sábado, 3 de setembro de 2016

Contos e crônicas



Um caso de suicídio narrado por “Machado”

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Jenecídio era um grande empresário e morava com a família em condomínio de luxo. Tudo corria bem em sua vida, até o dia em que sua empresa começou a dar prejuízo. No início, ele não deu muita importância ao caso. Afinal, em anos anteriores, já ocorrera o mesmo fenômeno. O El Niño chegava, o calor aumentava e as pessoas guardavam seus guarda-chuvas.
E Jenecídio fabricava e vendia guarda-chuvas.
Acontece que, na cidade baiana de Senhor do Bonfim, quase não chovia, embora, à noite, costumasse fazer um friozinho. Então, Jenecídio optou por também vender roupas de frio.
Foi quando sua mulher foi à igreja local orar pelo sucesso nos negócios da família.
De volta a casa, inspirada pelo Senhor do Bonfim e pelo sermão do padre, sugeriu ao esposo a mudança do ramo de negócio. Afinal, suas filhas de sete e oito anos precisavam manter o padrão elevado de vida e, na cidade, pouco se usavam roupas de inverno, pois residiam no sertão nordestino onde o clima era quente e seco.
Sugeriu-lhe, então, Jacina, a esposa, trocar seu negócio para fábrica de chocolates, pois a produção local de cacau era boa, o que motivou o apelido da cidade de Suíça do Nordeste.
Em resposta, o marido disse-lhe que tal comércio já possuía muita concorrência local, e a venda de roupas de frio dava-lhe um bom retorno financeiro nos meses em que não havia seca. Ademais, detestava esse negócio de religião.
Nesse ano, porém, a estiagem já durava dez meses, e nenhuma peça de roupa fora vendida por Jenecídio nos últimos seis meses. Os dias passavam, as contas chegavam e, quando a reserva financeira da família acabou, Jenecídio, como tantas pessoas sem esperança, neste mundo e no outro, tomou uma decisão radical.
No dia seguinte, seu corpo foi encontrado dentro do poço seco de dez metros de profundidade, depois que a esposa ligou para o corpo de bombeiros, suplicando desesperada a localização do marido sumido de casa na noite anterior.
Sobre a cama vazia, um bilhete, escrito por ele,  continha as seguintes palavras:

Senhor do Bonfim, BA, 5 de outubro de 2013.
Querida Jacina,
Antes de mais nada, quero lhe dizer que a amo muito, tanto quanto nossas meninas.
Quando você acordar e ler esta missiva, já não mais estarei neste mundo. Mergulho no nada, para sempre.
Há três anos, pensando no seu futuro e no porvir das nossas filhas, fiz um seguro de vida, no Banco da Bahia, no valor de X, que resolverá todos os problemas financeiros de nossa loja e ainda permitir-lhe-á mudar o ramo de negócio para a sua tão sonhada fábrica de chocolates.
Meu corpo será encontrado no fundo do poço, como ocorre, atualmente, com nossa economia.
Perdoe-me e adeus!

Tão logo o corpo de Jenecídio fora encontrado, caiu uma chuva tão intensa, em Senhor do Bonfim, que seu poço transbordou. Três meses após o funeral do esposo, a viúva, morta de saudades, procurou um famoso médium baiano, em Salvador, que psicografou e lhe entregou a seguinte carta do Além:

Querida Jacina,
Como fui estúpido. A vida continua em outra dimensão e eu desconhecia esta realidade.
Por que não esperei mais um pouco? Com o retorno das águas, vejo agora que você vendeu todo o estoque de roupas e guarda-chuvas, pois a nossa loja não tem concorrência no ramo.
O grande erro de minha vida foi nunca ter uma crença que me desse a certeza da sobrevivência da alma após a morte do corpo físico. Quando ignoramos a realidade do mundo metafísico, e cometemos o suicídio, as consequências são terríveis.
Não estamos mais no corpo de carne, porém nossos sentidos são mais apurados.
Comigo foi assim. A sensação da queda e do impacto do meu corpo, no fundo do poço, foi terrível e parecia repetir-se eternamente. Sentia-me caindo, no vão escuro, e a cabeça se dividindo em mil pedaços... Então,  gritava inutilmente por socorro, pois tão logo chegava ao fim da queda novamente via-me projetando no vazio. E tudo recomeçava por vezes incontáveis.
Quando os bombeiros içaram meu corpo sem vida, dez horas após meu tresloucado gesto suicida, graças ao seu apelo desesperado, parecia-me já estar ali há anos, sempre com a mesma sensação de queda no vazio e o crânio se estilhaçando ao tocar o fundo, para depois todo esse horror recomeçar.
Você fez, então, uma sentida e sofrida prece por mim, e isso foi o que me aliviou. Entretanto, tão logo cheguei ao solo superior, percebi que seres semelhantes a monstros terríveis, verdadeiros vampiros, se aproximavam de meu corpo inerte, mas ao qual eu me sentia prisioneiro.
Eles então riam, pulavam em cima e em volta de mim e gritavam: — Suicida! Suicida!
Outros completavam: — Suguemos-lhe o sangue enquanto está quente!
Senti também suas bocas se fecharem sobre minha garganta e, com suas presas enormes, sugarem minhas energias. Eu queria gritar, mas não podia. Queria fugir, mas estava paralisado.
Assim se passaram os dias. Fui transportado pela malta para um lugar estranho e tenebroso e ali fiquei à mercê de todos esses Espíritos das trevas, até o dia de hoje, quando fui trazido aqui por uma corrente luminosa, que me arrebatou das garras de meus algozes. Eram as energias das preces desse médium extraordinário, aliadas às suas e às das pessoas bondosas que aqui estão. Obrigado, meu Deus!
Agora, uma senhora belíssima, com hábito de freira e intensa luz, diz-me que, daqui, serei transportado para um hospital espiritual, onde ficarei submetido a tratamento de recomposição do perispírito (corpo espiritual) que eu mesmo afetei, com minha atitude insana.
Ali passarei alguns meses em tratamento, quando então deverei fazer parte da equipe de suicidas em reabilitação e cooperação no socorro de outros Espíritos criminosos, que violaram a Lei de Deus, nosso Criador, o qual nos destinou à perfeição da vida eterna, mas com a condição de que “a cada um seja dado segundo as suas obras” consoante as palavras de Jesus Cristo, como vim a saber aqui.
Beije nossas filhas, Carmecita e Concita, perdoe meu ato insano e ore por mim.
Adeus, sejam felizes!

Amigo leitor, quando a Humanidade estiver plenamente ciente das consequências do suicídio, cena como esta não mais ocorrerá, pois a certeza de que não há morte e de que nossos mínimos atos nos trazem consequências boas ou más, segundo a direção que lhes damos, fará com que escolhamos sempre a vida, nunca a morte, seja ela a nossa ou de outrem.
Abraço do amigo “Machado de Assis”.






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