Revista Espírita de 1868
Allan Kardec
Parte 7
Continuamos o estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1868, periódico
editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo baseia-se na tradução feita por
Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do ano de 1868 pertence a uma série iniciada em
janeiro de 1858 por Allan Kardec, que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando
desencarnou.
Cada parte do estudo, que é apresentado às
quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final
do texto abaixo.
Questões
preliminares
A. Que razões levam uma pessoa ao materialismo?
B. Com respeito às perseguições frequentes que eram
feitas aos espíritas, qual foi o conselho de São Luís?
C. Que significa, segundo Kardec, a expressão Espiritismo
Moderno?
Texto para leitura
88. O número de agosto da Revista inicia-se com um artigo
de Kardec sobre o materialismo e a virulência com que seus partidários de então
atacavam os que ousassem declarar-se espiritualistas, como o Sr. Jules Favre e
o Sr. Flammarion, ridicularizado e denegrido publicamente porque buscou provar
Deus pela ciência. Observa Kardec: “Há neste momento, da parte de um certo
partido, um alçar de armas contra as ideias espiritualistas em geral, nas quais
se acha englobado o Espiritismo. O que ele busca não é um Deus melhor e mais
justo, é o Deus-matéria, menos aborrecido, porque não se tem que lhe dar
contas”. (Págs. 223 e 224.)
89. O Codificador diz que um dos melhores protestos que
lera contra as tendências materialistas fora publicado a 14 de maio no jornal Le
Droit, sob o título de O materialismo e o direito. Assinado por H.
Thiercelin, eis alguns trechos do citado artigo: I – Quase sempre houve
materialistas, teóricos ou práticos, quer por desvio do senso comum, quer para
justificar baixos hábitos de viver. II – Duas razões levam o indivíduo ao
materialismo. A primeira é a imperfeição da inteligência humana. Disse Cícero,
em termos muito crus, que não há tolice que não tenha encontrado algum filósofo
para a defender. III – A segunda razão está nas más inclinações do coração
humano. Eis por que o materialismo prático, que se reduz a algumas máximas
vergonhosas, sempre apareceu nas épocas de decomposição moral ou social como as
da Regência e do Diretório. IV – Em nossos dias ele se produz com um caráter
novo; considera-se científico. A história natural seria toda a ciência do
homem; nada existiria do que ela não tem por objeto; ora, como não tem por
objeto o espírito, este não existe. V – As tendências materialistas, mais ou
menos gerais, de tantos cientistas não decorrem apenas de sua constante
ocupação em estudar e manipular a matéria. Elas resultam sobretudo de seus
hábitos de espírito, da prática exclusiva de seu método experimental, porque o
método científico pode reduzir-se a estes termos: “Não reconhecer senão os
fatos, induzir muito prudentemente a lei desses fatos, banir absolutamente
todas as pesquisas das causas”. VI – Não é de admirar que inteligências de
vistas curtas desconheçam a existência dos fatos morais. VII – O novo
materialismo não é, porém, resultado demonstrado do estudo; é uma opinião
preconcebida. O fisiologista não admite o espírito. Que há nisto de admirável?
É a conclusão óbvia do método por ele utilizado e que lhe interdita
precisamente a pesquisa das causas. VIII – Não há nada de mais, pois, afirmar
que o materialismo é destrutivo, não de uma determinada moral, mas de toda
moral, não de determinado estado civil, mas de todo estado civil, de toda
sociedade. (Págs. 224 a 230.)
90. Sob o título de Pesquisas Psicológicas a propósito de
Espiritismo, o jornal La Solidarité de 1º de julho publicou um alentado
artigo sobre as manifestações espíritas, no qual seu autor não contesta os
fenômenos, mas expõe suas dúvidas sobre a explicação que deles dá a doutrina
espírita. “Cremos, diz ele, que os fenômenos físicos se explicam fisicamente e
que os fenômenos psíquicos são causados pelas forças inerentes à alma dos
operadores.” (Págs. 230 a 234.)
91. Comentando o assunto, diz Kardec que muita coisa
haveria a responder sobre o artigo, mas não o faria porque fazê-lo seria
repetir o que tantas vezes já houvera escrito sobre o mesmo tema. Como o
crítico não contesta o fenômeno, apenas formula sobre sua causa outra hipótese,
lembra Kardec que a teoria exposta pelo jornalista nada mais era do que a
repetição de um dos primeiros sistemas surgidos na origem do Espiritismo,
quando a experiência não havia ainda elucidado a questão. Ora, se aquele
sistema estivesse certo, por que não prevaleceu? Como é que milhões de
espíritas, que havia quinze anos experimentavam no mundo todo, tenham
constatado a realidade das manifestações espíritas, se elas não existem?
Pode-se admitir razoavelmente que todos eles se hajam enganado? (Págs. 234 e
235.)
92. É grave erro crer, diz Kardec, que os espíritas
tenham estabelecido, de forma preconcebida, a intervenção dos Espíritos nas
manifestações. Se isso se deu com alguns, o maior número não chegou a essa
crença senão depois de ter passado pela dúvida ou pela incredulidade. O
fenômeno das mesas girantes era conhecido ao tempo de Tertuliano e na China
desde tempos imemoriais, tanto quanto na Sibéria e na Tartária. Aliás, os
fenômenos espíritas modernos não começaram com as mesas, mas pelas pancadas
espontâneas dadas em paredes e móveis, em ambientes refratários à ideia
espírita, e foram os próprios Espíritos que se apresentaram como sendo os seus
autores. (Págs. 235 e 236.)
93. O Sr. Fauverty – autor do artigo em foco – diz que
nada encontrou nas comunicações mediúnicas que ultrapassasse o cérebro humano.
Eis aí uma velha objeção cem vezes refutada pela própria doutrina espírita. O
Espiritismo alguma vez disse que os Espíritos fossem seres fora da humanidade?
Ora, o que a doutrina espírita ensina é que os Espíritos não são senão homens
despojados do seu invólucro material e que o mundo visível se derrama
incessantemente, pela morte, no mundo invisível, e este no mundo corporal,
pelos nascimentos. Desde que os Espíritos pertencem à Humanidade, por que
haveriam de querer que eles tivessem uma linguagem sobre-humana? (Págs. 236 e
237.)
94. A pedido de um dos correspondentes da Revista em
Sens, Kardec volta ao tema partido espírita, para dizer que o Espiritismo
jamais poderia ser considerado um partido na acepção vulgar da palavra e, por
isso, o correspondente tinha toda a razão para repelir a qualificação que nesse
sentido lhe foi dada pelo Sr. Genteur, Comissário do Governo. O Codificador
diz, no entanto, que, excluída a ideia de movimento político e de luta pelo
poder, o Espiritismo não deixava de ser um partido, ou seja, uma doutrina que
não é partilhada senão por uma parte da população, motivo pelo qual ele podia
aceitar a qualificação que lhe foi dada por seus antagonistas, sem com isso
repudiar os seus princípios e sem perder sua qualidade essencial de doutrina
filosófica moralizadora, que constitui a sua glória e a sua força. (Págs. 237 a
239.)
95. Kardec lembra que no fim de 1864 fora deflagrada uma
onda de perseguições contra o Espiritismo em várias cidades do Sul, seguida de
alguns efeitos, e reproduz o resumo de um dos sermões feitos na época, no qual
os espíritas são chamados de ímpios e acusados de blasfemar contra Deus, de
negar as sublimes verdades ensinadas pela Igreja e de enfeitar-se com uma falsa
caridade, que só conhecem de nome e da qual se servem como manto para ocultar
sua ambição. No fim do sermão, diz o padre: “Compreendestes, cristãos! quais
são os que assinalo à vossa reprovação! São os Espíritas! E porque não os
indicaria eu? É tempo de os repelir e de amaldiçoar as suas doutrinas
infernais!” (Pág. 240.)
96. Sermões como esse estavam na ordem do dia naquela
época, mas os ataques não se limitavam à ideia, estendendo-se também às
relações pessoais. Na sequência, após advertir que a luta não terminara e que
as perseguições continuavam, o Codificador transcreve comunicação de São Luís
transmitida em Paris a 10 de dezembro de 1864, da qual extraímos os trechos que
se seguem: I – Meus filhos, estas perseguições cairão e não podem ser
prejudiciais à causa do Espiritismo. II – Os bons Espíritos velam pela execução
das ordens do Senhor: nada há a temer; não obstante, é preciso que todos se
mantenham em guarda e ajam com prudência. III – A vergonha recairá sobre os que
tiverem recuado e preferido o repouso da Terra ao que lhes estava preparado,
porque o Senhor fará a conta de seus sacrifícios. IV – É preciso pensar nos
mártires cristãos, que não tinham, como os espíritas, comunicações incessantes
do mundo invisível para reanimar sua fé e, contudo, não recuavam ante o
sacrifício, nem de sua vida nem de seus bens. V – As provas são hoje mais
morais que materiais; serão, por consequência, menos penosas, mas não menos
meritórias. VI – Aliás, muitos dos que sofreram pelo Cristianismo vêm concorrer
para o coroamento da obra e são os que sustentam a luta com mais coragem. VII –
Ninguém se inquiete com o futuro da doutrina espírita, porque, entre os que
hoje a combatem, mais de um será seu defensor amanhã. VIII – À violência,
devemos opor a suavidade e a caridade e fazer o bem aos que nos querem mal,
para que, mais tarde, possam distinguir o verdadeiro do falso. IX – O espírita
dispõe de uma arma poderosa: a do raciocínio, e deve servir-se dela, sem
manchá-la jamais pela injúria, supremo argumento dos que não têm boas razões
para dar, e esforçando-se pela dignidade de sua conduta, para fazer respeitar o
título de Espírita que ostenta. (Págs.
240 a 244.)
97. Kardec diz que podem compreender-se sob o título
geral de Espiritismo Retrospectivo os pensamentos, as doutrinas, as crenças e
todos os fatos espíritas anteriores ao Espiritismo Moderno, isto é, até 1850,
data na qual começaram as observações e os estudos sobre tais fenômenos. Um
fato relatado pelo Duque de Saint-Simon em suas memórias enquadra-se, portanto,
no chamado Espiritismo Retrospectivo. (Pág. 244.)
Respostas às
questões propostas
A. Que razões levam uma pessoa ao materialismo?
Segundo H. Thiercelin, em artigo citado por Kardec, quase
sempre houve materialistas, teóricos ou práticos, quer por desvio do senso
comum, quer para justificar baixos hábitos de viver. Duas razões levam o indivíduo
ao materialismo. A primeira é a imperfeição da inteligência humana. Disse
Cícero, em termos muito crus, que não há tolice que não tenha encontrado algum
filósofo para a defender. A segunda razão está nas más inclinações do coração
humano. Eis por que o materialismo prático, que se reduz a algumas máximas
vergonhosas, sempre apareceu nas épocas de decomposição moral ou social como as
da Regência e do Diretório. (Revista Espírita de 1868, pp. 224 a 230.)
B. Com respeito às perseguições frequentes que eram feitas
aos espíritas, qual foi o conselho de São Luís?
Primeiro São Luís disse que essas perseguições cairiam e
não eram prejudiciais à causa do Espiritismo. Os bons Espíritos velam pela
execução das ordens do Senhor: nada há a temer; não obstante, é preciso que
todos se mantenham em guarda e ajam com prudência. Ninguém se inquiete com o
futuro da doutrina espírita, porque, entre os que hoje a combatem, mais de um
será seu defensor amanhã. À violência, devemos opor a suavidade e a caridade e
fazer o bem aos que nos querem mal, para que, mais tarde, possam distinguir o
verdadeiro do falso. (Obra citada, pp. 240 a 244.)
C. Que significa, segundo Kardec,
a expressão Espiritismo Moderno?
Kardec usou tal
expressão ao dizer que podem compreender-se sob o título geral de Espiritismo
Retrospectivo os pensamentos, as doutrinas, as crenças e todos os fatos
espíritas anteriores ao Espiritismo Moderno, isto é, até 1850, data na qual
começaram as observações e os estudos sobre tais fenômenos. O Espiritismo
Moderno teria nascido, portanto, em 1850. (Obra
citada, pág. 244.)
Observação:
Para acessar a Parte 6 deste estudo,
publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2025/04/revista-espirita-de-1868-allan-kardec.html