O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 24
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. É verdade que nos anais da Igreja
Católica há registros de casos de bicorporeidade?
B. Durante o fenômeno da
bicorporeidade pode o corpo real morrer?
C. Quando desprendido do corpo, o
Espírito tem percepções para nós desconhecidas?
Texto para leitura
579. Perguntar-se como é que a alma
atua de maneira assaz eficaz sobre o perispírito, para determinar movimentos do
corpo que revelam, por vezes, uma grande força mecânica, que a alma seria
impotente para produzir. Não é espantoso verificar que o Espírito, pela
vontade, pode fazer o corpo executar os mais rudes trabalhos, que um Hércules
levante com o braço retesado os mais pesados pesos?
580. A alma é a mão do mecânico, a
força é a energia vital ou fluido nervoso contido nos diferentes aparelhos do
cérebro, da medula espinal e dos nervos.
581. A experiência nos mostra que
existe no homem um órgão fluídico, que é o esboço sobre o qual se modela o
corpo. Em certas circunstâncias, o perispírito pode desprender-se do invólucro,
ao qual está ligado durante a vida, e se materializar a ponto de tornar-se
visível e agir à distância.
582. Tais fenômenos não eram
desconhecidos dos antigos. Lemos, com efeito, nas histórias de Tácito:
“Durante os meses que Vespasiano
passou em Alexandria, esperando a volta periódica dos ventos do estio e a
estação em que o mar é calmo, houve muitos prodígios pelos quais se manifestou
o favor do céu e o interesse que tomavam os deuses por esse príncipe. Os
prodígios redobraram o desejo de Vespasiano de visitar a morada sagrada dos
deuses, a fim de os consultar a respeito do Império. Ordena que fechem o templo
para todos. Entra sozinho e muito atento ao que ia dizer o oráculo, quando
percebe atrás dele um dos principais egípcios, de nome Basilide, que ele sabia
estar retido doente, distante muitos dias de Alexandria. Informa-se dos
sacerdotes se Basilide veio nesse dia ao templo, e dos transeuntes se o viram
na cidade; manda, enfim, homens a cavalo e se certifica de que, naquele
momento, ele estava a 800 milhas de distância. Não duvidou mais da realidade da
visão e o nome de Basilide lhe serviu de oráculo”.
583. Os anais da Igreja Católica
narram muitos fatos de desdobramento, que se produziram em pessoas piedosas.
Afonso de Liguori foi canonizado, antes do tempo requerido, por se haver
mostrado em dois lugares diferentes, o que passou por um milagre. É verdade
que, pelos mesmos fatos, pobres mulheres, tidas por feiticeiras, foram
queimadas pelo Santo Ofício.
584. Santo Antônio de Pádua pregava na
Espanha, no momento em que seu pai, residente em Pádua, na Itália, era conduzido
ao suplício, sob a acusação de homicídio. Nessa ocasião, aparece Santo Antônio,
demonstra a inocência de seu pai e aponta o verdadeiro culpado, que foi
castigado mais tarde. Antônio, nesse mesmo instante, pregava em Espanha.
585. Dassier cita o caso de S.
Francisco Xavier, que se achava, ao mesmo tempo, em duas embarcações, durante
uma tempestade, e encorajava os companheiros, em perigo. Eis como seus
biógrafos referem o prodígio:
“Ia S. Francisco Xavier, em novembro
de 1571, do Japão para a China, quando, sete dias depois da partida, assaltou o
navio que o levava violenta tempestade. Temendo que uma chalupa fosse arrastada
pelas vagas, o piloto ordenou a quinze homens da tripulação que a amarrassem ao
navio. Caíra a noite, enquanto se trabalhava nessa faina, e os marinheiros se
viram surpreendidos por uma vaga e desapareceram com a chalupa. O santo ficou
em preces, desde o começo da tempestade, que redobrava sempre de furor. Os que
ficaram, entretanto, no navio, lembravam-se dos companheiros da chalupa e os
julgaram perdidos. Passado o perigo, Xavier exortou-os a que tivessem coragem,
assegurando que os encontrariam dentro de três dias. No dia seguinte, fez
alguém subir ao mastro, sem que nada se descobrisse. O santo entrou, então, em
seu camarote, e pôs-se a orar. Depois de ter passado, assim, grande parte do
dia, subiu ao tombadilho, cheio de confiança, e anunciou que a chalupa estava
salva. Entretanto, como nada ainda se visse, no dia seguinte, a tripulação,
sentindo-se sempre em perigo, recusou esperar por mais tempo companheiros que
considerava como perdidos. Mas Xavier lhes reanimou a coragem, concitando-os,
pela morte do Cristo, a um pouco mais de paciência. Reentrou depois em seu
camarote e redobrou de fervor na prece. Enfim, após três longas horas de
espera, vê-se aparecer a chalupa e, em breve, os quinze marinheiros, que se
supunham perdidos, alcançaram o navio. Segundo o testemunho de Mendes Pinto,
produziu-se, então, um fato dos mais singulares. Quando os homens da chalupa
subiram ao convés e o piloto quis largá-la, eles gritaram, dizendo que era
preciso deixar, primeiro, sair Xavier, que estava com eles. Em vão procuram
persuadi-los de que ninguém ficara na chalupa, mas os marinheiros afirmavam que
Xavier os acompanhara durante a tempestade, reanimando-lhes a coragem, e que
conduzira a embarcação ao navio. Diante de tal prodígio, todos se convenceram
de que às preces de Xavier é que deveram o ter escapado à tempestade. É mais
racional atribuir a salvação do navio às manobras e aos esforços da equipagem.
Tudo, porém, faz presumir que a chalupa não teria podido alcançar o navio se
ela não tivesse por piloto o próprio santo, ou antes, o seu duplo”.
586. É no perispírito que se grava a
lembrança, é nele que os conhecimentos se incorporam, e porque é imutável
conservamos, apesar das incessantes transformações de que o corpo é objeto, a
recordação do que se passou em tempo longínquo.
587. É ele que constitui a identidade
do ser, é com ele que se vive, que se pensa, que se ama, que se ora. É, enfim,
com ele que nos encontramos depois da morte, desprendidos somente da matéria
terrena, mas conservando nossos hábitos, nossos gostos, nossa maneira de ver;
idênticos, enfim, com exceção do corpo que tínhamos na Terra.
588. Isso prova que o mundo dos
Espíritos é tal como o nosso, que contém seres em todos os graus da escala
intelectual, desde os selvagens ignorantes até os homens versados no estudo das
ciências. Explicamos, também, pela imortalidade desse invólucro os surtos do
progresso.
589. É evidente que, quanto mais
depurado é o perispírito, tanto mais vivas são as sensações. A alma atua no
envoltório fluídico pela vontade, que é uma força muito poderosa, como
verificamos com Claude Bernard. O cérebro humano, reprodução material dessa
parte do fluido perispiritual, é, de alguma sorte, um instrumento sobre o qual
o Espírito atua; quanto mais perfeito é o aparelho, mais belo é o resultado
obtido, do mesmo modo que um artista que possui um bom violino mais agradáveis
melodias fará ouvir.
590. Pela instrução desenvolvemos
certos compartimentos do cérebro, nos quais se vêm registrar as aquisições
intelectuais; ora, essas modificações são reproduzidas pelo perispírito.
Segue-se que levamos para a morte nossa bagagem científica e moral, e, quando
voltamos a reencarnar, temos em gérmen no cérebro tudo que havíamos fixado
anteriormente. Eis por que as crianças, às vezes, nos maravilham com a
precocidade de sua inteligência e pela aptidão com que assimilam todas as
ciências. Nesse caso, para essa criança, aprender é recordar, como dizia
Platão.
591. Assim como trazemos para a Terra
as qualidades precedentemente conquistadas, temos também os vícios que não nos
deixam e contra os quais precisamos lutar energicamente para deixá-los. É esse
conjunto de virtudes e de paixões que constitui a individualidade de cada
homem.
592. A alma desde a concepção forma o
seu invólucro, não talvez de maneira consciente, mas efetiva. É durante a
gestação que o Espírito, aos poucos, incorpora os elementos que lhe devem
formar o corpo humano, e que o cérebro material se modela pelo cérebro do
perispírito.
593. Os defeitos físicos de uma
encarnação anterior podem, por vezes, influenciar o duplo fluídico de tal forma
que as modificações orgânicas se reproduzem, ainda, na encarnação seguinte. Daí
as crianças enfermas, disformes, apesar de boa saúde e excelente constituição
dos pais.
594. Um dos mais curiosos fenômenos da
biologia é o atavismo, isto é, a reprodução em um grupo étnico de certos
caracteres pertencentes aos antepassados, mas desaparecidos em seus
descendentes. Darwin cita notáveis casos e confessa não poder explicar essa
singularidade. Se estendermos aos animais as mesmas teorias, se os supusermos
com um princípio inteligente, também revestidos de um duplo fluídico, que lhes
reproduz exatamente a forma do corpo, compreenderemos facilmente que o animal,
reencarnado ao fim de certo tempo, pode trazer os caracteres físicos que tivera
durante sua passagem anterior na Terra.
595. Os homens apresentam, no ponto de
vista moral e mesmo físico, casos semelhantes. Os Espíritos rotineiros e
atrasados, sempre opostos a qualquer ideia de progresso, são almas que não se
adiantaram suficientemente e que dão exemplos de atavismo intelectual.
596. Em suma, diremos, com Allan
Kardec, que o indivíduo que se mostra, simultaneamente, em dois lugares
diferentes, tem dois corpos, mas, desses dois corpos, um só é permanente, o
outro é apenas temporário. Pode-se dizer que o primeiro tem a vida orgânica e o
segundo a da alma. Ao despertar, os dois corpos se reúnem e a vida da alma
reaparece no corpo material.
597. Deduz-se, ainda, desses fenômenos
que o corpo real não poderia morrer, enquanto o corpo aparente se mostrasse
visível, pois que a aproximação da morte atrairia o Espírito para o corpo,
ainda que por um instante. Resulta disso igualmente que o corpo aparente não poderia
ser morto, pois que não é formado, assim como o corpo material, de carne e
ossos.
598. Charles Bonnet, discípulo de
Leibnitz, tinha já entrevisto a existência do perispírito e sua necessidade.
Eis o que ele escreveu em diferentes livros que publicou:
“Estudando-se, com algum cuidado, as
faculdades do homem, observando-se-lhes a mútua dependência, ou a subordinação
de umas para com as outras, e a ação de suas finalidades, descobriremos,
facilmente, quais os meios naturais por que se desenvolvem e aperfeiçoam.
Podemos, pois, conceber meios análogos e mais eficazes que levariam essas
faculdades a mais alto grau de perfeição. O grau de perfeição a que o homem
pode atingir na Terra está em relação direta com os meios que lhe são dados e
com o mundo que ele habita. Um estado mais adiantado das faculdades humanas não
poderia estar em relação com o mundo em que o homem deve passar os primeiros
momentos de sua existência. Essas faculdades são infinitamente perceptíveis e
percebemos que alguns dos processos naturais que as aperfeiçoarão um dia podem
existir desde já no homem. Sendo o homem chamado a habitar, sucessivamente,
dois mundos diferentes, sua constituição original deve encerrar coisas
relativas a esses dois mundos. Dois meios principais poderão aperfeiçoar, no
mundo futuro, todas as faculdades do homem: sentidos mais apurados e sentidos
novos. Os sentidos são a primeira fonte de nossos conhecimentos. As nossas mais
abstratas ideias derivam sempre das ideias sensíveis. O espírito não cria nada,
mas opera, quase sem cessar, sobre a multidão de sensações diversas que adquire
pelos sentidos. Dessas operações do espírito, que são sempre comparações,
combinações, abstrações, nascem, por uma geração natural, as ciências e as
artes. Os sentidos destinados a transmitir ao espírito as impressões dos
objetos estão em relação com esses objetos. O olho está em relação com a luz, o
ouvido com o som. Quanto mais perfeitas, numerosas e diversas são as relações
entre os sentidos e seus objetos, tanto mais eles manifestam ao espírito as
qualidades desses objetos, e quanto mais claras, vivas e completas as
percepções dessas qualidades, mais o espírito formará delas uma ideia distinta.
Vemos que nossos sentidos atuais são suscetíveis de um grau de aperfeiçoamento
muito superior ao que lhe conhecemos e que nos espantam em certos indivíduos.
Podemos, mesmo, fazer ideia nítida desse acréscimo de perfeição, pelos efeitos
prodigiosos dos instrumentos de ótica e de acústica. Imagine Aristóteles
observando uma larva com os nossos microscópios ou contemplando com os nossos
telescópios Júpiter e suas luas. Quais não seriam sua surpresa e seu enlevo!
Quais não serão também os nossos, quando, revestidos do corpo espiritual,
tiverem nossos sentidos adquirido toda a perfeição que podiam receber do
benfazejo Autor do nosso ser!”
599. Essas deduções são tanto mais
justificadas quanto iremos ver que o Espírito, desprendido do corpo, tem
percepções de que não podemos fazer ideia. O invólucro perispiritual lhe
permite perceber vibrações que nos são desconhecidas e que lhe proporcionam
outros conhecimentos e em maior número que nos homens.
600. Está claro que falamos sempre dos
Espíritos adiantados, já libertos das peias grosseiras do perispírito material.
Quanto aos outros, eles são, como veremos, ignorantes do que se passa em torno
de si e conhecem menos sobre o Universo e suas leis que muitos sábios do nosso
mundo.
Respostas às questões preliminares
A. É verdade que nos anais da Igreja Católica há registros
de casos de bicorporeidade?
Sim. Afonso de Liguori foi canonizado,
antes do tempo, por se haver mostrado em dois lugares diferentes, o que foi
considerado um milagre. Santo Antônio de Pádua pregava na Espanha, no momento
em que seu pai, residente em Pádua, na Itália, era conduzido ao suplício, sob a
acusação de homicídio. Nessa ocasião, ele aí apareceu, demonstrou a inocência
de seu pai e apontou o verdadeiro culpado, que foi castigado mais tarde.
Dassier cita o caso de S. Francisco Xavier, que se achava, ao mesmo tempo, em
duas embarcações, durante uma tempestade, e encorajava os companheiros, em
perigo. (O Espiritismo perante a Ciência,
Quarta Parte, Cap. II - Provas da existência do perispírito – Sua utilidade –
Seu papel.)
B. Durante o fenômeno da bicorporeidade pode o corpo real
morrer?
Segundo Delanne, não; o corpo real não
poderia morrer, enquanto o corpo aparente se mostrasse visível, pois que a
aproximação da morte atrairia o Espírito para o corpo, ainda que por um
instante. Disso resulta igualmente que o corpo aparente não poderia ser morto,
pois que não é formado, assim como o corpo material, de carne e ossos. (Obra
citada, Quarta Parte, Cap. II - Provas da existência do perispírito – Sua
utilidade – Seu papel.)
C. Quando desprendido do corpo, o Espírito tem percepções
para nós desconhecidas?
Sim. Desprendido do corpo, o Espírito
tem outras percepções de que não podemos fazer ideia, visto que o invólucro
perispiritual lhe permite perceber vibrações que nos são desconhecidas e que
lhe proporcionam outros conhecimentos e em maior número que nos homens. (Obra
citada, Quarta Parte, Cap. II - Provas da existência do perispírito – Sua
utilidade – Seu papel.)
Observação:
Para acessar a parte 23 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/08/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_21.html
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