O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 19
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Numa comunicação mediúnica, o nome
com que o Espírito a assina é importante?
B. Qual o objetivo principal da
ciência espírita?
C. Que diz Delanne a respeito da
reencarnação?
Texto para leitura
459. Entre as objeções, que nunca
deixam de ser dirigidas aos espiritistas, acha-se a seguinte: – Por que, se os
fenômenos que produzis são reais, não podeis obtê-los à vontade perante os
incrédulos?
460. A resposta é fácil. Verificou-se,
pela experiência, que para ter comunicações dos Espíritos são necessárias
várias condições: 1º – é preciso um médium; 2º – é necessário que sua faculdade
corresponda ao gênero de manifestação que se pede. Assim, o médium da evocação
pela mesa não será o mesmo que o da escrita, como pode suceder que o médium
vidente não seja auditivo.
461. Há pessoas privilegiadas, que
reúnem muitas faculdades em alto grau, como Home e Slade, mas entre esses
favoritos, a mediunidade não é constante; vê-se submetida a flutuações e mesmo
a suspensões que lhes tiram todo o poder. De sorte que, para convencer um
incrédulo, não basta sempre ter um médium; é preciso saber se ele estará em
boas condições para servir de intermediário aos Espíritos. Ignoram-se, ainda,
quais são as leis que dirigem essa espécie de fluxo e refluxo da mediunidade,
mas cremos que é possível atribuí-las a duas causas: ou à saúde física do
médium, ou aos Espíritos, que não podem ou não querem manifestar-se.
462. Pôde-se notar em médiuns
poderosos, como Florence Cook, Home e Slade, depois das sessões espíritas de
manifestações, um tal desperdício de forças que produzia mal-estar,
desfalecimentos, e que não lhes permitia, por muito tempo, dar outras sessões.
Esse estado de prostração pode ser assemelhado às intermitências que se notam
na vidência dos sonâmbulos.
463. É preciso, ainda, considerar que
os Espíritos são seres como nós, submetidos a leis que não lhes é possível
frustrar à sua vontade, e que têm, além disso, seu livre-arbítrio, em virtude
do qual não são nunca obrigados a responder à nossa chamada.
464. Uma queixa que vemos, muitas
vezes, formular é precisamente o absurdo que há no acreditar que filósofos como
Sócrates, físicos como Newton, poetas como Corneille, sejam forçados a vir
palestrar com meia dúzia de basbaques, em torno de uma mesa. Seria ridículo de
fato. A Doutrina Espírita ensina, pelo contrário, que os Espíritos podem
responder às nossas evocações, mas que só o fazem quando julgam necessário.
465. Se os experimentadores só buscam
nas práticas espíritas um divertimento pueril, poderão ficar certos de que
serão vítimas de Espíritos farsistas, os quais lhes virão contar todos os
disparates possíveis, e isto sob a capa dos mais ilustres nomes.
466.Em geral, ignora-se que o mundo
dos Espíritos é composto dos mais diversos elementos. Assim como na Terra
encontramos inteligências em todos os graus de desenvolvimento, também no mundo
espiritual, que é o nosso com o corpo de menos, há individualidades de escol ao
lado dos mais atrasados Espíritos. Podemos, pois, obter ditados espíritas, que
variam de elevação moral conforme o ser que os produz. O nome com que um
Espírito se assina é de importância secundária; o que importa considerar são as
ideias emitidas. Se o ensino é grandioso, se prega o amor de nossos
semelhantes, se nos faz compreender as leis da moral, ele emana de um Espírito
elevado; se a comunicação encerra ideias vulgares, enunciadas em termos
impróprios, o Espírito é pouco adiantado.
467. Todas essas observações foram
feitas muitas vezes por Allan Kardec, nos seus livros e na revista que dirigia,
mas os nossos contraditores nunca se deram ao trabalho de as ler, de sorte que
somos obrigados a recapitulá-las.
468. Os observadores sérios, desejosos
de saber o que há de verdade no Espiritismo, submeteram-se a todas as condições
indispensáveis para o bom êxito da experiência. Longe de exigirem, desde a
primeira sessão, provas convincentes, lenta, metodicamente é que se
familiarizaram com todas as fases do fenômeno. Barkas esteve em expectativa 10
anos. Crookes 6, Oxon 8. Foi pelo estudo atento dos fatos, quando se habituaram
às singularidades aparentes das manifestações, que procuraram as causas capazes
de produzi-los; depois de reunirem grande quantidade de observações, em
diferentes meios, fizeram-lhes a síntese e concluíram finalmente pela
existência e intervenção dos Espíritos.
469. Continuemos o exame das críticas
ao Espiritismo. Tem-se feito a seguinte pergunta: – Supondo que o Espiritismo
seja uma verdade, por que os Espíritos, para se manifestarem, têm necessidade
de uma mesa e de um médium?
470. Seria absurdo supor que um
Espírito seja obrigado, para dar-nos instruções ou conselhos, a vir alojar-se
num pé de mesa, ou de cadeira, ou de guéridon,
porque se veria privado de comunicações quem não possuísse esses móveis;
demais, não são eles de uma virtude especial que possa legitimar um tal poder.
471. É preciso familiarizar-nos com a
vida dos Espíritos e seu modo de operar, para compreender o que se passa na
tiptologia. Os Espíritos sempre existiram, pois são eles que, pela encarnação,
povoam a Terra; também sempre exerceram influência no mundo visível, por
manifestações físicas e inspirações dadas aos homens. Os pensamentos soprados
no cérebro do encarnado não deixam traços, mas, se os invisíveis querem mostrar
sua presença de maneira ostensiva, servem-se de um médium, que lhes empresta o
fluido necessário, e põem em movimento o primeiro objeto que se lhes depara,
mesa ou cadeira, de maneira a assinalar sua presença. A mesa não é condição
indispensável do fenômeno, mas dela se servem os Espíritos, e eis tudo. Ele, o
médium, é necessário, porque sem a sua ação nada pode produzir-se; mas ele é
simples intermediário, muitas vezes inconsciente, e não tem outro mérito que o
da docilidade.
472. Uma causa de espanto para os que
conhecem pouco os princípios da Doutrina Espírita é que os Espíritos não respondem
sempre quando os interrogam sobre o futuro ou quando lhes apresentam questões
relativas à solução de certos problemas científicos. As perguntas que se ouvem
a cada instante provam uma ignorância completa da missão dos Espíritos e do fim
de suas manifestações. Todo pedido de interesse puramente pessoal, de
sentimento egoístico, não recebe resposta e, se alguma aparece, provém de
Espíritos farsistas, que procuram enganar-nos. Não é preciso esconder que os
Espíritos sérios e adiantados são exceção, porque se assim não fosse o nosso
mundo seria mais perfeito.
473. Há, no espaço, seres que cercam,
que se interessam por nossa vida e procuram, frequentemente, divertir-se à
nossa custa, quando percebem que a cupidez e outras vistas são os únicos móveis
de um consulente. Empregam mil facécias, de que o imprudente é a vítima. Vemos
com pena aqueles que no Espiritismo só buscam objetos perdidos, pedem conselhos
sobre sua posição material ou procuram descobrir tesouros ocultos.
474. A ciência espírita tem um fim mais
nobre, mais grandioso; seu principal objetivo é demonstrar a existência da alma
depois da morte; alcançasse somente esse resultado, e as consequências daí
decorrentes, sob o ponto de vista moral e social, seriam já consideráveis. Mas
não se limitam a isso seus benefícios. Ela nos fornece informações seguras
sobre a outra vida, permite-nos compreender a bondade e a justiça de Deus,
dá-nos a explicação de nossa existência na Terra; numa palavra, é a ciência da
alma e de seu destino.
475. Isto nos leva a falar das
instruções que recebemos dos Espíritos Superiores, a quem chamamos guias. Eles
já desvelaram a nossos olhos uma grande parte dos mistérios que encobriam o
futuro além da morte, iniciando-nos nos esplendores da vida espiritual e
fazendo-nos entrever as grandes leis que dirigem a evolução das coisas e dos
seres a destinos mais elevados. Mas não nos podem dizer tudo, porque, então,
nenhum mérito haveria de nossa parte, e como nossas aquisições espirituais
devem ser o resultado de nossos esforços, não lhes é permitido revelar-nos tudo
o que sabem.
476. Por outro lado, é evidente a
necessidade de proporcionarem o ensino conforme o adiantamento dos homens. Que
se diria de um professor que quisesse ensinar cálculo integral a uma criança de
dez anos? Da mesma maneira, os Espíritos só nos podem revelar progressivamente
as verdades que eles conhecem, à medida que nos tornamos mais aptos a
compreendê-las.
477. Deram eles, entretanto, por
comunicações, as mais altas ideias a que chegaram as deduções modernas. Allan
Kardec pregava a unidade da força e da matéria, em uma época em que essas
noções estavam longe de ser admitidas pela ciência oficial. Nossos guias
prometem-nos para o futuro revelações ainda mais grandiosas; é por isso que,
encorajados pelo que eles já nos anunciaram, esperamos, com paciência, novos
descobrimentos no futuro.
478. Julgam um argumento decisivo
contra os espíritas não terem os Espíritos de diferentes países a mesma opinião
sobre grande número de pontos: uns admitem a reencarnação, enquanto outros a
rejeitam; uns são católicos, outros sustentam o protestantismo. Parte-se daí
para afirmar que as comunicações podem bem ser o reflexo do espírito dos
médiuns, segundo a equação pessoal de cada um, como diz Dassier.
479. Já combatemos essa maneira de ver
e mostramos que, quando a influência espiritual se exerce, são inteligências
estranhas ao médium que produzem o fenômeno; demais, dizem elas ter vivido na
Terra, não uma vez, mas muitas vezes. Não há razão para duvidar dessa
afirmativa, tanto mais que ela corrobora um sistema filosófico da mais severa
lógica. A pluralidade das existências da alma concilia todas as dificuldades
que as religiões atuais não podem resolver, eis por que adotamos esta maneira
de ver.
480. A reencarnação é uma lei sem a
qual não se poderia compreender a justiça de Deus. Ela é confirmada por
milhares de seres, que denotam, no raciocínio e no estilo, adiantamento
espiritual. Devemos, pois, concluir, que os Espíritos que não partilham essas
ideias são almas atrasadas, que chegarão mais tarde à verdade. Na Terra, mesmo
em país civilizado, como o nosso, poucos homens conhecem os ensinos da ciência.
Se nos colocarmos na via pública, detivermos vinte transeuntes e nos pusermos a
examinar-lhes os conhecimentos, dezoito, pelo menos – poderíamos apostar –
seriam incapazes de dar esclarecimentos exatos sobre as diferentes funções da
digestão. E haverá fenômeno mais habitual e mais frequente que este? Ora, se a
multidão é tão pouco instruída sobre o que mais lhe importaria saber, com mais
forte razão descuidará dos complicados problemas de que depende a vida
espiritual.
481. O mundo dos Espíritos é
absolutamente igual ao nosso e por isso não nos devemos espantar das
divergências nas comunicações. Longe de aceitar todas as ideias que nos chegam
pelo canal dos médiuns, convém passar pelo crivo da razão as teorias que nos
apresentam, e rejeitar, sem hesitação, as que não estão em perfeito acordo com
a lógica.
482. Deus colocou em nós este archote
divino, que nada deve extinguir, e é um sagrado direito crer tão-só naquilo que
compreendemos nitidamente. Eis por que o Espiritismo, tão bem resumido nas
obras de Kardec, responde às aspirações de nossa época, e daí sua rápida
propagação no mundo.
483. Um escritor positivista, Dassier,
teve a pretensão de libertar o homem do que ele chama “as enervantes
alucinações do Espiritismo”. Depois de tanta promessa, esperávamos uma
refutação em regra de todos os argumentos espíritas, mas nos achamos em face de
uma reedição disfarçada de velhos agravos: charlatanismo, superstição, etc.
Dassier, entretanto, dá um passo à frente: consente em crer que é uma realidade
o que chamamos perispírito; denomina-o duplo fluídico, personalidade póstuma ou
mesmeriana, e lhe atribui os mais extensos poderes.
484. Esse autor reuniu documentos
notáveis que provam que o homem é duplo e que, em certas circunstâncias, se
pode produzir uma separação entre os dois princípios que o compõem. Voltaremos
mais particularmente a este estudo nos capítulos seguintes. Assinalemos somente,
aqui, o processo de Dassier que, combatendo nossas doutrinas, reconhece,
entretanto, a exatidão dos fatos afirmados por Allan Kardec e a boa-fé dos
médiuns. Ele crê explicar tudo pela hipótese da transmissão do pensamento e da
sobrevivência temporária da individualidade. Segundo ele, no momento da morte,
a força vital não fica aniquilada; o que formava o duplo fluídico pode viver
ainda algum tempo, mas se vai dividindo e desagregando à medida que os
elementos que o constituem vão juntar-se aos seus similares na Natureza.
485. Para refutar esta doutrina, basta
dizer que temos milhares de comunicações que nos afirmam o contrário. Aliás, o
autor se limita a expor sua maneira de ver, sem dar-se ao incômodo de fornecer
provas. Lançou mão, apenas, em seu proveito, de parte das teorias teosóficas,
que admitem, também, que os homens não têm todos, no mesmo grau, a
possibilidade de atingir a imortalidade.
486. Todos esses sistemas provam o
progresso em relação ao materialismo puro, mas não podem satisfazer àqueles que
não se limitam a noções vagas e que exigem dados positivos nos quais assentem
suas convicções. Procuraram assemelhar o médium escrevente a um sonâmbulo
lúcido. Sabe-se, com efeito, que o magnetizador pode, em certos casos, fazer
com que o paciente execute os movimentos nos quais ele pensa, sem ser obrigado
a enunciar, oralmente, sua vontade. Não se pode estabelecer qualquer analogia
entre esse fato e a mediunidade.
487. Nas experiências espíritas o
médium não dorme e o evocador é, muitas vezes, ignorante das práticas
magnéticas. O pensamento do consultante não poderia, pois, produzir os efeitos
verdadeiramente notáveis que se observam. Além disso, o médium mecânico pode
sustentar uma conversa, enquanto sua mão escreve automaticamente, estando ele
intelectualmente em estado normal. Não é possível comparar esse estado com o
sonambulismo natural ou provocado.
Respostas às questões preliminares
A. Numa comunicação mediúnica, o nome com que o Espírito a
assina é importante?
Não. Os ditados espíritas variam de
elevação moral conforme o ser que os produz. O nome com que um Espírito os
assina é de importância secundária; o que importa considerar são as ideias
emitidas. Se o ensino é grandioso, se prega o amor de nossos semelhantes, se
nos faz compreender as leis da moral, ele emana de um Espírito elevado; se a
comunicação encerra ideias vulgares, enunciadas em termos impróprios, o
Espírito é pouco adiantado. (O Espiritismo
perante a Ciência, Terceira Parte, Cap. III - As objeções.)
B. Qual o objetivo principal da ciência espírita?
Seu principal objetivo é demonstrar a
existência da alma depois da morte. Alcançasse ela somente esse resultado, e as
consequências daí decorrentes, sob o ponto de vista moral e social, seriam já
consideráveis. Mas não se limitam a isso seus benefícios. Ela nos fornece
informações seguras sobre a outra vida, permite-nos compreender a bondade e a
justiça de Deus, dá-nos a explicação de nossa existência na Terra; numa
palavra, é a ciência da alma e de seu destino. (Obra citada, Terceira Parte,
Cap. III - As objeções.)
C. Que diz Delanne a respeito da reencarnação?
Segundo Delanne, a reencarnação é uma
lei sem a qual não se poderia compreender a justiça de Deus. Ela é confirmada
por milhares de seres, que denotam, no raciocínio e no estilo, adiantamento
espiritual. Os Espíritos que não partilham essas ideias são almas atrasadas,
que chegarão mais tarde à verdade. (Obra citada, Terceira Parte, Cap. III - As
objeções.)
Observação:
Para acessar a parte 18 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/07/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_17.html
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