Comunicações
mediúnicas entre vivos
Ernesto
Bozzano
Parte
21
Damos
prosseguimento ao estudo do clássico Comunicações mediúnicas entre vivos,
de autoria de Ernesto Bozzano, traduzido para o idioma português por J.
Herculano Pires e publicado pela Edicel.
Esperamos
que este estudo sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados
Clássicos do Espiritismo.
Cada
parte do estudo compõe-se de:
a)
questões preliminares;
b)
texto para leitura.
As
respostas às questões propostas encontram-se no final do texto indicado para
leitura.
Este
estudo será publicado sempre às sextas-feiras.
Questões
preliminares
A.
A quem se deve a primazia de haver narrado o primeiro exemplo de
“correspondência cruzada” obtida espontaneamente?
B.
É certo que a telepatia implica a existência de duas pessoas em ação?
C.
Por que o fenômeno chamado de “correspondência cruzada” não pode ser explicado
simplesmente pela telepatia?
Texto
para leitura
302.
O primeiro exemplo de “correspondência cruzada” obtida espontaneamente, isto é,
sem que ninguém a tivesse desejado ou nela houvesse pensado, é narrado pela
Sra. De W.:
Ao
principiar a sessão, às escuras, de 22 de agosto, a Sra. T. apanha papel e
lápis e logo observa: “Parece-me que algum espírito já se apoderou do lápis,
pois sinto a mão como que morta”, respondendo eu: “Tanto melhor. Então me
abstenho de acender a luz.” Passada meia hora, ilumino a sala e percebo,
traçadas numa folha de papel, algumas linhas escritas, mas ao lê-las, verifico
que se trata de duas frases tão incoerentes que, se não tivesse lido, no fim
delas, um aviso para guardá-las cuidadosamente, eu as teria rasgado, sem mais
exame. No dia seguinte, recebi de Wimereux a seguinte carta, na manhã de um
sábado: “Apenas duas palavras para acompanhar a comunicação da noite de ontem.
Sinto-me muito cansada, porque não dormi a noite inteira. É a primeira vez,
desde que me acho em férias, que me acontece semelhante fato e pergunto a mim
mesma se a causa não seria uma experiência tentada por “Rodolfo”. Observo,
porém, que no começo da sessão, tinha uma forte dor de cabeça que já no fim
desapareceu; todavia, hoje de manhã sinto-me esgotada.” (2ª Categoria: Mensagens
mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
303.
Eis a comunicação de “Rodolfo”, dirigida à Sra. De W.:
“Eis-me
aqui, minha amiga. Esta noite proponho-me a ir e vir de um grupo ao outro, por
meio dos filamentos fluídicos que teci, de maneira que escreverei a minha
mensagem ora com a mão da médium R. e ora com a mão da médium T., subtraindo
fluido da primeira para adicionar à segunda, a fim de chegar a escrever com a
mão desta última.
Estou
muito satisfeito com o bom êxito de nossas experiências e devo participar-vos
que aqui se encontram condições bem favoráveis para tentá-las. A senhorita R.
vive em um ambiente completamente... (Aqui a mão se detém e eu espero muito
tempo. Depois “Rodolfo” recomeça.)
...
próprios deveres quotidianos e dificuldades a vencer. Se assim não fosse, eu
não teria tentado estas experiências. “Carlos” ajuda-me. Seu fluido tão doce e
tão calmo... (Aqui se dá nova interrupção, que também dura muito tempo, e
depois “Rodolfo” recomeça.)
...
que poderiam perturbá-la. Por esta noite basta, senhorita R., e, portanto, me
proponho a restabelecer a corrente. Boa noite aos amigos dos dois grupos.
Rodolfo.” (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância.
Subgrupo F)
304.
As duas frases interrompidas, recebidas no grupo de Paris pela Sra. T., eram
estas:
“...
diferente do seu. Toda preocupação é deixada de parte e ela não é mais afligida
pelo pensamento penoso dos ...
...
isola a nossa preparação fluídica contra as correntes perniciosas, ...” (2ª
Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
305.
Nota-se, portanto, que, intercalando essas duas frases nos pontos em que se
deram as interrupções na mensagem escrita pela senhorita R. em Wimereux,
obtemos a seguinte mensagem completa: “A senhorita R. vive em um ambiente
completamente diferente do seu. Toda preocupação é deixada de parte e ela não é
mais afligida pelo pensamento penoso dos próprios deveres quotidianos e
dificuldades a vencer. Se assim não fosse, eu não teria tentado estas
experiências. “Carlos” ajuda-me. Seu fluido tão doce e tão calmo isola a nossa
preparação fluídica contra as correntes perniciosas, que poderiam perturbá-la.”
(2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
306.
Tais são os fatos. Acrescento que no começo da sessão do dia 22 de agosto a
Sra. T. havia dito à Sra. De W.: “A Srta. R. está-me escrevendo, mas deve estar
sofrendo dor de cabeça, porque leva constantemente a mão esquerda à testa e tem
os cabelos soltos.”, o que lhe foi inteiramente confirmado posteriormente. (2ª
Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
307.
Eis um segundo exemplo deste gênero:
Na
sessão de 16 de setembro, a médium Sra. T. assinala um ir e vir de dois
“núcleos luminosos”, que representam os espíritos, e sente que se preparam para
fazê-la escrever. E, de fato, escreve ela as seguintes frases destituídas de
sentido aparente:
...
prudentes como um convento de jovens educandos ... (longa interrupção).
...
seus grandes olhos tão doces estão habituados a ver passar ... (nova
interrupção).
...
a moderna cortesã, cujos olhos ... (outra interrupção, e nada mais).
Encerramos
a sessão, pouco satisfeitos com seu resultado, porque o significado do que fora
escrito era indecifrável; mas no dia seguinte recebemos de Wimereux algumas
grandes folhas cobertas de escrita mediúnica da Srta. R., escrita à mesma hora
em que a Srta. T. escrevia as frases também interrompidas. Tais folhas
continham uma espécie de apólogo ditado mediunicamente por “Rodolfo”, no qual a
significação dos períodos ficava suspensa em três pontos. (2ª Categoria:
Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
308.
Intercalando as interrupções às três frases incoerentes, obteve-se a seguinte
narração com o título “As cervas do bosque”:
“Atravessando
as densas moitas dos nossos parques, nunca vos encontrastes com as cervas que
ali habitam por entre as densas folhagens, ora prudentes, como um convento de
jovens estudantes bem comportadas, ora tímidas, medrosas, fugindo aos saltos,
em bandos compactos, porém mais graciosas, mais sedutoras do que nunca? Nunca
vos perguntastes em que pensam essas belas criaturas e qual é o destino que as
espera? Longe de mim a ideia de traçar-lhes o horóscopo, do qual não saberiam
elas o que fazer, mas me parece que a sua mentalidade deve ser muito diversa da
que anima as cervas selvagens das matas. Seus grandes olhos tão doces estão
habituados a ver passar estranhos carros que voam sem cavalos e, dentro dos
carros ou pelas veredas dos bosques, estão acostumadas a divisar mulheres de
grandes olhos semelhantes aos seus, mulheres delicadas, lânguidas, elegantes.
Quem nos poderia dizer se a moderna cortesã, cujos olhos parecem
desmesuradamente grandes pela obra genial de um pincel, não seria uma cerva da
mata que já não se recorda do passado?”
“Cara
amiga, tive alguma dificuldade em levar a cabo esta minha experiência porque a
Srta. R. a buscava compreender, porém creio que o consegui. Rodolfo.” (2ª
Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
309.
Da mesma fonte, eis outro exemplo:
No
dia 5 de setembro, antes de se apagarem as luzes, a Sra. T. e eu pegamos juntas
o lápis, como nos havia sido indicado fazer, de modo que a mão esquerda da Sra.
T. se sobrepôs à minha direita, que escreveu a seguinte frase: “Designa, em uma
folha de papel, com uma só palavra, o tema que deseje que eu vá imediatamente
desenvolver com a Srta. R.” em Wimereux.
Tiro
uma folha do caderno que se acha em minha frente, reflito um instante e depois
escrevo a palavra “sonho”.
Nesse
ínterim a Sra. T. havia saído da sala e ficara fora todo o tempo que eu levara
a pensar no tema a escolher. Quando voltou, eu já havia fechado no cofre a
folha de papel em que escrevera a palavra “sonho”, folha que ninguém mais viu
até chegar de Wimereux a carta correspondente.
Reentrando,
nota a Sra. T. que desaparecera um dos “núcleos luminosos”. No dia seguinte,
chega de Wimereux um grande envelope contendo algumas folhas, com a seguinte
comunicação:
“Tenha
paciência, Srta. R. Era preciso que eu arranjasse todas as coisas para a nova
experiência. Espere um pouco. Neste momento estou muito ocupado. Não me faça
perguntas. Quando estiver pronto, partirei.” (2ª Categoria: Mensagens
mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
310.
Depois de algumas garatujas do lápis, a comunicação continua:
“Cara
amiga, não te direi com que sonham as meninas, pois isto não poderia
interessar-te muito, tanto mais que já o disse De Musset em forma um tanto
leviana, como era usual na literatura de seu tempo. Dir-te-ei antes que, por
volta da meia-noite, quando adormeces, o espírito levanta voo para regiões mais
ou menos encantadas, segundo os casos. Um de nós te estende a mão para
ajudar-te a transpor a fronteira fluídica que separa o estado consciente do
estado de sonho e empregamos o nosso melhor esforço a fim de auxiliar-te a
transpor rapidamente a região de nevoeiro que não te poderia proporcionar
prazer. Em outros termos, conduzimos-te a nós, às regiões encantadas, cuja
lembrança se apaga logo de tua memória. Não te deves, porém, queixar da lacuna
que fica, pois que, para recordar os sonhos de tal natureza é necessária uma
têmpera muito mais impressionável do que a tua. Se conservasses a recordação
das belezas entrevistas em nossa morada, a existência terrena se tornaria
repulsiva a ti. Quando algumas vezes te levantas pela manhã, triste e
desanimada, é porque, no fundo de tua consciência, persiste uma lembrança
inconsciente de um país encantado, que, com as sombras da noite, desaparece de
ti.
Cara
amiga, não te parece que “Rodolfo” se torna um literato de fundo terrestre,
embora trate de assunto astral? Sou eu mesmo quem dita as reflexões expostas,
porque “Carlos” neste momento não está aqui em Wimereux e sim junto de ti, em
Paris. Tudo isto eu escrevi para limitar-me ao tema que me propuseste. Até
outra vez. Rodolfo.” (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à
distância. Subgrupo F)
311.
Ao relato dos fatos, o Dr. Geley faz considerações muito interessantes, das
quais extraio o trecho seguinte:
O
que se depreende destas experiências? Um fato primordial, cujas consequências
filosóficas são discutíveis, mas que se impõe à atenção. O fato é o seguinte:
Nas “correspondências cruzadas” tudo concorre para presumir que uma
inteligência autônoma, independente do médium e dos assistentes, tenha tomado a
iniciativa das experiências no sentido de prepará-las, dirigi-las e levá-las a
bom termo.
Toda
vez que se refletir convenientemente sobre as experiências em exame
reconhecer-se-á que tais conclusões se impõem irresistivelmente. Poder-se-ia
talvez manter conclusões ilusórias? Não! De qualquer modo reconheço que não
poderia excluir, sem reservas, a hipótese telepática e isto pela boa razão de
não conhecermos, ou melhor, de não podermos estabelecer limites à telepatia. De
qualquer modo, na circunstância do caso exposto, tal hipótese acha-se à frente
de dificuldades insuperáveis.
Convém
observar, a propósito, que as duas médiuns nunca haviam feito experiências
juntas e que as relações existentes entre elas, puramente de conhecimento, não
implicavam uma simpatia particular entre si, o que, de resto, não basta para
excluir-se a hipótese telepática. Mas eis o que torna o caso mais grave: esta
hipótese, na aparência tão simples, impõe, ao contrário, excessivas
complicações ao nosso caso. Procuremos, portanto, analisar praticamente, de que
modo se deveria ter desenvolvido uma ação telepática nas circunstâncias em
exame.
Como
se sabe, a telepatia implica a existência de duas pessoas em ação: uma ativa,
outra passiva; uma transmissora, ou melhor, emanadora, se nos permitirem este
neologismo, outra receptora. De que forma, então, se realizaram tais
atribuições nas experiências de Wimereux?
Nos
casos das “correspondências cruzadas” ou simultâneas, parece logicamente
impossível atribuir-se o papel de agente ativo a uma ou outra das médiuns,
visto que ambas ignoravam a ideia, a natureza, o conteúdo das mensagens que
escreviam e que ambas eram incapazes de compreender, isoladamente, o sentido e
o fim de tais mensagens. Na realidade, ambas se portavam literalmente como duas
máquinas postas em ação por uma direção única e por uma inteligência
independente. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância.
Subgrupo F) (Continua no próximo número.)
Respostas
às questões preliminares
A.
A quem se deve a primazia de haver narrado o primeiro exemplo de
“correspondência cruzada” obtida espontaneamente?
Segundo
Bozzano, devemos o relato à Sra. De W. O autor da comunicação teria sido
“Rodolfo”, nome com que se apresentava determinado Espírito. A explicação do
fenômeno pode ser deduzida por esta informação prestada por ele à Sra. De W.:
“Eis-me aqui, minha amiga. Esta noite proponho-me a ir e vir de um grupo ao
outro, por meio dos filamentos fluídicos que teci, de maneira que escreverei a minha
mensagem ora com a mão da médium R. e ora com a mão da médium T., subtraindo
fluido da primeira para adicionar à segunda, a fim de chegar a escrever com a
mão desta última”. Vê-se que as lacunas existentes numa mensagem e supridas na
outra não foram fruto do acaso, mas criadas de caso pensado. (2ª Categoria:
Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
B.
É certo que a telepatia implica a existência de duas pessoas em ação?
Segundo
o Dr. Geley, citado por Bozzano, sim. A telepatia implica a existência de duas
pessoas em ação: uma ativa, outra passiva; uma transmissora, ou melhor,
emanadora, outra receptora. É isso que caracteriza o fenômeno telepático. (2ª
Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
C.
Por que o fenômeno chamado de “correspondência cruzada” não pode ser explicado
simplesmente pela telepatia?
Bozzano
cita neste livro as considerações feitas pelo Dr. Geley, que entende que nas
“correspondências cruzadas” por ele examinadas tudo concorre para presumir que
uma inteligência autônoma, independente do médium e dos assistentes, tenha
tomado a iniciativa das experiências no sentido de prepará-las, dirigi-las e
levá-las a bom termo. Nas experiências em causa, ambas as médiuns ignoravam a
ideia, a natureza, o conteúdo das mensagens que escreviam e eram, portanto,
incapazes de compreender, isoladamente, o sentido e o fim de tais mensagens. Na
realidade, elas portavam-se literalmente como duas máquinas postas em ação por
uma direção única e por uma inteligência independente. (2ª Categoria: Mensagens
mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)
Observação:
Para acessar a Parte 20 deste estudo, publicada na semana passada,
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