Comunicações
mediúnicas entre vivos
Ernesto Bozzano
Parte 2
Damos prosseguimento ao estudo do clássico Comunicações mediúnicas entre vivos, de autoria de Ernesto Bozzano, traduzido para o idioma português por J. Herculano Pires e publicado pela Edicel.
Esperamos que este estudo sirva para o leitor como uma
forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto indicado para leitura.
Este estudo será publicado sempre às sextas-feiras.
Questões preliminares
A. No processo de intercâmbio entre os Espíritos e nós, existe algum
controle exercido por entidades espirituais superiores capaz de impedir determinadas
revelações?
B. Em face do controle exercido por entidades espirituais superiores,
deduz-se que as mentiras e as mistificações mediúnicas, da parte dos
comunicantes, seriam por eles permitidas ou pelo menos toleradas?
C. Como entender que as mentiras possam ter permissão dos Espíritos
superiores? Que finalidade isso teria?
Texto para leitura
Mensagens experimentais no mesmo aposento
20. De outro ponto de vista, dever-se-ia dizer que a
emergência de mistificações do inconsciente, nas experiências de transmissão e
leitura do pensamento, nada retira do valor teórico dos escritos genuinamente
espíritas. E, de qualquer modo, convém notar que as mistificações espíritas
encontram análogo fato nas mistificações anímicas, o que se traduz em um
primeiro ensinamento instrutivo retirado da análise comparada dos fatos, de que
nos utilizaremos no devido tempo. (Comunicações mediúnicas entre vivos -
1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)
21. Como complemento do assunto, convém observar que há
exemplos de mistificação espírita que, conquanto explicáveis pela hipótese da
emergência do “extrato onírico subconsciente”, contudo poderiam ter, na
realidade, uma origem diversa, observação esta que encontra uma curiosa
ilustração no seguinte trecho de um diálogo mediúnico que extraio das
experiências do Prof. Ochorowicz com a médium Srta. Tomczyk. (1ª Categoria:
Mensagens experimentais no mesmo aposento.)
22. O Prof. Ochorowicz se dirigiu à personalidade
mediúnica, perguntando-lhe:
P. – Existias antes do nascimento da “Grande Stásia” (isto
é, da médium)? (1)
R. – Sim, mas não me deves fazer semelhantes perguntas se
não quiseres que eu te responda com mentiras. Gostaria de revelar-te tudo, mas
não é permitido fazê-lo.
P. – Por quê?
R. – Não me perguntes. Provavelmente porque, se nós
revelássemos tudo, provocaríamos no mundo uma revolução social demasiadamente
violenta. (Annales des Sciences Psychiques, 1909, pág. 201). (1ª
Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)
23. Como se vê do diálogo acima, a personalidade mediúnica
declara, explicitamente, que se se quiser saber demais ela se livrará logo de
apuros com mentiras, resposta curiosa e desconcertante, apesar da notória
correção da personalidade em questão, a qual adverte o interrogador do que o
espera se ele não desistir dos seus propósitos excessivamente inquisitoriais.
(1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)
24. Tal resposta explicaria muitas coisas e resolveria
muitos casos desconcertantes do mediunismo teórico, conquanto tivesse de ser
explicada por seu turno, visto que não se poderia compreender a necessidade de
recorrer a mentiras, quando em tais circunstâncias bastaria responder do modo
pelo qual o fez a “Pequena Stásia”, isto é, observando que não era permitido
responder a perguntas indiscretas. Ao mesmo tempo, a expressão da personalidade
mediúnica de que “não era permitido fazê-lo” implicaria a existência de
entidades espirituais superiores, reguladoras dos destinos humanos, a cujos
decretos se conformariam os Espíritos de grau inferior, ainda capazes de
comunicar-se mediunicamente com os vivos. Quantos mistérios a resolver! (1ª
Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)
25. Entre tais mistérios destaco o seguinte: Se há
entidades espirituais superiores que proíbem os Espíritos comunicantes de
revelar certos segredos do Além, para os quais a humanidade não está preparada,
fica então subentendido que as mesmas entidades permitem aos Espíritos em
questão suprir com mentiras a curiosidade dos vivos e, assim sendo, ter-se-á de
inferir que, em certas contingências, também as mentiras seriam justificáveis
no sentido talvez de que elas se tornem propícias à evolução ordenada e regular
das disciplinas metapsíquicas, porquanto talvez sirvam para exercer influência
moderadora e benéfica sobre a sua difusão entre os povos, influência que não
seria conseguida de outro modo, assim como a evolução biológico-psíquica da
espécie só se consegue com a intervenção do fator mal em perpétuo contraste com
o fator bem. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)
26. Se assim for, dever-se-ia dizer que, para as operações
evolutivas da nova Ciência da alma, as mentiras proferidas em circunstâncias
especiais pelas entidades espirituais inferiores também teriam a sua razão de
ser, por isso que desorientariam os experimentadores demasiadamente crédulos,
obrigando-os a meditar e aprofundar ulteriormente o tema, determinando tréguas
providenciais no progresso das pesquisas metapsíquicas, impedindo as
intempestivas convicções com base na fé cega, isto com toda a vantagem para os
métodos de indagação científica. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no
mesmo aposento.)
27. E, acima de tudo, evitando o perigo de “uma revolução
social demasiadamente violenta”, que infalivelmente ocorreria se a nova
orientação do pensamento ético-religioso tivesse de impor-se a massas sem
preparo, com perniciosa rapidez. Bem haja, pois, as mistificações espíritas que
servem de freios moderadores ao curso rápido e imprudente a que com facilidade
se abandonariam alguns esquadrões extremamente impulsivos do novo exército do
ideal. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)
28. Seja como for, o fato é que as mistificações e as
mentiras da natureza indicada se verificam frequentemente nas manifestações
mediúnicas e, assim sendo, nada impede a que se lhe atribua a gênese indicada,
isto é, de uma parte, a emergência frequente do “extrato-onírico subconsciente”
nos sensitivos; de outra parte, a mistificação do Além, às vezes determinada
expressamente por personalidades mediúnicas, com o escopo de disciplina
espiritual e para salvaguarda da evolução espiritual humana, que deve ser
ordenada a fim de evitar o perigo de uma reforma muito precipitada de
instituições religiosas milenárias, reforma essa que deve se efetuar de modo
bem lento, prudente, conciliador, e a fim de se poder preparar,
simultaneamente, o novo Templo de Deus. (1ª Categoria: Mensagens experimentais
no mesmo aposento.)
29. Nas considerações expostas encontram-se os ensinos
teóricos essenciais que se podem extrair das manifestações aqui contempladas,
de modo que me limitarei, a seguir, a dar poucos exemplos desse gênero, a puro
título ilustrativo. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)
Caso 1
30. Colho o seguinte episódio do livro da Sra. Hester
Travers-Smith, Voices from the Void (pág. 48). A referida senhora é
dotada de faculdades mediúnicas incomuns, e o Prof. W. F. Barret fez com ela
uma longa série de experiências, conseguindo ótimos casos de identificação
espírita. Escreveu a Sra. Travers-Smith:
Outro episódio, análogo ao citado, aconteceu certa noite em
que se achava presente o Sr. Y., autor dramático. Eu e a Srta. C. trabalhávamos
como médiuns e o “espírito-guia” descreveu um velho castelo que o Sr. Y. havia
adquirido pouco antes, informando que aquele local era assombrado e que a
assombração se prendia a uma antiquíssima história romântica, história essa que
ele se pôs a narrar. Como a comunicação se tornasse muito longa, eu disse ao
Sr. Y.: “Não lhe parece melhor interromper estas fantasias sem fundamento? Isto
não lhe pode interessar”. Respondeu-me ele: “Ao contrário, interessa-me
muitíssimo, pois que está sendo ditado o enredo de um novo drama”.
Declaro que nem eu nem a Srta. C. conhecíamos coisa alguma
a respeito do drama que estava sendo escrito pelo Sr. Y. (1ª Categoria:
Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 1.)
31. A propósito do incidente exposto, observo, por amor à
verdade, que o “espírito-guia” da médium afirma que tais formas de leitura do
pensamento da subconsciência alheia, como também outros episódios de
comunicações mediúnicas entre vivos, se produzem constantemente por intermédio
dele e, de certo modo, ele o demonstra preanunciando os referidos episódios.
(1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 1.)
32. Observo, ainda, que afirmações de tal natureza ocorrem
frequentemente em experiências congêneres, mas claro é que não podem ser
levadas em consideração devido à impossibilidade de verificar satisfatoriamente
a validade das afirmações. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo
aposento: caso 1.)
33. Devemos também considerar que, se o fato em si pode ser
teoricamente admitido, e até se deve admitir que assim suceda frequentemente
(sempre em homenagem à tese da identidade entre o Animismo e o Espiritismo),
isto não impede que os casos de comunicações mediúnicas entre vivos se realizem
com frequência. De qualquer modo, essas reiterações por parte das
personalidades mediúnicas são de tal sorte insistentes que achei oportuno
reunir os melhores casos desse gênero em uma categoria especial (subgrupo F).
(1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 1.)
Caso 2
34. O seguinte episódio é extraído do vol. III, pág. 295
dos Annali dello Spiritismo in Italia. O Sr. F. Scifoni, um dos mais
notáveis espíritas italianos da primeira hora, escreveu nestes termos ao
diretor da citada revista:
Em 17 de junho de 1863, pouco depois da meia-noite, eu me
achava no escritório, como de costume, absorvido pelo trabalho. Parando para um
breve repouso lembrei-me de ter lido em jornais espíritas ou de magnetismo algo
sobre a experiência da evocação do Espírito de pessoas imersas no sono. Sabia
também que um dos meus amigos havia obtido bons resultados em tais provas, por
mais de uma vez, e assim me veio a vontade de tentá-lo. Morava comigo, havia
muitos meses, o Sr. Vicenzo Tanni, que dormia no meu próprio quarto, contíguo
ao meu gabinete. A porta estava encostada e eu o ouvia roncar ruidosamente,
como de hábito. Aqui declaro que nunca o havia visto acordar, nem mesmo
incomodar-se com qualquer ruído que eu fizesse, de modo que, durante o dia,
muitas vezes ríamos do seu delicioso sono.
Quis então tentar a prova com ele e me esforcei por
concentrar intensamente a minha vontade, como quando, pelo magnetismo, se quer
promover o êxtase do sonâmbulo. Evocado o seu Espírito, comecei logo a
escrever, e a minha mão traçou estas palavras: “Eis-me aqui. Que queres
comigo?” Feitas algumas perguntas e recebidas respostas de pouco valor, escrevi
este pedido: “Ora, meu caro Tanni, queres fazer-me um favor? Quererias dar-me
uma bela prova da realidade das comunicações espíritas, despertando-te por
alguns instantes e chamando-me pelo nome?” E minha mão escreveu: “Sim”. Repito
que me achava em meu gabinete e que ele dormia no quarto anexo. Do lugar em que
fica o gabinete até à parede que o divide do dormitório distam quatro metros.
Eu me mantinha em profundo silêncio e com o ouvido atento para verificar se ele
fazia o menor movimento, porém nada interrompia o seu sono de chumbo.
Continuando sem ouvir coisa alguma, evoco os meus Espíritos familiares e a
minha mão escreve: “Espere mais um pouco”. Espero-o, porém nada ouço...
Desiludido, já pensava em retomar o meu trabalho interrompido, quando de
repente vi o Tanni mover-se e chamar-me distintamente pelo meu nome. Surpreso,
pergunto:
– O que queres?
– Ainda estás de pé?
– Sim. O que queres?
– Nada. – E com uma espécie de incerteza: – Que horas são?
– Meia-noite e trinta e cinco minutos.
– Ah! Supus que já fosse dia.
Em seguida, tornou a dormir profundamente. Pasmo com a
belíssima experiência, pergunto aos meus Espíritos familiares se a demora da
prova não seria talvez devida à falta de firmeza de minha vontade, e a minha
mão escreve: “Sim. Vacilas um pouco; contudo, podes ficar contente com o
resultado”. (1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento: caso 2.)
35. Desejando-se tomar ao pé da letra o desenvolvimento dos
fatos no caso exposto, dever-se-ia dizer que o episódio da comunicação
mediúnica entre vivos, aí contido, poderia ter ocorrido pela intervenção de uma
entidade espiritual, mas como tal circunstância não é demonstrável e como tal
hipótese não é necessária para a interpretação dos fatos, não se deve insistir
nela, pressupondo, ao contrário, a concentração da vontade do experimentador
como tendo sido suficiente, como o é na prática para criar uma condição de
“afinidade psíquica” entre o experimentador e o paciente adormecido, condição
indispensável em tal espécie de experiências. (1ª Categoria: Mensagens
experimentais no mesmo aposento: caso 2.) (Continua na próxima
edição.)
[1] A médium se chamava Stanislawa Tomczik e seu apelido
era Stásia. O Espírito em questão se materializava em tamanho menor que a
médium. Ochorowicz considerava a materialização como desdobramento
psicobiológico da médium e a chamava de Pequena Stásia.
Respostas às
questões preliminares
A. No processo de intercâmbio entre os Espíritos e nós,
existe algum controle exercido por entidades espirituais superiores capaz de
impedir determinadas revelações?
Segundo Ernesto Bozzano, é exatamente isso que é sugerido
pelas explicações dadas por alguns Espíritos comunicantes, quando dizem que não
lhes é permitido responder a determinadas perguntas. (Comunicações
mediúnicas entre vivos - 1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo
aposento.)
B. Em face do controle exercido por entidades espirituais
superiores, deduz-se que as mentiras e as mistificações mediúnicas, da parte
dos comunicantes, seriam por eles permitidas ou pelo menos toleradas?
Bozzano entende que sim. Escreveu ele: “Se há entidades
espirituais superiores que proíbem os Espíritos comunicantes de revelar certos
segredos do Além, para os quais a humanidade não está preparada, fica então
subentendido que as mesmas entidades permitem aos Espíritos em questão suprir
com mentiras a curiosidade dos vivos e, assim sendo, ter-se-á de inferir que,
em certas contingências, também as mentiras seriam justificáveis”. (Obra citada
- 1ª Categoria: Mensagens experimentais no mesmo aposento.)
C. Como entender que as mentiras possam ter permissão dos
Espíritos superiores? Que finalidade isso teria?
Se, de fato, existe permissão superior para que tal se dê,
a conclusão é que as mentiras proferidas em circunstâncias especiais pelas
entidades espirituais inferiores teriam a sua razão de ser, porque
desorientariam os experimentadores demasiadamente crédulos, obrigando-os a
meditar e aprofundar ulteriormente o tema, determinando tréguas providenciais
no progresso das pesquisas metapsíquicas e impedindo as intempestivas
convicções com base na fé cega, isto com toda a vantagem para os métodos de
indagação científica. (Obra citada - 1ª Categoria: Mensagens experimentais no
mesmo aposento.)
Observação:
Para acessar a 1ª Parte deste estudo, publicada na
semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2024/01/comunicacoes-mediunicas-entre-vivos.html
Como consultar as matérias deste
blog? Se você não o conhece, clique em Espiritismo Século XXI e verá como utilizá-lo e seus vários recursos. |
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