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sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

 



Comunicações mediúnicas entre vivos

 

  Ernesto Bozzano

 

Parte 2

 

Damos prosseguimento ao estudo do clássico Comunicações mediúnicas entre vivos, de autoria de Ernesto Bozzano, traduzido para o idioma português por J. Herculano Pires e publicado pela Edicel.

Esperamos que este estudo sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.

Cada parte do estudo compõe-se de:

a) questões preliminares;

b) texto para leitura.

As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto indicado para leitura.

Este estudo será publicado sempre às sextas-feiras.

 

Questões preliminares

 

A. No processo de intercâmbio entre os Espíritos e nós, existe algum controle exercido por entidades espirituais superiores capaz de impedir determinadas revelações?

B. Em face do controle exercido por entidades espirituais superiores, deduz-se que as mentiras e as mistificações mediúnicas, da parte dos comunicantes, seriam por eles permitidas ou pelo menos toleradas? 

C. Como entender que as mentiras possam ter permissão dos Espíritos superiores? Que finalidade isso teria?

 

Texto para leitura

 

Mensagens experimentais no mesmo aposento

20. De outro ponto de vista, dever-se-ia dizer que a emergência de mistificações do inconsciente, nas experiências de transmissão e leitura do pensamento, nada retira do valor teórico dos escritos genuinamente espíritas. E, de qualquer modo, convém notar que as mistificações espíritas encontram análogo fato nas mistificações anímicas, o que se traduz em um primeiro ensinamento instrutivo retirado da análise comparada dos fatos, de que nos utilizaremos no devido tempo. (Comunicações mediúnicas entre vivos - 1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

21. Como complemento do assunto, convém observar que há exemplos de mistificação espírita que, conquanto explicáveis pela hipótese da emergência do “extrato onírico subconsciente”, contudo poderiam ter, na realidade, uma origem diversa, observação esta que encontra uma curiosa ilustração no seguinte trecho de um diálogo mediúnico que extraio das experiências do Prof. Ochorowicz com a médium Srta. Tomczyk. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

22. O Prof. Ochorowicz se dirigiu à personalidade mediúnica, perguntando-lhe:

P. – Existias antes do nascimento da “Grande Stásia” (isto é, da médium)? (1)

R. – Sim, mas não me deves fazer semelhantes perguntas se não quiseres que eu te responda com mentiras. Gostaria de revelar-te tudo, mas não é permitido fazê-lo.

P. – Por quê?

R. – Não me perguntes. Provavelmente porque, se nós revelássemos tudo, provocaríamos no mundo uma revolução social demasiadamente violenta. (Annales des Sciences Psychiques, 1909, pág. 201). (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

23. Como se vê do diálogo acima, a personalidade mediúnica declara, explicitamente, que se se quiser saber demais ela se livrará logo de apuros com mentiras, resposta curiosa e desconcertante, apesar da notória correção da personalidade em questão, a qual adverte o interrogador do que o espera se ele não desistir dos seus propósitos excessivamente inquisitoriais. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

24. Tal resposta explicaria muitas coisas e resolveria muitos casos desconcertantes do mediunismo teórico, conquanto tivesse de ser explicada por seu turno, visto que não se poderia compreender a necessidade de recorrer a mentiras, quando em tais circunstâncias bastaria responder do modo pelo qual o fez a “Pequena Stásia”, isto é, observando que não era permitido responder a perguntas indiscretas. Ao mesmo tempo, a expressão da personalidade mediúnica de que “não era permitido fazê-lo” implicaria a existência de entidades espirituais superiores, reguladoras dos destinos humanos, a cujos decretos se conformariam os Espíritos de grau inferior, ainda capazes de comunicar-se mediunicamente com os vivos. Quantos mistérios a resolver! (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

25. Entre tais mistérios destaco o seguinte: Se há entidades espirituais superiores que proíbem os Espíritos comunicantes de revelar certos segredos do Além, para os quais a humanidade não está preparada, fica então subentendido que as mesmas entidades permitem aos Espíritos em questão suprir com mentiras a curiosidade dos vivos e, assim sendo, ter-se-á de inferir que, em certas contingências, também as mentiras seriam justificáveis no sentido talvez de que elas se tornem propícias à evolução ordenada e regular das disciplinas metapsíquicas, porquanto talvez sirvam para exercer influência moderadora e benéfica sobre a sua difusão entre os povos, influência que não seria conseguida de outro modo, assim como a evolução biológico-psíquica da espécie só se consegue com a intervenção do fator mal em perpétuo contraste com o fator bem. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

26. Se assim for, dever-se-ia dizer que, para as operações evolutivas da nova Ciência da alma, as mentiras proferidas em circunstâncias especiais pelas entidades espirituais inferiores também teriam a sua razão de ser, por isso que desorientariam os experimentadores demasiadamente crédulos, obrigando-os a meditar e aprofundar ulteriormente o tema, determinando tréguas providenciais no progresso das pesquisas metapsíquicas, impedindo as intempestivas convicções com base na fé cega, isto com toda a vantagem para os métodos de indagação científica. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

27. E, acima de tudo, evitando o perigo de “uma revolução social demasiadamente violenta”, que infalivelmente ocorreria se a nova orientação do pensamento ético-religioso tivesse de impor-se a massas sem preparo, com perniciosa rapidez. Bem haja, pois, as mistificações espíritas que servem de freios moderadores ao curso rápido e imprudente a que com facilidade se abandonariam alguns esquadrões extremamente impulsivos do novo exército do ideal. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

28. Seja como for, o fato é que as mistificações e as mentiras da natureza indicada se verificam frequentemente nas manifestações mediúnicas e, assim sendo, nada impede a que se lhe atribua a gênese indicada, isto é, de uma parte, a emergência frequente do “extrato-onírico subconsciente” nos sensitivos; de outra parte, a mistificação do Além, às vezes determinada expressamente por personalidades mediúnicas, com o escopo de disciplina espiritual e para salvaguarda da evolução espiritual humana, que deve ser ordenada a fim de evitar o perigo de uma reforma muito precipitada de instituições religiosas milenárias, reforma essa que deve se efetuar de modo bem lento, prudente, conciliador, e a fim de se poder preparar, simultaneamente, o novo Templo de Deus. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

29. Nas considerações expostas encontram-se os ensinos teóricos essenciais que se podem extrair das manifestações aqui contempladas, de modo que me limitarei, a seguir, a dar poucos exemplos desse gênero, a puro título ilustrativo. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

 

Caso 1

30. Colho o seguinte episódio do livro da Sra. Hester Travers-Smith, Voices from the Void (pág. 48). A referida senhora é dotada de faculdades mediúnicas incomuns, e o Prof. W. F. Barret fez com ela uma longa série de experiências, conseguindo ótimos casos de identificação espírita. Escreveu a Sra. Travers-Smith:

Outro episódio, análogo ao citado, aconteceu certa noite em que se achava presente o Sr. Y., autor dramático. Eu e a Srta. C. trabalhávamos como médiuns e o “espírito-guia” descreveu um velho castelo que o Sr. Y. havia adquirido pouco antes, informando que aquele local era assombrado e que a assombração se prendia a uma antiquíssima história romântica, história essa que ele se pôs a narrar. Como a comunicação se tornasse muito longa, eu disse ao Sr. Y.: “Não lhe parece melhor interromper estas fantasias sem fundamento? Isto não lhe pode interessar”. Respondeu-me ele: “Ao contrário, interessa-me muitíssimo, pois que está sendo ditado o enredo de um novo drama”.

Declaro que nem eu nem a Srta. C. conhecíamos coisa alguma a respeito do drama que estava sendo escrito pelo Sr. Y. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 1.)

31. A propósito do incidente exposto, observo, por amor à verdade, que o “espírito-guia” da médium afirma que tais formas de leitura do pensamento da subconsciência alheia, como também outros episódios de comunicações mediúnicas entre vivos, se produzem constantemente por intermédio dele e, de certo modo, ele o demonstra preanunciando os referidos episódios. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 1.)

32. Observo, ainda, que afirmações de tal natureza ocorrem frequentemente em experiências congêneres, mas claro é que não podem ser levadas em consideração devido à impossibilidade de verificar satisfatoriamente a validade das afirmações. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 1.)

33. Devemos também considerar que, se o fato em si pode ser teoricamente admitido, e até se deve admitir que assim suceda frequentemente (sempre em homenagem à tese da identidade entre o Animismo e o Espiritismo), isto não impede que os casos de comunicações mediúnicas entre vivos se realizem com frequência. De qualquer modo, essas reiterações por parte das personalidades mediúnicas são de tal sorte insistentes que achei oportuno reunir os melhores casos desse gênero em uma categoria especial (subgrupo F). (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 1.)

 

Caso 2  

34. O seguinte episódio é extraído do vol. III, pág. 295 dos Annali dello Spiritismo in Italia. O Sr. F. Scifoni, um dos mais notáveis espíritas italianos da primeira hora, escreveu nestes termos ao diretor da citada revista:

Em 17 de junho de 1863, pouco depois da meia-noite, eu me achava no escritório, como de costume, absorvido pelo trabalho. Parando para um breve repouso lembrei-me de ter lido em jornais espíritas ou de magnetismo algo sobre a experiência da evocação do Espírito de pessoas imersas no sono. Sabia também que um dos meus amigos havia obtido bons resultados em tais provas, por mais de uma vez, e assim me veio a vontade de tentá-lo. Morava comigo, havia muitos meses, o Sr. Vicenzo Tanni, que dormia no meu próprio quarto, contíguo ao meu gabinete. A porta estava encostada e eu o ouvia roncar ruidosamente, como de hábito. Aqui declaro que nunca o havia visto acordar, nem mesmo incomodar-se com qualquer ruído que eu fizesse, de modo que, durante o dia, muitas vezes ríamos do seu delicioso sono.

Quis então tentar a prova com ele e me esforcei por concentrar intensamente a minha vontade, como quando, pelo magnetismo, se quer promover o êxtase do sonâmbulo. Evocado o seu Espírito, comecei logo a escrever, e a minha mão traçou estas palavras: “Eis-me aqui. Que queres comigo?” Feitas algumas perguntas e recebidas respostas de pouco valor, escrevi este pedido: “Ora, meu caro Tanni, queres fazer-me um favor? Quererias dar-me uma bela prova da realidade das comunicações espíritas, despertando-te por alguns instantes e chamando-me pelo nome?” E minha mão escreveu: “Sim”. Repito que me achava em meu gabinete e que ele dormia no quarto anexo. Do lugar em que fica o gabinete até à parede que o divide do dormitório distam quatro metros. Eu me mantinha em profundo silêncio e com o ouvido atento para verificar se ele fazia o menor movimento, porém nada interrompia o seu sono de chumbo. Continuando sem ouvir coisa alguma, evoco os meus Espíritos familiares e a minha mão escreve: “Espere mais um pouco”. Espero-o, porém nada ouço... Desiludido, já pensava em retomar o meu trabalho interrompido, quando de repente vi o Tanni mover-se e chamar-me distintamente pelo meu nome. Surpreso, pergunto:

– O que queres?

– Ainda estás de pé?

– Sim. O que queres?

– Nada. – E com uma espécie de incerteza: – Que horas são?

– Meia-noite e trinta e cinco minutos.

– Ah! Supus que já fosse dia.

Em seguida, tornou a dormir profundamente. Pasmo com a belíssima experiência, pergunto aos meus Espíritos familiares se a demora da prova não seria talvez devida à falta de firmeza de minha vontade, e a minha mão escreve: “Sim. Vacilas um pouco; contudo, podes ficar contente com o resultado”. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 2.)

35. Desejando-se tomar ao pé da letra o desenvolvimento dos fatos no caso exposto, dever-se-ia dizer que o episódio da comunicação mediúnica entre vivos, aí contido, poderia ter ocorrido pela intervenção de uma entidade espiritual, mas como tal circunstância não é demonstrável e como tal hipótese não é necessária para a interpretação dos fatos, não se deve insistir nela, pressupondo, ao contrário, a concentração da vontade do experimentador como tendo sido suficiente, como o é na prática para criar uma condição de “afinidade psíquica” entre o experimentador e o paciente adormecido, condição indispensável em tal espécie de experiências. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 2.) (Continua na próxima edição.)

 

[1] A médium se chamava Stanislawa Tomczik e seu apelido era Stásia. O Espírito em questão se materializava em tamanho menor que a médium. Ochorowicz considerava a materialização como desdobramento psicobiológico da médium e a chamava de Pequena Stásia.

 

Respostas às questões preliminares

 

A. No processo de intercâmbio entre os Espíritos e nós, existe algum controle exercido por entidades espirituais superiores capaz de impedir determinadas revelações?

Segundo Ernesto Bozzano, é exatamente isso que é sugerido pelas explicações dadas por alguns Espíritos comunicantes, quando dizem que não lhes é permitido responder a determinadas perguntas. (Comunicações mediúnicas entre vivos - 1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

B. Em face do controle exercido por entidades espirituais superiores, deduz-se que as mentiras e as mistificações mediúnicas, da parte dos comunicantes, seriam por eles permitidas ou pelo menos toleradas? 

Bozzano entende que sim. Escreveu ele: “Se há entidades espirituais superiores que proíbem os Espíritos comunicantes de revelar certos segredos do Além, para os quais a humanidade não está preparada, fica então subentendido que as mesmas entidades permitem aos Espíritos em questão suprir com mentiras a curiosidade dos vivos e, assim sendo, ter-se-á de inferir que, em certas contingências, também as mentiras seriam justificáveis”. (Obra citada - 1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

C. Como entender que as mentiras possam ter permissão dos Espíritos superiores? Que finalidade isso teria?

Se, de fato, existe permissão superior para que tal se dê, a conclusão é que as mentiras proferidas em circunstâncias especiais pelas entidades espirituais inferiores teriam a sua razão de ser, porque desorientariam os experimentadores demasiadamente crédulos, obrigando-os a meditar e aprofundar ulteriormente o tema, determinando tréguas providenciais no progresso das pesquisas metapsíquicas e impedindo as intempestivas convicções com base na fé cega, isto com toda a vantagem para os métodos de indagação científica. (Obra citada - 1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)

 

 

Observação:

Para acessar a 1ª Parte deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2024/01/comunicacoes-mediunicas-entre-vivos.html

 

 

 

 

 

 

 

Como consultar as matérias deste blog? Se você não o conhece, clique em Espiritismo Século XXI e verá como utilizá-lo e seus vários recursos.

 

 

 

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