O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 20
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Qual é, dos princípios do
Espiritismo, o primeiro mencionado por Delanne?
B. Qual o segundo princípio da
doutrina espírita citado pelo autor desta obra?
C. Que disse Delanne sobre a alma e
sua essência?
Texto para leitura
488. O clero de todas as religiões
entrou em guerra com o Espiritismo, porque ele destrói a crença no inferno e,
por consequência, as penas eternas. Mina a teoria do pecado original e faz um
Deus bom e misericordioso da divindade zangada e cruel dos padres. A filosofia
espírita não se apoia na fé, mas nas luzes da razão, e para combater o dogma
esteia-se na observação científica.
489. Pode-se daí julgar o acolhimento
que tem. Lembramos a história do arcebispo de Barcelona, fazendo queimar os
livros de Allan Kardec, sob pretexto de feitiçaria. Esse processo renovado da
Inquisição mostra bem o que seria dos espiritistas, se houvesse o poder de
destruí-los.
490. Em França, as imunidades do clero
não vão até lá. Evitamos a fogueira, mas os sacerdotes não deixam de pregar
contra nossa doutrina, que dizem inspirada por Satanás. Essas invectivas não
exercem influência alguma sobre nós, porque há muito tempo não acreditamos mais
em deus do mal. Esse sombrio gênio, inventado pela casta sacerdotal com o fim
de amedrontar os povos infantis da Idade Média, está hoje fora da moda e suas
caldeiras vingadoras fogem diante das luzes do progresso. Fazemos muito alta
ideia da divindade, para não supor que ela criasse seres eternamente votados ao
mal. Aliás, a antiga concepção do inferno está desmentida pelo testemunho
cotidiano dos Espíritos; ela não poderia, pois, influenciar-nos de maneira
alguma.
491. Os Espíritos ensinam a
fraternidade, o perdão das injúrias, à mansuetude para amigos e inimigos.
Dizem-nos que o caminho único da felicidade é o do bem e que os sacrifícios
agradáveis ao Senhor são os que fazemos a nós mesmos. Exortam-nos a vigiar
cuidadosamente nossos atos, a fim de evitar a injustiça; recomendam-nos o estudo
da Natureza e o amor de nossos semelhantes, como meios únicos de elevar-nos
rapidamente para um futuro mais brilhante.
492. Longe de nos dizerem que a
salvação é pessoal, fazem-nos encarar a felicidade de nossos irmãos como o
objetivo superior para o qual se devem dirigir nossos esforços; colocam, enfim,
a felicidade suprema na mais sublime fraternidade, a do coração.
493. Se forem estes os processos
empregados por Satã para perverter-nos, é preciso declarar que eles se
assemelham estranhamente aos que Jesus empregava para reformar os homens, e o
anjo das trevas conduz mal seus negócios, trazendo-nos à virtude pela
austeridade da moral que recomenda em suas comunicações.
494. Se nos é impossível acreditar na
legião dos condenados, não se segue que os maus gozem de impunidade. Em O Céu e
o Inferno, Allan Kardec descreveu o sofrimento dos Espíritos infelizes, e, se o
inferno não existe, nem por isso deixam as almas perversas de sofrer terríveis
castigos. Mas essas penas não serão eternas. Deus permite ao pecador
abreviá-las, dando-lhe a faculdade de resgatá-las por expiações proporcionais
às faltas.
495. Não há mais dolorosas incertezas
sobre o nosso futuro; o além misterioso, velado sob as ficções das religiões,
aparece-nos em toda sua realidade. Não mais inferno, não mais céu, mas a
continuação da vida, que prossegue no tempo e no espaço, eterna como tudo que
existe. A perene ascensão para destinos sempre mais elevados, eis a verdadeira
felicidade. Longe de acreditar em uma beatitude ociosa, colocamos a ventura em
uma atividade incessante e no conhecimento cada vez mais perfeito das leis
universais.
496. Não há mais dogmas, não há mais
coisas incompreensíveis, senão uma harmonia sublime que se revela nos melhores
detalhes dessa imensa máquina que se chama o Universo! E a satisfação profunda
por perceber qual é, em suma, a nossa finalidade na Terra é o resultado do
estudo atento das manifestações espíritas.
497. Para melhor tornar compreensível
o caráter e o alcance científico do Espiritismo, vamos resumir em algumas
palavras os pontos principais sobre que ele se apoia, enviando aos livros de
Alan Kardec os leitores desejosos de estudar mais profundamente esta crença.
498. O Espiritismo ensina, em primeiro
lugar, a existência de Deus, motor inicial e único do Universo; nele se resumem
todas as perfeições, levadas ao infinito. Ele é eterno e todo poderoso. Ninguém
o pode conhecer na Terra, mas todos experimentam suas leis; nosso entendimento
é bem fraco, ainda, para elevar-nos até essas sublimes alturas, mas nos diz a
razão que ele existe, e os Espíritos, mais bem colocados que nós para lhe
apreciarem a grandeza, inclinam-se com respeito diante de sua majestade
infinita.
499. O desejo de conhecer desenvolve
nos corações as aspirações mais nobres e, mais tarde, desembaraçado da matéria,
gravitando para a perfeição, o Espírito fará ideia cada vez mais elevada desse
Onipotente, que ele pressente hoje e que conhecerá um dia.
500. Foi-se o tempo em que se concebia
Deus como potência implacável e vingadora, condenando eternamente o homem pela
falta de um momento. A sombria divindade bíblica não plaina mais sobre nós como
ameaça perpétua; não é mais o Jeová terrível que ordenava o degolamento dos que
não criam nele e que fazia curvar milhares de homens ao sopro de sua cólera,
como uma floresta de caniços, batida pelo aguilhão furioso.
501. O Deus moderno nos aparece como a
expressão perfeita de toda ciência e de toda virtude. Sua inteligência se
manifesta no admirável conjunto das forças que dirigem o Universo, sua bondade
pela lei da reencarnação, que nos permite remir as faltas com expiações
sucessivas e elevar-nos gradativamente até sua infinita majestade.
502. O Deus que compreendemos é a
infinita grandeza, o infinito poder, a infinita bondade, a infinita justiça! É
a iniciativa criadora por excelência, a força incalculável, a harmonia
universal! Paira acima da criação, envolve-a com sua vontade, penetra-a com sua
razão; é por ele que os universos se formam, que as massas celestes rolam seus
esplendores nas profundezas do vácuo, que os planetas gravitam nos espaços
formando radiantes auréolas em torno dos sóis. Deus é a vida imensa, eterna,
indefinível, é o começo e o fim, o alfa e o ômega.
503. O Espiritismo ensina, em segundo
lugar, a existência da alma, isto é, do eu consciente, imortal e criado por
Deus. Ignoramos a origem desse eu, mas, qualquer que seja, cremos que Deus fez
todos os Espíritos iguais e os dotou de iguais faculdades para chegarem ao
mesmo fim – a felicidade. Deu-nos, do mesmo passo que a consciência, o
livre-arbítrio, que nos permite apressar mais ou menos nossa evolução para
destinos superiores. Sabemos que a alma do homem existia antes de seu corpo,
que este poderia não ter existido, que a natureza inteira poderia não existir
sem que a alma fosse atingida por isso; em suma, ela é imaterial e
indestrutível.
504. É o eu consciente que adquire,
por sua vontade, todas as ciências e todas as virtudes, que lhe são
indispensáveis para elevar-se na escala dos seres. A criação não está limitada
à fraca parte que nossos instrumentos permitem descobrir; ela é infinita em sua
imensidade. Longe de considerar-nos como habitantes exclusivamente do pequeno
Globo, o Espiritismo demonstra que devemos ser os cidadãos do Universo.
505. Vamos do simples ao composto.
Partidos do estado rudimentar, elevamo-nos, pouco a pouco, à dignidade de seres
responsáveis. A cada conhecimento novo entrevemos mais vastos horizontes e
experimentamos maior felicidade. Longe de pôr nosso ideal numa ociosidade
eterna, cremos, ao contrário, que a suprema felicidade consiste na atividade
incessante do espírito, no seu conhecimento cada vez maior e no amor que se
desenvolve à proporção que avançamos na estrada árdua do progresso. É o amor o
motor divino que nos arrasta para esse foco radiante que se chama Deus!
506. Compreende-se que essas ideias
nos obriguem a admitir a pluralidade das existências, ou seja, a lei da
reencarnação. Quando se pensa, pela primeira vez, na possibilidade de viver
grande número de vezes na Terra, em corpos humanos diferentes, a ideia parece
bizarra; quando, porém, se reflete na soma enorme de aquisições que devemos
possuir para habitar a Europa, na distância que separa o selvagem do homem
civilizado e na lentidão com a qual se adquire um hábito, logo se vê desenhar a
evolução dos seres e se concebem as vidas múltiplas e sucessivas, como uma
necessidade absoluta imposta ao Espírito, tanto para adquirir o saber como para
resgatar as faltas que se tenham podido cometer anteriormente.
507. A vida da alma, sob este ponto de
vista, demonstra que o mal não existe, ou melhor, que ele é criado por nós, em
virtude de nosso livre-arbítrio. Deus estabelece leis eternas que não devemos
transgredir, mas se não nos conformamos com elas, ele nos deixa a faculdade de
remir, por novos esforços, as faltas ou crimes cometidos. É assim que os
Espíritos, ajudando-se uns aos outros, chegam à felicidade, que é o apanágio de
todos os filhos de Deus.
508. Nossa filosofia enriquece o
coração; ela considera os infelizes, os deserdados do mundo como irmãos a quem
devemos socorrer. Pensamos, pois, que uma simples questão de tempo separa os
mais embrutecidos selvagens dos homens geniais das nações civilizadas. O mesmo
acontece no ponto de vista moral, e os monstros como os Neros e os Calígulas
podem chegar ao mesmo grau de São Vicente de Paulo.
509. O Espiritismo destrói
completamente o egoísmo. Ele proclama que ninguém pode ser feliz se não ama
seus irmãos e não os ajuda a progredir moral e materialmente. Na lenta evolução
das existências, podemos ser por diversas vezes e reciprocamente: pai, mãe,
esposa, filho, irmão... Cimentam-se, assim, os poderosos laços do amor. É pelo
auxilio mútuo que adquirimos as virtudes indispensáveis ao nosso adiantamento
espiritual.
510. Nenhuma filosofia se elevou a
mais alta concepção da vida universal, nenhuma pregou moral mais pura. É por
isso que, detentores de uma parte da verdade, apresentamo-la ao mundo apoiada
sobre as bases inabaláveis da observação física.
511. Ciência progressiva, o
Espiritismo se baseia na revelação dos Espíritos. Ora, estes, à medida que
progridem, descobrem verdades novas, de modo que seu ensino é gradativo e se
amplia à medida que eles próprios se tornam mais instruídos.
512. Não temos dogmas nem pontos de
doutrina inabaláveis; fora das comunicações dos mortos e da reencarnação, que
estão absolutamente demonstradas, admitimos todas as teorias que se ligam à
origem da alma e ao seu futuro. Em uma palavra, somos positivistas espirituais,
o que nos dá incontestável superioridade sobre as outras filosofias, cujos
adeptos estão encerrados em estreitos limites.
513. Demonstramos anteriormente que a
alma é imortal, isto é, que quando o corpo que ela habita se destrói, ela não é
atingida por essa transformação, conserva sua individualidade e pode ainda
manifestar sua presença por intervenções físicas. Levanta-se aqui uma
dificuldade. Como fazer compreender a ação da alma sobre o corpo?
514. Segundo a filosofia e segundo os
Espíritos, a alma é imaterial, ou seja, não tem ponto algum de contato com a
matéria que conhecemos. Não se pode conceber que a alma tenha propriedades
análogas às dos corpos da natureza, pois que o pensamento, que dela é a imagem,
a emanação, escapa a qualquer medida, a toda análise física ou química.
515. A fim de precisar bem o nosso
pensamento, desejamos instruir nossos leitores sobre o sentido desta palavra
imaterial, para que ela não se preste à confusão.
516. Pretendemos que nenhum estado da
matéria pode fazer-nos compreender o da alma e, entretanto, a Ciência chegou a
resultados surpreendentes quanto à divisão da matéria. Eis o que resulta das
experiências de Crookes, na Academia de Ciências.
517. Sabe-se que esse físico tem uma
teoria especial, segundo a qual as moléculas dos corpos gasosos podem mover-se
por suas próprias forças, quando se lhes diminui o número, fazendo o vácuo.
Para chegar a esse resultado é preciso operar com precisão extrema e empregar
manipulações numerosas e complicadas. Crookes chegou a fazer o vazio de tal
forma, que a pressão do ar no aparelho foi reduzida a um milionésimo de
atmosfera. Nessas condições, manifestam-se os caracteres do estado radiante.
518. Habitualmente, os fenômenos
novos, em física ou química, são produzidos por adição de matéria; é curioso
verificar que aqui, ao contrário, efeitos de extrema energia resultam de uma
subtração de matéria; foi reduzindo-a quase a nada, rarificando-a além do
verossímil, que Crookes obteve os singulares fenômenos. Quanto mais ele retira
a matéria, tanto mais surpreendente se toma a ação. É a física do nada, e
fica-se tentado a perguntar se ele tem o direito de atribuir à matéria efeitos
tão poderosos, quando fez tantos esforços por desembaraçar-se dela. Não deve
subsistir equívoco a este respeito e não devemos julgar segundo a impressão de
nossos sentidos aquilo que pode perfeitamente lhes escapar.
519. A Natureza vai muito além de
nossas sensações; é preciso, pois, pormo-nos ao abrigo de nossos erros. Quando
as mais aperfeiçoadas máquinas subtraíram de um espaço fechado tanto ar, tanto
gás quanto foi possível, não se segue que muito ainda não possa lá ficar.
520. Crookes reduziu o conteúdo de
seus tubos a um milionésimo do ar que conhecemos, e que é tão impalpável que o
deslocamos a cada instante, sem ter consciência de que ele está em torno de
nós. Pareceria que o milionésimo de coisa tão insignificante fosse para nós
menos que nada. Esse julgamento é falso, como vamos ver.
Respostas às questões preliminares
A. Qual é, dos princípios do Espiritismo, o primeiro
mencionado por Delanne?
A existência de Deus, motor inicial e
único do Universo, em que se resumem todas as perfeições, levadas ao infinito.
Deus é eterno e todo poderoso. Ninguém o pode conhecer na Terra, mas todos
experimentam suas leis. Nosso entendimento é bem fraco, ainda, para elevar-nos
até essas sublimes alturas, mas nos diz a razão que Ele existe, e os Espíritos,
mais bem colocados que nós para lhe apreciarem a grandeza, inclinam-se com
respeito diante de sua majestade infinita. (O
Espiritismo perante a Ciência, Terceira Parte, Cap. III - As objeções.)
B. Qual o segundo princípio da doutrina espírita citado
pelo autor desta obra?
A existência da alma, isto é, do eu
consciente, imortal e criado por Deus. Deus fez todos os Espíritos iguais e os
dotou de iguais faculdades para chegarem ao mesmo fim – a felicidade. É o eu
consciente que adquire, por sua vontade, todas as ciências e todas as virtudes,
que lhe são indispensáveis para elevar-se na escala dos seres. (Obra citada, Terceira Parte, Cap. III - As
objeções.)
C. Que disse Delanne sobre a alma e sua essência?
Primeiro, ele demonstrou que a alma é
imortal, isto é, quando o corpo que ela habita se destrói, ela não é atingida
por essa transformação, conserva sua individualidade e pode ainda manifestar
sua presença por intervenções físicas. Segundo, que a alma é imaterial, ou
seja, não tem ponto algum de contato com a matéria que conhecemos. (Obra
citada, Quarta Parte, Cap. I – Que é o perispírito?)
Observação:
Para acessar a parte 19 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/07/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_24.html
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