Comunicações mediúnicas entre vivos
Ernesto Bozzano
Parte 8
Damos prosseguimento ao estudo do clássico Comunicações mediúnicas entre vivos, de autoria de Ernesto Bozzano, traduzido
para o idioma português por J. Herculano Pires e publicado pela Edicel.
Esperamos que este estudo sirva para o leitor como uma
forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto indicado para leitura.
Este estudo será publicado sempre às sextas-feiras.
Questões preliminares
A. Como explicar o caso narrado pelo professor Achille
Uffreducci, no qual o comunicante se encontrava lúcido e perfeitamente acordado
no momento em que a comunicação foi transmitida?
B. Além de não se enquadrar no padrão considerado normal
nesse tipo de comunicação, que outra circunstância estranha foi apontada pelo professor
no episódio acima mencionado?
C. Pode a comunicação a que nos referimos, embora verídica,
ter sido dada por um Espírito mistificador?
Texto para leitura
Caso 8
106. Este caso foi extraído da revista Luce e Ombra
(1910, pág. 85). O Dr. A. U. Anastadi (pseudônimo do Dr. Achille Uffreducci,
professor na Universidade de Roma) narra nele a seguinte experiência pessoal:
O Dr. Antônio Palica era diretor do Hospital São João. As
relações entre nós dois foram sempre ótimas, porém giravam mais em torno de
nossa profissão comum do que nos sentimentos profundos de uma estreita amizade.
Nunca, entre nós, saíra palavra alguma sobre mediunidade nem fenômenos
semelhantes e nunca eu soube de sua opinião a respeito.
Cinco dias antes de acontecer o fato que vou narrar, eu
tinha ido ao Hospital São João para ver uma doente, e naquela ocasião saudara,
com grande prazer, o velho colega Palica.
Agora, um olhar para o outro lado. Entre o Dr. M.,
cirurgião num hospital de Roma, e eu não havia relações de qualquer natureza.
Éramos simples conhecidos e nos limitávamos a saudações com movimento da cabeça
em ocasionais encontros de rua. Ambos receitávamos na mesma Farmácia Scolba
(Praça S. Carlo al Corso), porém quase nunca nos encontrávamos lá.
Conservemos em mente estas notas preliminares para delas
nos servirmos em tempo oportuno, e vamos ao fato em questão.
Certa noite de inverno, fria e chuvosa, voltei para casa um
tanto indisposto devido ao mau tempo. Tirei as roupas molhadas e, vendo que o
fogo ainda estava aceso, para espantar o frio coloquei sobre os ombros uma
manta já gasta que vi em cima de uma cadeira, manta da qual já se havia tirado
o pano para renovar, enquanto a pele, de ótima qualidade, estava muito bem
conservada.
Depois do jantar, eu e minha esposa colocamos as mãos sobre
uma mesinha, como costumávamos fazer de vez em quando. Não eram raros os
fenômenos, e recebíamos mensagens curiosas e algumas vezes importantes,
conquanto nenhum de nós tivesse consciência de possuir dons mediúnicos. Naquela
noite recebemos a seguinte comunicação tiptológica, que transcrevo com o máximo
escrúpulo, palavra por palavra:
– Lamento que tenhas posto esta manta indecente (disse a
entidade).
– Pouco me importa (respondi). Não te incomodes com isto. Queira
dizer-me antes quem és, e o que desejas de mim.
– Sou Antônio Palica.
– Antônio Palica, o médico?
– Sim, precisamente ele, em carne e osso.
Dirigindo-me à minha mulher, digo:
– Pobre Palica. Sinto que tenha falecido. Era um bom médico
e pessoa distinta.
– Sim, pobre homem – disse minha esposa –, embora o
conhecesse pouco, mas já devia ser bem idoso.
– Mas, o que estás dizendo aí? Vê que não estou morto!
– Como? Não estás morto?
– Não, pelo contrário, nunca estive tão bem e tão forte
como agora.
– Está bem – disse eu irado –, bravos! Amanhã de manhã eu
voltarei ao hospital São João para ver aquela doente e te apertarei a mão.
Adeus!
– No Hospital São João não me encontrarás – respondeu
rápido.
– Então não me enganei ao supor que morreste, por estares
aqui presente, comunicando-te pela mesinha.
– Não. Estás enganado. Estou tão morto como tu, vivo,
supervivo, mas no São João não me encontrarás.
– Por quê? A que horas sairás então?
– Não sairei, mas não me encontrarás lá.
– Não te encontrarei, como dizes, está bem, mas se não
saíres, estarás sempre no Hospital.
– Não, não estarei. Não estarei lá.
– Então sairás esta noite.
– Não, não e não. Não terei saído anteontem, nem ontem, nem
hoje, nem esta noite, nem amanhã, nem...
– Nem por toda a eternidade. – disse eu enfadado – Está
bem, vai-te embora. Fica entendido que, se não saíres, estarás mesmo no
Hospital São João.
– Não sairei, mas não estarei lá.
Nesse momento bufei de raiva.
– Ora, vamos – continuou ele –, não estarei lá, não me
encontrarás e não irás lá, mas amanhã o Dr. M. revelar-te-á o mistério.
A esta afirmativa, que me parecia o cúmulo da insensatez,
perdi completamente a paciência e exclamei: Que aborrecimento! Que nos vem
fazer agora aqui o Dr. M., que só conheço de vista? Queres divertir-nos com a
tua brincadeira. Boa noite e bom descanso.
Minha esposa e eu, convencidos de estarmos sendo enganados
por algum espírito zombeteiro, que queria divertir-se à nossa custa, nos
levantamos e naquela noite não se tratou mais do caso.
Na manhã seguinte, por circunstâncias imprevistas, não pude
ir ao Hospital São João, como pretendia, e não fui de manhã à Farmácia Scolba,
como costumava, mas somente às 10:30. Estava para sair quando entrou o Dr. M.
Mal pôs este o pé na porta, dirigiu-se ao Sr. Scolba, em tom agitado, e lhe
disse:
– Hoje pior do que ontem, meu caro Orestes. Não aguento
mais. Vou agora mesmo à Diretoria Geral para pedir a minha transferência.
– Que te aconteceu? – perguntou com interesse um colega
presente.
– Aconteceu é que não aguento mais aquele energúmeno que é
o Palica. Parece que tomou conta de mim. Há quatro dias que não me dá um
momento de folga. Todo o tempo que passo no Hospital, anda à roda de mim, e
“Caro Professor – diz-me ele – por favor, mude isto, troque aquilo, escolha
outra hora para aquilo, será melhor que escolha outra sala para...” Em resumo,
palavra de honra, não posso mais!
– O senhor ainda está no Hospital São João? – perguntei ao
Dr. M.
– Não. – respondeu-me ele – Há perto de um ano que estou no
Santo Antônio.
– E o que tem o Palica com o Hospital Santo Antônio, se ele
é diretor do São João?
– O Palica não é mais diretor do São João – respondeu-me o
Dr. M. – Foi transferido para o Santo Antônio e, por falta de sorte minha, há
quatro dias que tomou posse do novo cargo.
Comecei então a pensar na sessãozinha da noite, com o seu
disparatado enredo, isto é:
1º) A aparente comunicação de um vivo.
2º) A apresentação do Dr. Palica com humorismo, quando, ao
contrário, ele é amável, sério e cortês.
3º) A minha ignorância quanto à mudança de residência do
Palica, coisa que nem por sombra eu poderia imaginar. Pelo contrário, eu estava
mais que persuadido de que continuava no São João, onde o havia cumprimentado
cinco dias antes e nada indicava uma transferência que ele mesmo estava longe
de supor.
4º) A indicação da maneira com que me seria esclarecida a
coisa, isto é, por meio de um terceiro que eu conhecia apenas de vista e no
qual não pensava nem muito nem pouco, e que minha esposa não conhecia, nem
mesmo de nome.
5º) A premonição verificada minuciosamente: a) pela
indicação do dia (amanhã); b) as horas (da manhã); c) a pessoa (Dr. M.) e d) a
transferência levada ao meu conhecimento.
Na manhã seguinte não deixei de ir ao Hospital Santo
Antônio, onde encontrei o Palica em grande atividade nas modificações que
reputava indispensáveis no serviço hospitalar. Explicou-me logo, enfaticamente,
o porquê da repentina mudança de residência em que nunca havia pensado.
Arquitetei um discurso para cair justamente onde eu queria, mas não consegui
surpreender nele uma palavra sequer sobre o assunto. Soube apenas que, na noite
da estranha comunicação, o Dr. Palica tinha ido ao teatro, detalhe que não deixei
de verificar.
Não houve nenhuma evocação. Ensina a doutrina espírita que
o espírito de um vivo, em seus momentos de liberdade, pode apresentar-se sem
ser evocado, movido somente pela simpatia, mas em tal caso o corpo
habitualmente dorme ou cochila. Em nosso caso, o Dr. Palica estava no teatro, e
os dois amigos que se encontravam com ele afirmam que, durante todo o tempo,
ele não dormiu nem cochilou. Desnecessário é gastar palavras para provar que o
fenômeno não era de origem subconsciente ou automática.
Por outro lado, o Palica não se achava absolutamente em
estado de inconsciência completa, nem de semiconsciência, mas sim em estado de
perfeita vigília, com a atenção atraída e distraída em coisas em tudo
diferentes do que me dizia respeito; portanto, faltavam completamente todas as
condições exigidas para que se verificassem comunicações mediúnicas de vivos,
isto é, sono fisiológico, hipnótico, magnético, desmaio, coma ou outro estado
mórbido semelhante. Logo, a causa não podia ser encontrada na personalidade de
quem aparecia como presente à mesa da sessão e, contudo, o fenômeno devia ser
de origem extrínseca.
Precisamos, por conseguinte, contentar-nos com o guia de
Allan Kardec, que afirmou (e com razão até o momento) que a única hipótese
explicativa plausível é a de alguma inteligência oculta que se tenha mascarado
(em nosso caso) de Antônio Palica para divertir-se à nossa custa.
Nenhum outro dos argumentos habituais pode decifrar a
confusão. Pondo-se em movimento “cerebrações” de toda sorte, “desdobramentos”,
“psiquismos superiores”, “polígonos”, “elétrons vorticosos” ou “vorticons
electrosos” (troços demais para ser verdade), afastamo-nos completamente do
terreno científico e elevamo-nos, com toda a pressão, às disparatadas regiões
das “Mil e uma Noites Subliminais”.
Assinado: Dr. A. U. Anastadi. (Comunicações mediúnicas
entre vivos - 2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância.
Subgrupo B.)
107. As considerações que o incidente exposto sugere ao Dr.
Anastadi parecem racionais e incontestáveis, desde o caráter leviano e jovial
da personalidade mediúnica que dizia ser o Dr. Palica, mostrando-se em
flagrante contradição com a seriedade do caráter e a correção dos modos deste,
e isto sem contar que, no momento em que se verificou o incidente, o suposto
agente se encontrava no teatro, absorto na representação em curso. (2ª
Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo B)
108. E uma vez reconhecido que a personalidade comunicante
não era o que afirmava ser, então só restam duas hipóteses para explicação dos
fatos. Por uma dessas hipóteses, a que é acolhida pelo relator, tratar-se-ia de
uma “inteligência oculta”, mascarada de Antônio Palica, que se divertia à custa
dos experimentadores. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à
distância. Subgrupo B)
109. Na outra hipótese, tratar-se-ia, ao contrário, de uma
personificação subconsciente e nada mais. A propósito, porém, desta última
hipótese, não se pode deixar de refletir que as personalidades subconscientes,
sejam elas de ordem hipnótica ou sonambúlica, chegam a imitar, mais ou menos
bem, as características que distinguem bem a personalidade representada, mas
estão muito longe de fornecer informações verdadeiras, ignoradas pelo médium e
todos os presentes, e muito menos ainda, de predizer incidentes futuros, como
no caso do episódio em pauta. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e
à distância. Subgrupo B)
110. Segue-se daí que a segunda interpretação dos atos é
muito menos justificável do que a primeira, conquanto também a primeira apresente
aspectos bem misteriosos para cuja elucidação nos estenderíamos em longa
discussão estranha ao nosso tema e que, portanto, omitiremos. (2ª Categoria:
Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo B)
111. Do nosso ponto de vista, o ensino teórico a extrair
cumulativamente do caso exposto e do que o precede, consiste nisso: que um e
outro não podem ser explicados estendendo a hipótese das comunicações entre
vivos também aos casos em que o agente se acha em estado de vigília e sem
pensar no percipiente. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à
distância. Subgrupo B)
112. Ora, refletindo que, numa coleção de 154 casos
recolhidos, os episódios citados são os únicos que aparentemente se levantam a
favor de uma tal extensão da hipótese em exame, daí decorre que se deve
considerar arbitrária e errônea qualquer solução em tal sentido, devido à
perplexidade teórica suscitada pelos casos análogos aos citados. Importante
conclusão que não se deve esquecer. (Comunicações mediúnicas entre vivos
- 2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo B) (Continua
no próximo número.)
Respostas às
questões preliminares
A. Como explicar o caso narrado pelo professor Achille
Uffreducci, no qual o comunicante se encontrava lúcido e perfeitamente acordado
no momento em que a comunicação foi transmitida?
Trata-se do Caso 8, relatado na revista Luce e Ombra
pelo Dr. Achille Uffreducci, professor na Universidade de Roma, o qual foge,
evidentemente, à tese espírita de que o Espírito de um vivo pode apresentar-se
sem ser evocado, mas é necessário que durante o processo ele esteja,
habitualmente, dormindo ou cochilando. No episódio relatado, o comunicante (Dr.
Antônio Palica) estava no teatro e os dois amigos que se encontravam com ele
afirmaram que, durante todo o tempo, ele não dormiu nem cochilou. (Comunicações
mediúnicas entre vivos - 2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à
distância. Subgrupo B)
B. Além de não se enquadrar no padrão considerado normal
nesse tipo de comunicação, que outra circunstância estranha foi apontada pelo professor
no episódio acima mencionado?
Ele estranhou o caráter leviano e jovial da personalidade
mediúnica que dizia ser o Dr. Antônio Palica, mostrando-se, no entanto, em
flagrante contradição com a seriedade do caráter e a correção dos modos do Dr.
Palica, isso sem contar que, no momento em que se verificou a comunicação, o
suposto agente se encontrava no teatro, absorto na representação a que
assistia. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância.
Subgrupo B)
C. Pode a comunicação a que nos referimos, embora verídica,
ter sido dada por um Espírito mistificador?
Sim. Uma vez reconhecido que a personalidade comunicante
não era o que afirmava ser, então só restam duas hipóteses para explicação dos
fatos. Por uma dessas hipóteses, que foi acolhida pelo professor que os
relatou, tratar-se-ia de uma “inteligência oculta”, mascarada de Antônio
Palica, que se divertia à custa dos experimentadores. (2ª Categoria: Mensagens
mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo B)
Observação:
Para acessar a Parte 7 deste estudo, publicada na
semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2024/02/comunicacoes-mediunicas-entre-vivos_0677409806.html
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