O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 23
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Pode ocorrer o fenômeno da
bicorporeidade sem que a pessoa esteja adormecida?
B. Como um médium vidente, ao ver um
Espírito, pode saber se ele está ou não encarnado?
C. As partes constitutivas do
perispírito são homogêneas?
Texto para leitura
557. Se nos reportarmos aos casos de
sonambulismo lúcido, narrados por Charpignon, compreenderemos a série
ascendente que se manifesta nesses diferentes fenômenos. No sonambulismo,
natural ou provocado, a alma se desprende do corpo, porque este, mergulhado no
sono, tem uma vida menos ativa, o que permite ao Espírito escapar-se, por
momentos, do seu invólucro e ver o que se passa a distância.
558. No caso de desdobramento, a alma
separa-se, no sono, da mesma maneira, mas, ora se materializa de forma imperfeita,
ora toma um aspecto inteiramente material, pode escrever e falar. Se o fenômeno
é ainda mais acentuado, a bicorporeidade se manifesta sem que o paciente esteja
adormecido, mas, então, quanto mais o duplo adquire tangibilidade, mais o
sensitivo se toma fraco e elanguescido.
559. Estas observações confirmam
plenamente o ensino de Allan Kardec. Encontramos, com efeito, em O Livro dos Espíritos a explicação
racional de todos esses casos singulares. A alma é retida ao corpo por seu
perispírito, que tem por condutor o sistema nervoso; segue-se que todas as
modificações trazidas a esse sistema, que tenham por fim paralisar sua ação,
favorecerão o desprendimento da alma.
560. Eis, com efeito, o que lemos na Revue Spirite de 1859, página 137: A
Sra. Schultz, uma de nossas amigas, que é perfeitamente deste mundo e não
parecia dever deixá-lo tão cedo, tendo sido evocada durante o sono, deu, mais
de uma vez, a prova da perspicácia de seu Espírito nesse estado. Uma noite,
depois de uma conversa, ela disse: – Estou fatigada, durmo, tenho necessidade
de repouso. Mas, replicamos-lhe: – Seu corpo pode repousar; falando-lhe, não o
perturbo. É seu Espírito que está aqui e não seu corpo; pode, pois, entreter-se
comigo, sem que este sofra por isso. Ela respondeu: – Faz mal em acreditar
nisso; meu Espírito se desprende um pouco de meu corpo, mas ele é como um balão
cativo, retido por cordas. Quando o balão recebe as sacudidelas ocasionadas
pelo vento, o poste que o prende ressente-se desses abalos, transmitidos pelas
cordas. Meu corpo serve de poste para o meu Espírito, com a diferença de que
experimenta sensações desconhecidas ao poste, e que muito fatigam o cérebro;
eis por que meu corpo como meu Espírito têm necessidade de repouso. Esta
explicação, na qual ela nos declarou que, durante a vigília, não havia jamais
imaginado, mostra perfeitamente as relações que existem entre o corpo e o
Espírito, durante o tempo em que este último goza de uma parte de sua
liberdade.
561. M. R., antigo ministro dos
Estados Unidos junto ao Rei de Nápoles, disse conhecer na Inglaterra um médium
vidente, dotado de grande poder, que, cada vez que lhe aparecia um Espírito de
uma pessoa viva, notava que um fio luminoso partia de seu peito, atravessava o
espaço, sem se interromper com os objetos materiais, e ia terminar no corpo,
espécie de cordão umbilical que unia as duas partes momentaneamente separadas
do ser vivo. Nunca ele o notou quando a vida corporal não existia mais e por
este sinal é que reconhecia se o Espírito era de uma pessoa morta ou de uma
ainda viva. A existência deste cordão fluídico foi constatada com muita
frequência depois dessa época.
562. A comparação, tão justa, do balão
cativo mostra a íntima união do corpo e do perispírito, de tal sorte que toda
modificação de um repercute no outro.
563. Nas narrativas que temos
reproduzido, uma coisa parece estranha: é a facilidade com que o duplo fluídico
passa através dos corpos materiais. Sem dúvida, há aí um fenômeno
extraordinário, mas não sem analogia na natureza. A luz e o calor se propagam
através de certas substâncias, a eletricidade caminha ao longo de um conduto e
sabemos, pelas experiências de Cailletet e de Sainte-Claire Deville, que os
gases passam facilmente através das paredes de um tubo fortemente aquecido.
564. Todos os corpos são porosos; não
se tocando, suas moléculas podem dar passagem a um corpo estranho. Os
Acadêmicos de Florença tinham demonstrado este ponto, fazendo violenta pressão
sobre a água encerrada em uma esfera de ouro; ao fim de pouco tempo via-se o
líquido transudar por pequenas gotas, na superfície da esfera.
565. Verificamos, por esses diferentes
exemplos, que a matéria pode atravessar a matéria. Nos casos que acabamos de
citar, é preciso empregar a pressão ou o calor para dilatar as substâncias que
se quer fazer atravessar por outras. Isto é necessário, porque as moléculas do
corpo que atravessa, não adquirindo o grau suficiente de dilatação, ficam
cerradas umas contra as outras. Mas, se supusemos um estado da matéria em que
as moléculas sejam muito menos aproximadas e eminentemente tênues, poderá ela
atravessar todas as substâncias, sem necessidade de manipulação. É o que se dá
com o perispírito que, formado de moléculas menos condensadas que a matéria que
conhecemos, não pode ser detido por nenhum obstáculo.
566. Uma segunda propriedade do
perispírito parece inexplicável. Dificilmente se compreende que um vapor muito
rarefeito, um fluido imponderável possa, apesar de sua tenuidade, conservar
determinada forma. Quando a fumaça se escapa da fornalha, não tarda a
espalhar-se na atmosfera, tornando-se aos poucos invisível. Como pode o
perispírito, que é formado de matéria infinitamente mais rarefeita,
apresentar-se, no entanto, com um aspecto nitidamente determinado?
567. Uma experiência curiosa vai
elucidar-nos: Admitindo a ideia da matéria, William Thompson, para explicar o
retorno de uma substância a seu estado primitivo quando ela se desprende de uma
combinação, assemelha os movimentos do meio elástico, a que ele chama matéria,
ao dos turbilhões de fumo, em forma de rolos, que se veem produzir na combustão
do hidrogênio fosforado, ou algumas vezes escapar-se da chaminé de um
locomotiva, quando ela parte. Imaginou-se, então, um aparelho que permite obter
esses rolos à vontade e, dando-lhes grandes dimensões, foi possível
estudar-lhes a forma. Uma caixa de madeira, perfurada na parte anterior com uma
abertura circular, encerra dois vasos, um dos quais contém uma solução de
álcali volátil, e o outro, ácido clorídrico. Os gases que se escapam dessas
soluções produzem, combinando-se, abundantes fumaças que enchem a caixa. Uma
pancada seca, aplicada sobre a armação que forma a parede oposta à abertura,
impele a fumaça, que se escapa produzindo uma bela coroa que se propaga em
linha reta.
568. Helmholtz, que observou os
turbilhões, mostrou que as partículas de fumo rolam sobre si mesmas e executam
movimentos de rotação, que vão do interior ao exterior, no sentido da
propagação, e em torno de um eixo circular que forma, por assim dizer, o núcleo
dos turbilhões. Daí, Helmholtz passa ao caso de um meio em que não houvesse
atrito algum; mostra que os rolos se deslocarão e mudarão de forma, sem que
nada venha destruir as ligações que existem entre as partes constituintes.
569. Deduzimos daí que existem estados
da matéria em que uma dada forma se conserva indefinidamente, com a condição de
que esta matéria seja submetida a uma força constante e não experimente nenhum
atrito. É o que acontece com o perispírito, cuja matéria rarefeita pode ser
encarada, por sua natureza etérea, como desprovida de atrito; podemos, pois,
conceber que ela conserva um tipo determinado, em virtude de sua constituição
molecular.
570. Experiências efetuadas na
Inglaterra mostraram que, se se deformarem esses rolos, eles tenderão a retomar
a forma circular; se lhes colocar no trajeto uma lâmina, eles contorná-la-ão,
sem se deixarem cortar, oferecendo, assim, a imagem material de alguma coisa
invisível e insecável. Demais, dois rolos, movendo-se na mesma linha, podem
atravessar-se sem perderem a individualidade que lhes é própria; o rolo
atrasado contrai-se, quando sua velocidade aumenta; atravessa o que o precede,
depois se dilata por sua vez e assim por diante. Assim, esses anéis se penetram
mutuamente, passam através um do outro, sem nada perder de sua autonomia, sem
serem mesmo deformados. A matéria, nesse estado pouco rarefeita, que está longe
de atingir a extrema tenuidade do perispírito, goza, pois, de propriedades que
nos revelam leis ainda pouco conhecidas que dirigem as evoluções do duplo
fluídico; compreenderemos sem dificuldade, por analogia, que o perispírito
possa atravessar todos os corpos, como a luz passa através dos corpos transparentes.
[i]
571. Nos exemplos citados até aqui,
vemos a alma e seu envoltório, mas não podemos ainda determinar todas as
propriedades deste corpo fluídico, porque ele está ligado ao organismo material
e não goza inteiramente de sua liberdade de ação. Para conhecer a sua
composição e seu funcionamento é preciso estudar a alma quando, desembaraçada
de seu invólucro grosseiro, ela se move livremente no espaço.
572. Geoffroy Saint-Hilaire dizia: “O
tipo segundo o qual a vida forma o corpo desde a origem é também aquele segundo
o qual ela o entretém e repara. A vida é, ao mesmo tempo, formadora,
conservadora e reparadora, sempre conforme esse modelo ideal, regra invariável
de todos os seus atos”.
573. Esse modelo ideal está contido no
ser material que se transforma sem cessar? Não, evidentemente; ele lhe é
exterior, ou antes, é nele que se vêm incorporar as moléculas materiais; ele é
esboço fluídico do ser. Se refletirmos, com efeito, nas transformações
múltiplas, incessantes, às quais está o corpo submetido, compreenderemos a
necessidade dessa força diretriz que indica aos átomos materiais o lugar que
eles devem ocupar. Como conceber que o cérebro, instrumento tão frágil, tão
complicado, cuja substância se renova continuamente, possa funcionar de maneira
constante, se não existisse um modelo fluídico no qual as moléculas materiais
se vêm incorporar?
574. Com a morte do corpo, não mais
existindo esse duplo, tudo sucumbe, se degrada e destrói, em curto lapso de
tempo. É este esboço fluídico que, diferindo segundo os indivíduos, conserva a
estrutura particular de cada um, as formas gerais do corpo e da fisionomia que
o fazem reconhecer durante o curso de sua existência.
575. Vimos na primeira parte que os
materialistas não podem explicar a transformação da sensação em percepção. Pois
bem, com a noção do perispírito tudo se torna simples e compreensível. Sabemos
que os nervos sensitivos terminam em uma parte do cérebro chamada tálamos
óticos; aí, cada aparelho sensorial possui um núcleo de células ganglionares,
ligado à periferia cortical por fibras brancas. Lembrado isto, vejamos como as
excitações exteriores penetram e se encaminham no organismo quando se trata de
um fenômeno auditivo ou visual, que põe em atividade as células da retina ou do
nervo auditivo. Que se passa, então, na intimidade dos condutores nervosos?
576. Essas excitações, seguidamente
transmitidas, põem logo em jogo as atividades específicas, isto é, as
propriedades especiais das diversas células que compõem os núcleos dos tálamos
óticos. As células do centro ótico, entrando em vibração, as transmitem à camada
cortical pelas fibras radiantes e, aí chegadas, essas vibrações, que são, até
esse momento, simples movimentos moleculares, encontram o duplo fluídico e lhe
comunicam a impressão. Desde então, este movimento ondulatório se propaga até a
alma que tem dele consciência. É a esse conhecimento que se chama percepção;
ele não poderia efetuar-se se o intermediário fluídico não existisse.
577. É preciso não esquecer que o
perispírito não é um corpo homogêneo; ele possui partes quase materiais, que se
referem ao organismo, e partes quase imateriais, que se referem à alma.
Comparemo-lo a um vapor contido num tubo, para melhor compreensão. Esse vapor,
muito condensado na base, se vai rarefazendo a medida que se eleva. Existe,
assim, uma série de estados intermediários, desde a materialidade até a
espiritualidade.
578. Em resumo, o perispírito é
formado de fluidos, em diferentes graus de condensação, desde os fluidos
materiais, que aderem ao cérebro, até os espirituais, que se aproximam da
natureza da alma. De sorte que, se uma vibração impressiona um nervo sensitivo,
este a transmite aos tálamos óticos, que a refletem para o sensório; aí chegada
essa vibração, age sobre o fluido perispiritual, que aos poucos adverte o
Espírito.
[i]
Podemos aproximar destas observações as curiosas experiências que
Zöllner fez em companhia de Slade. Ei-las, segundo a narração de Eugéne Nus:
“Zöllner, tendo arranjado dois anéis de madeira, torneada e inteiriça com um
diâmetro interior de 74 milímetros, passou por eles uma corda de violino, fixou
a corda com cera, pelas extremidades, na mesa. Sobre a cera apôs seu selo,
deixando os anéis livres na corda. Era desejo dele ver os anéis
entrelaçarem-se. Sentou-se à mesa, ao lado de Slade, e pôs as mãos sobre a
corda no ponto sinetado. Uma pequena mesa estava diante dos anéis. Após alguns
minutos de expectativa – escreveu Zöllner –, ouvimos, na pequena mesa redonda
junto a nós, um ruído, como se pedaços de madeira batessem uns nos outros.
Levantamo-nos para pesquisar a origem deste ruído e, com grande surpresa,
encontramos os dois anéis (que, cerca de seis minutos antes, estavam enfiados
na corda de violino) em volta do pé central da pequena mesa, em perfeito
estado. Dessa forma – acrescenta Zöllner –, uma experiência anteriormente
preparada não saiu conforme fora prevista; os anéis não foram entrelaçados um
no outro, e, sim, transferidos da corda de violino para o pé da mesa redonda
feito de bambu. Houve, neste caso, desintegração momentânea da matéria dos
anéis e recomposição desses mesmos anéis em torno do pé da mesa. Ainda que
extraordinários possam parecer esses fatos, eles são, entretanto, reais, a
menos que se acuse o ilustre sábio de mentir ao público.”
Respostas às questões preliminares
A. Pode ocorrer o fenômeno da bicorporeidade sem que a
pessoa esteja adormecida?
Segundo Delanne, sim. Mas, então,
quanto mais o duplo adquire tangibilidade, mais o sensitivo se toma fraco e elanguescido.
(O Espiritismo perante a Ciência,
Quarta Parte, Cap. II - Provas da existência do perispírito – Sua utilidade –
Seu papel.)
B. Como um médium vidente, ao ver um Espírito, pode saber
se ele está ou não encarnado?
A resposta a esta pergunta foi dada
primeiramente por um médium vidente radicado na Inglaterra. Segundo ele, cada
vez que lhe aparecia um Espírito de uma pessoa viva, notava que um fio luminoso
partia de seu peito, atravessava o espaço, sem se interromper com os objetos
materiais, e ia terminar no corpo, espécie de cordão umbilical que unia as duas
partes momentaneamente separadas do ser vivo. Era por esse cordão fluídico, cuja
existência foi mais tarde comprovada, que se reconhecia se o Espírito era de
uma pessoa morta ou de uma ainda viva. (Obra citada, Quarta Parte, Cap. II -
Provas da existência do perispírito – Sua utilidade – Seu papel.)
C. As partes constitutivas do perispírito são homogêneas?
Não. O perispírito não é um corpo
homogêneo; ele possui partes quase materiais, que se referem ao organismo, e
partes quase imateriais, que se referem à alma. O perispírito é formado de
fluidos em diferentes graus de condensação, desde os fluidos materiais, que
aderem ao cérebro, até os espirituais, que se aproximam da natureza da alma.
(Obra citada, Quarta Parte, Cap. II - Provas da existência do perispírito – Sua
utilidade – Seu papel.)
Observação:
Para acessar a parte 22 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/08/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_14.html
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