clarão
de um outro mundo. (Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)
C. Podemos associar a inspiração de natureza espiritual às
obras dos grandes mestres da arte e da literatura?
Sim. Em todos os tempos essas comunicações sutis dos Espíritos aos
mortais têm vindo fecundar a arte e a literatura. É preciso, porém, haver
predisposições anteriores, um lento trabalho de assimilação, para que a força
ignota possa atuar na alma do pensador. Naqueles que reúnem essas condições, a
inspiração se precipita como um jorro. O pensamento brota, original ou
vigoroso, e a influência por ele exercida é soberana. Depois da música, é a
poesia um dos focos mais puros da inspiração; provoca o êxtase intelectual, que
permite entrar em comunicação com as esferas superiores. O poeta, mais que os
outros homens, sente, ama e sofre. Nele cantam as vozes todas da Natureza. O
ritmo da vida invisível regula a cadência de seus versos. Todos os grandes
poetas heroicos principiam seus cantos por uma invocação aos deuses ou à musa;
e os Espíritos inspiradores atendem à deprecação. Murmuram ao ouvido do poeta
mil coisas sublimes, mil coisas que só ele entende, entre os filhos dos homens.
(Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)
Observação:
Para acessar a Parte 47 deste estudo, publicada na
semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2023/12/no-invisivel-leon-denis-parte-47-damos.html
Como consultar as matérias deste
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