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sábado, 20 de janeiro de 2024

 



O Agricultor e sua lavra - I

 

JORGE LEITE DE OLIVEIRA

jojorgeleite@gmail.com

 

Meu amigo Agricultor, citado na última crônica, compareceu com sua família a uma festa familiar, no último fim de semana. Comemoravam-se os aniversários de alguns membros da família, dentre os quais estava sua filha Cris.

Durante o evento, nosso personagem conheceu um senhor septuagenário, como ele, muito simpático, chamado Elias, com quem conversou sobre diversos assuntos. Em dado momento, enveredaram para o tema cultura. Então, ambos concordaram que sabedoria, por vezes, nada tem a ver com conhecimento escolar.

— Machado de Assis — disse Agricultor — ao que se sabe, não concluiu o antigo primário, e é um dos gênios da literatura brasileira.

— Jesus — respondeu Elias, adepto da Igreja Batista — não frequentou escola, no entanto é o filho unigênito de Deus e o ser mais sábio de todas as épocas da humanidade.

Embora Agricultor discorde da ideia de “filho unigênito de Deus”, como creem os evangélicos ser o Cristo filho único de quem ele nos ensinou ser nosso Pai, até aí a conversa fluiu sem oposição. Em dado momento, porém, Elias saiu-se com esta:

— É preciso começar cedo, no estudo, pois depois de velho não adianta mais...

Agricultor, modesto como sempre, concordou em parte, mas adiantou a seu interlocutor que nunca é tarde para aprender algo, ainda mesmo nos bancos escolares.

Não sei se Elias ficou satisfeito com o que ouviu, mas, como é muito educado e respeitoso, mudou de assuntos, tais como futebol e outras amenidades. Então, alma amiga, vou repetir-lhe a história ouvida do Agricultor, parecida com a minha, neste breve espaço.

Órfão de pai aos 11 anos de idade, tal como outros seis irmãos, desde então, ele percebeu quanto sua família precisava unir-se em torno da sobrevivência. Desse modo, assim como seus irmãos, começou a trabalhar aos 13 anos.

Chegado à idade do serviço militar, imaginou fazer carreira e engajou-se no Exército, como soldado, após sua aprovação em primeiro lugar no curso de cabo, sem que nunca o tenham promovido nessa graduação. Ele que, sem conhecimento da carreira militar, pensava alcançar ali altos postos, foi depois selecionado para o curso de sargento. E só. Passados dois anos, como aluno do curso, mas recebendo o soldo de soldado há três anos, ciente e desiludido com aquela realidade, foi promovido a sargento na área de “auxiliar de saúde”. A partir disso, sabia que suas novas promoções jamais dependeriam doutros cursos.

Transferido de estado, morou na Bahia durante três anos. Então, como eu, mudou-se da Bahia para Brasília, agora já casado, e replanejou seu futuro. Aqui, retomou seus estudos escolares interrompidos no segundo ano do ensino médio, no Rio de Janeiro, por força das atividades militares como soldado.

Estava com 32 anos de idade, quando se formou em letras. Durante o dia, atuava em sua especialidade militar. À noite, lecionava no centro de ensino, hoje extinto, chamado Compacto. A diretora dessa instituição, admirada com a dedicação de nosso amigo, admitiu sua inscrição em curso de especialização em língua portuguesa na mesma instituição em que ele se formara. Então, alma boníssima, ela adaptou os dias dele no magistério aos de aluno na especialização.

Concluído o curso do meu amigo, um professor que lhe fora colega na instituição em que aquele acabara de se especializar, optou por cursar mestrado noutro país. Então, Agricultor ocupou sua vaga, cheio de emoção, ao lembrar-se, no primeiro dia de aula, de seu falecido pai, semianalfabeto, que sonhara proporcionar boa educação, no lar e na escola, para seus filhos...

Nosso amigo já estava com 40 anos, quando foi aprovado na seleção para o cargo de professor de língua portuguesa na Secretaria de Educação do Distrito Federal. Aos 42 anos de idade, foi empossado no cargo efetivo de consultor da Câmara Distrital. Aos 52, concluiu a especialização; aos 55, terminou o mestrado, aos 62, concluiu seu doutorado, todos na Universidade de Brasília (UnB). Não satisfeito, cinco anos depois, concluiu o estágio cultural pós-doutoral na Universidade Estadual da Bahia (UNEB).

Por fim, lembra ao novo amigo Elias que tudo isso começou quando Agricultor já estava com 30 anos de idade, continuou nas décadas seguintes e não quer parar nem mesmo após a desencarnação, por sua certeza de que “a morte não existe”. Apenas trocará temporariamente a roupa física pela espiritual.

Na próxima crônica, relatarei um acontecimento extraordinário narrado pelo agricultor durante a festa de aniversário de sua filha, citada no início desta narração. Apenas concluo que nunca é tarde para aprender, pois o corpo envelhece, mas a alma proativa e reativa está sempre em busca de novidades.

         

Acesse o blog: www.jojorgeleite.blogspot.com

 



 

 

 

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