Revista Espírita de 1868
Allan Kardec
Parte 4
Continuamos o estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1868, periódico
editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo baseia-se na tradução feita por
Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do ano de 1868 pertence a uma série iniciada em
janeiro de 1858 por Allan Kardec, que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando
desencarnou.
Cada parte do estudo, que é apresentado às
quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final
do texto abaixo.
Questões
preliminares
A. Que se deve entender por estas palavras: fim do mundo?
B. O Espírito modifica no mundo espiritual as ideias que
nutria quando encarnado?
C. O Espiritismo ensina que é preciso esperar, amar,
perdoar. É preciso esperar o quê? Perdoar a quem? Amar a quem?
Texto para leitura
43. Tendo sido o assunto comentado na Sociedade Espírita
de Paris, o Espírito de Jobard deu espontaneamente a 28 de fevereiro uma
comunicação esclarecedora, de que extraímos as observações que se seguem: I – O
fim do mundo está, sim, próximo; mas, o fim de que mundo? II – Será o fim do mundo da superstição, do
despotismo, dos abusos; será o fim do mundo egoísta e orgulhoso, do pauperismo,
de tudo o que é vil e que rebaixa o homem; numa palavra, de todos os
sentimentos baixos e cúpidos, que são o triste apanágio do vosso mundo. III –
Se refletirmos em tudo o que se passa em volta de vós, vereis que esses sinais
precursores são o sinal de começo de um novo mundo, quero dizer de um outro mundo
moral, antes que a destruição do mundo material. IV – Sim, um período de
depuração terrestre termina neste momento; um outro vai começar... Tudo
concorre para o fim do velho mundo, e os que se esforçam por sustê-lo,
trabalham, sem o querer, para a sua destruição. V – Sim, o fim do mundo está
próximo para eles que o pressentem e, por isso, se apavoram. Entre o velho
mundo e o novo não haverá, porém, solução de continuidade. VI – É assim que se
deve entender o fim do mundo, que tantos sinais precursores pressagiam. (Págs.
114 a 116.)
44. Um dos correspondentes da Revista relatou a Kardec o
fato seguinte. O padre de certa localidade, tendo sabido que uma de suas
paroquianas tinha em seu poder O Livro dos Espíritos, foi à sua casa e,
depois de ofendê-la e ameaçá-la, tomou-lhe o livro e levou-o. Dias depois, sem
se abalar com os impropérios recebidos, a senhora foi à casa paroquial reclamar
o livro, dizendo de si para consigo que, caso ele não o devolvesse, não seria
difícil adquirir outro. O padre restituiu-lhe a obra, mas num estado que
provava que uma santa cólera se havia descarregado sobre ela. O livro estava
rasurado e cheio de anotações em que os Espíritos eram chamados de mentirosos,
de demônios e de estúpidos. A fé daquela mulher, longe de ficar abalada, foi
mais do que fortificada porque, como reza o ditado, apanham-se mais moscas com
mel do que com vinagre. O sacerdote apresentou-lhe vinagre; ela preferiu o mel,
e ainda disse: “Perdoai-lhe, Senhor, porque ele não sabe o que fez”. (Pág.
117.)
45. Cenas desta natureza, informa o Codificador, eram
muito frequentes há sete ou oito anos, e tinham por vezes um caráter de
violência que caía no burlesco. Houve certa vez um missionário que espumava de
raiva pregando contra o Espiritismo, e se agitava com tanto furor que os fiéis
temiam que ele caísse do púlpito. Outro pregador convidava todos os que
possuíssem obras espíritas que as trouxessem, para fazer uma fogueira em praça
pública. Um escritor moderno lamentou há pouco que não tivessem queimado
Lutero, pensando que dessa forma o protestantismo seria destruído em suas
raízes. Ora, se o tivessem feito, o protestantismo talvez estivesse duas vezes
mais espalhado. João Hus foi queimado vivo e que ganhou com isto o concílio de
Constança? Apenas uma nódoa indelével, enquanto que as ideias do mártir não
foram queimadas, constituindo-se num dos fundamentos da Reforma. A posteridade
conferiu a glória a João Hus e a vergonha ao concílio. (Págs. 117 a 121.)
46. Desde muito tempo, diz Kardec, sabia-se que Cadiz
(Espanha) era a sede de um importante centro espírita. Mas não só isto; os
espíritas de Cadiz reivindicam algo mais: a honra de ter sido aquela cidade uma
das primeiras, se não a primeira, na Europa, a possuir uma reunião espírita
constituída, que recebia comunicações regulares dos Espíritos, pela escrita e
pela tiptologia, sobre temas de moral e filosofia. Um livro impresso em Cadiz
em 1854 dá inteira razão aos confrades espanhóis. Em seu prefácio se explica
como foram descobertas as mesas falantes e a maneira de as utilizar. O livro
traz, em seguida, o relato das respostas dadas a perguntas feitas aos Espíritos
numa série de sessões realizadas em 1853. O processo consistia no emprego de
uma mesinha de três pés e de um alfabeto dividido em três séries, correspondendo
cada uma a um dos pés da mesinha. (Págs. 122 a 126.)
47. Kardec reproduz vários trechos contidos no livro, dos
quais extraímos as informações seguintes: I – Há um outro modo de nos
comunicarmos com os Espíritos? – Sim, pelo pensamento. II – E como poderíamos
nos entender com o pensamento dos Espíritos? – Pela concentração. III – Como se
obtém a felicidade? – Amando-vos uns aos outros. IV - Que forma revestem os
Espíritos? – A forma humana. Há dois corpos: um material, outro de luz. V – O
corpo de luz é o Espírito? – Não; é uma agregação de éter; fluidos leves formam
o corpo de luz. VI – Que é um Espírito? – Um homem em estado de essência. VII –
Qual o seu destino? – Organizar o movimento material cósmico; cooperar com Deus
para a ordem e nas leis dos mundos no universo. VIII – Existem outros mundos
habitados? – Cada globo do sistema solar é habitado por uma humanidade como a
vossa. IX – Por que nem sempre os Espíritos vêm ao nosso apelo? – Porque estão
muito ocupados. X – Como distinguir os Espíritos levianos dos Espíritos sérios?
– Por suas respostas. XI – Podem os Espíritos tornar-se visíveis? – Algumas
vezes. XII – Qual a verdadeira religião? – Amar-vos uns aos outros. (Págs. 122
a 124.)
48. A respeito dos trabalhos atuais da Sociedade Espírita
de Cadiz, o correspondente da Revista diz que o grupo se reunia cinco vezes por
semana. Em cada noite a sessão era aberta pelo Espírito do Dr. Gardoqui, que
fora médico na cidade. Depois de dar conselhos aos presentes, o Dr. Gardoqui
visita os doentes relacionados pelo grupo e indica os remédios necessários,
quase sempre com sucesso. Em seguida, comunica-se o Espírito familiar do
círculo, que traz outros Espíritos, tanto superiores para os instruir, quanto
inferiores para serem ajudados com os conselhos e o encorajamento dos
encarnados. (Págs. 124 a 126.)
49. Finalizando o artigo, Kardec observa que o
pioneirismo de Cadiz no tocante aos estudos espíritas é mais uma prova de que o
movimento regenerador recebe seu impulso de mais alto que a Terra e que seu
foco está em toda a parte, sendo, pois, temerário tentar abafá-lo, visto que,
em falta de uma saída, há mil outras pelas quais será feita a luz. Para que
servem as barreiras contra aquilo que vem do alto? (Pág. 126.)
50. Comunicação mediúnica recebida em Joinville,
Haute-Marne, a 10 de março de 1868, diz que soou a hora da libertação da
mulher, que deseja ser livre e para isto precisa libertar sua inteligência dos
erros e dos preconceitos do passado. Esclarece o instrutor espiritual que é
pelo estudo que ela alargará o círculo de seus conhecimentos estreitos e
mesquinhos. Conhecendo as leis que regem os mundos, ela compreenderá Deus de
modo diferente do que lhe ensinam, e não mais acreditará em um Deus vingador,
parcial e cruel, porquanto sua razão lhe dirá que a vingança, a parcialidade e
a crueldade não podem conciliar-se com a justiça e a bondade. Finalizando a
mensagem, o amigo espiritual disse estas palavras proféticas: “Ela reclama sua
parte de atividade intelectual, e a obterá, porque há uma lei mais poderosa do
que todas as leis humanas; é a lei do progresso, à qual toda a criação está
submetida”. (Págs. 126 e 127.)
51. Na abertura da Revista de maio lê-se a sexta e última
carta enviada por Lavater à Imperatriz Maria. Com a carta, Lavater enviou uma
longa mensagem mediúnica datada de 1798 em que o comunicante fala das relações
existentes entre os Espíritos e os seres que eles amaram na Terra. Segundo ele,
existem relações imperecíveis entre os mundos visível e invisível e uma ação
benéfica recíproca de cada um desses mundos sobre o outro. (Págs. 129 a 135.)
52. Seria supérfluo, diz Kardec, ressaltar a importância
das cartas de Lavater, que, por toda a parte, excitaram o mais vivo interesse.
Elas atestam não só o conhecimento dos princípios fundamentais do Espiritismo,
mas uma justa apreciação de suas consequências morais. Apenas sobre alguns
pontos as ideias de Lavater diferiam das que o Espiritismo ensina, fato
reconhecido pelo próprio Lavater em comunicação dada verbalmente a 13 de março
de 1868 na Sociedade Espírita de Paris. (Págs. 135 e 136.)
53. Nessa comunicação, Lavater diz que os estudos
realizados pelos Espíritos são mais vastos que os estudos dos homens, mas
partem sempre dos conhecimentos adquiridos e do ponto culminante do progresso
moral e intelectual do tempo e do meio em que vivem. O Espiritismo, diz
Lavater, não foi revelado abruptamente, mas desenvolveu-se lenta, segura e
progressivamente. O Espiritismo – que está fadado a fazer muito grandes
revoluções – será, um dia, a fé universal, e os povos admirar-se-ão de que não
tenha sido sempre assim. (Págs. 136 a 140.)
54. Em Caen, uma senhora e suas três filhas, querendo
estudar a doutrina espírita, não podiam ler duas páginas sem sentir um
mal-estar, de que não davam conta. Um dia, uma jovem médium, posta em estado
sonambúlico, viu na casa um Espírito de um padre da localidade, morto havia dez
anos. Era ele que impedia a família de ler. Algum tempo depois, devidamente
esclarecido no grupo espírita da cidade, ele se transformou por completo, a
ponto de exclamar: “Sim, agora sou espírita, dizei-o a todos os que ensinam.
Ah! eu queria que compreendesse Deus como este anjo mo fez conhecer!” O
ex-padre referia-se a Cárita, que tinha vindo até ele e diante da qual
prostrou-se de joelhos, dizendo dela que não era um Espírito, mas um anjo.
(Págs. 140 e 141.)
55. Este caso e um outro pertinente ao Espírito do Dr.
X..., que fora um médico céptico e se transformara após a morte com os
esclarecimentos recebidos no grupo espírita de Caen, confirmam três grandes
princípios revelados pelo Espiritismo: 1º
– Que a alma conserva no mundo espiritual, por um tempo mais ou menos longo, as
ideias e os preconceitos que tinha na vida terrestre. 2º – Que ela se modifica,
progride e adquire novos conhecimentos no mundo dos Espíritos. 3º – Que os
encarnados podem contribuir para o progresso dos Espíritos desencarnados.
(Págs. 141 e 142.)
56. Progredindo o Espírito fora da encarnação, disso
resulta que, ao voltar à Terra, ele traz o produto do que adquiriu nas
existências anteriores e no estado de erraticidade. É assim que se realiza o
progresso das gerações. Quando o médico e o padre citados acima reencarnarem,
trarão ideias e opiniões diversas das que tinham na existência recém-finda. Um
não será mais fanático, o outro não será mais materialista, e ambos serão
espíritas. Há, pois, utilidade para o futuro da sociedade em nos ocuparmos também
com a educação dos Espíritos. (Pág. 142.)
57. Numa reunião íntima de família, em que se faziam
exercícios de tiptologia, manifestou-se um médico distinto, morto há pouco e
que, em vida, fizera abertamente profissão do mais absoluto materialismo. O médico
(designado pelo pseudônimo Philippeau) fez diversas perguntas, que foram
respondidas por outro Espírito, que assinou Sainte Victoire. A primeira
pergunta do médico foi: “O Espiritismo me ensina que é preciso esperar, amar,
perdoar; eu faria tudo isto se soubesse como me haver para começar. É preciso
esperar o quê? Perdoar o quê e a quem? Amar a quem?” A resposta foi bem clara:
“Há que esperar na misericórdia de Deus, que é infinita; há que perdoar aos que
vos ofenderam; há que amar ao próximo como a si mesmo; há que amar a Deus, a
fim de que Deus vos ame e vos perdoe; há que orar e lhe render graças por todas
as suas bondades, por todas as vossas misérias, porque miséria e bondade, tudo
nos vem dele, isto é, tudo nos vem dele conforme o que tenhamos merecido”.
(Págs. 142 e 143.)
Respostas às
questões propostas
A. Que se deve entender por estas palavras: fim do mundo?
Segundo o Espiritismo, por fim do mundo devemos entender
o fim do mundo da superstição, do despotismo, dos abusos; o fim do mundo
egoísta e orgulhoso, do pauperismo, de tudo o que é vil e que rebaixa o homem;
numa palavra, de todos os sentimentos baixos e cúpidos, que são o triste
apanágio de nosso mundo. Entre o velho mundo e o novo não haverá, porém,
solução de continuidade. (Revista Espírita de 1868, pp. 114 a 116.)
B. O Espírito modifica no mundo espiritual as ideias que
nutria quando encarnado?
Sim. Os fatos espíritas confirmam três grandes princípios
revelados pelo Espiritismo: 1º – Que a
alma conserva no mundo espiritual, por um tempo mais ou menos longo, as ideias
e os preconceitos que tinha na vida terrestre. 2º – Que ela se modifica, progride
e adquire novos conhecimentos no mundo dos Espíritos. 3º – Que os encarnados
podem contribuir para o progresso dos Espíritos desencarnados. Em face disso,
progredindo o Espírito fora da encarnação, disso resulta que, ao voltar à
Terra, ele traz o produto do que adquiriu nas existências anteriores e no
estado de erraticidade. É assim que se realiza o progresso das gerações. (Obra
citada, pp. 141 e 142.)
C. O Espiritismo ensina que é preciso esperar, amar,
perdoar. É preciso esperar o quê? Perdoar a quem? Amar a quem?
Numa reunião íntima de família, manifestou-se um médico
distinto, morto há pouco e que, em vida, fizera abertamente profissão do mais
absoluto materialismo. O médico fez diversas perguntas, que foram respondidas
por outro Espírito, que assinou Sainte Victoire. A primeira pergunta do médico
foi: “O Espiritismo me ensina que é preciso esperar, amar, perdoar; eu faria
tudo isto se soubesse como me haver para começar. É preciso esperar o quê?
Perdoar o quê e a quem? Amar a quem?” A resposta foi bem clara: “Há que esperar
na misericórdia de Deus, que é infinita; há que perdoar aos que vos ofenderam;
há que amar ao próximo como a si mesmo; há que amar a Deus, a fim de que Deus
vos ame e vos perdoe; há que orar e lhe render graças por todas as suas bondades,
por todas as vossas misérias, porque miséria e bondade, tudo nos vem dele, isto
é, tudo nos vem dele conforme o que tenhamos merecido”. (Obra citada, pp. 142 e
143.)
Observação:
Para acessar a Parte 3 deste estudo,
publicada na semana passada, clique aqui:
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