O semeador do campo dourado
CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR
O trigal brilha com
os raios de sol à tardezinha, apenas um senhor no meio do campo dourado.
Pássaros voam em busca de seus ninhos; outros pequenos animais também fazem o
caminho de casa... de tocas. Todos querem aconchego.
Somente quando o sol
é mais lua é que o senhor do campo dourado volta para a singela casa de dois
cômodos. Volta para ele mesmo, pois ninguém o espera a não ser os dois
cachorros obedientes e amorosos que vivem descansando na varanda da frente.
Eles o avistam, mas preferem que o dono chegue até eles, pois vivem
descansando. O homem os acaricia um pouco e logo os três vão para dentro.
No fogão há uma
panela de arroz com alguns pedaços de carne. Há ainda um bule de café feito
após o almoço. Os dois cachorros rodeiam o fogão sem quererem importunar o dono
que lava os braços no banheiro improvisado. Ele lava o rosto e se olha no
pedaço de espelho pendurado na parede de tinta antiga. Ele olha tão
profundamente que parece querer descobrir os seus próprios segredos, e dá um
sorriso sincero e amistoso. Ajeita o cabelo, passa a mão no rosto. Coloca a
camisa de um pijama pendurado num preguinho. Volta para a cozinha.
Os dois cachorros,
calmos e em paz, abanam o rabo. Aquela simples casa tem harmonia. O homem
coloca mais lenha no fogão para esquentar a comida. Enquanto isso, os dois se
deitam ao lado da mesa perto de onde estavam seus pratos e acompanham o
movimento do homem apenas com os olhos. O homem olha para eles e sorri. E os
dois se sentem ainda mais felizes.
Com os minutos
passados, a comida já estava aquecida a uma temperatura ideal. O homem pegou a
panela e serviu os dois pratos primeiro, em seguida serviu o seu prato que
estava na mesa. Os cachorros se levantaram e comeram com calma a comida; da
mesma maneira, o senhor se alimentou com calma. A essa hora a lua iluminava o
campo de trigo.
O homem terminou
antes dos dois, ele comia o necessário para o seu sustento. Os cachorros comiam
o que colocava para eles, caso sobrasse um pouco mais e o homem os servisse,
eles também comiam. Após alimentados, olhavam-se e compreendiam-se; certas vezes,
palavras são desnecessárias, no entanto, a observação e a cumplicidade enredam
a harmoniosa convivência. Então, o homem se levantou, recolheu o seu prato e já
o lavou deixando-o apoiado no cantinho da pia, também sua colher, a panela e a
colher de tirar a comida. A louça estava limpa, escorrendo. Ajeitou a pia.
Ainda pegou os pratinhos dos cachorros e enxaguou-os no tanque de fora e também
deixou-os apoiados no canto do primeiro degrau da escada da varanda onde se
sentaram para ver a lua iluminar o campo de trigo; o homem, na cadeira, e os
cachorros, um de cada lado dele, como toda noite faziam.
Entretanto, aquela
noite a lua parecia mais perto e sua luz iluminava mais o campo tão agradável
daquele belo trigo. E o homem observava que uma luz mais se aproximava, ficou
em dúvida se era mesmo a luz da lua. Procurou firmar os olhos, mas o brilho
aumentava e não mais pôde continuar. Os cachorros estavam a seu lado, mas o
homem não mais com eles. O semeador do campo dourado havia partido para cuidar
de outros campos.
Certamente um bom
vizinho de longa data cuidaria dos dois cachorros.
O trigal, de alguma
forma, continuaria a produzir e a alimentar gratuitamente as crianças das
escolas, os doentes dos hospitais, os presos da cadeia, os idosos dos asilos e
algumas famílias desprovidas na cidade, como até agora o senhor fizera por
sessenta e cinco anos, desde os seus vinte anos na juventude. Depois de perder
a família, ele não desperdiçou nenhum dia sequer. Trabalhou muito em todos
eles. Trabalhou com a disciplina que somente o amor e a sabedoria são capazes
de desenvolver, são capazes de despertar no espírito a sua verdadeira
consciência de progresso que não consiste apenas para a individualidade, mas
para o progresso coletivo.
Em um singelo
escrito registrado no cartório da cidade havia o seu pedido:
“Que o campo de
trigo dourado possa continuar a levar vida a tantas vidas necessitadas.”
E o cortejo reuniu
boa parte dos habitantes do local, pois quantos alunos se formaram, doentes
melhoraram, quantas pessoas de toda sorte foram beneficiadas pela alimentação
daquele trigo e, por conseguinte, todos os parentes e amigos dos beneficiados
acompanharam também o cortejo.
De fato, o semeador
do trigo dourado continuará a ver a luz em seu caminho.
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