sábado, 24 de agosto de 2013

A história que eu sei contar

ARTHUR BERNARDES DE OLIVEIRA
tucabernardes@gmail.com
De Guarani, MG


IX – Pequeno detalhe

Esqueci-me de um detalhe, cuja influência na realização do meu objetivo até hoje não pude analisar bem.
Mas eu explico.
Pela primeira vez na vida, eu sentia dificuldades sérias em começar a conversa. Já afirmei que a minha técnica primitiva fora abandonada. Aquela indiferença disfarçada de que falei, aliada a uma prosa irresistível, já não funcionava com a mesma capacidade de antes. Desarvorado, porque não conhecia outro processo senão aquele, fiquei no ar. Mudo e quedo na solidão do infinito como, poeticamente, sentenciaria o  inigualável poeta português.
E a minha mudez se transformou, parece-me, em bobice.
Só isso explicaria os sorrisos e deboches que depois ouvi da Lila e, até hoje, ouço de minha esposa.
É certo que fosse bobice, nascida de uma timidez sem controle.
Eu compreendo: Estava entre duas espadas. Ou melhor, entre uma certeza e uma dúvida.
A certeza de que não poderia perder aquela mulher. Perdê-la seria para mim a última derrota. Era isso o que eu pensava então. E não mudei de ideia, neste dia, em que comemoramos o nosso sétimo aniversário de casamento.
A dúvida: Não tinha muita confiança no meu sucesso.
Creio que todos os homens, quando precisam de uma vitória, passam por isso. O medo de perder, inevitavelmente, perturba a confiança.
Aí entra o detalhe.
Eu tinha um retratinho de que até hoje gosto muito.
Como toda gente, ao se julgar, eu me achava um rapaz bonito. Hoje, não tenho mais muitas ilusões a esse respeito. Mas na época, eu tinha.
É interessante esse problema da beleza. Nunca vi ninguém que, realmente, se julgasse feio. No fundo, todos descobrem em si traços que encantam, ou que agradam.
Nada mais natural, porque o conceito de beleza não é universal. A beleza, segundo entendo, não está nas coisas, mas nos olhos que as observam. Só isso justificaria a grande diversidade de gosto. Só por isso se diz que, em matéria de gosto e de cores, não se discute.
E a sabedoria popular acrescentou: “Quem ama o feio, bonito lhe parece.”
É evidente que este conceito não anula certas belezas que eu reputo universais. Sei que existem, mas são poucas.
O que não é pouco é que o conceito de belo é bastante pessoal.
Mas eu me achava bonito. E estava em boa companhia, porque minha mãe também  achava.
Então, o que fiz? Pedi à minha irmã Anita que entregasse à mocinha aquele meu retrato. Pensei cá comigo: Ela vai analisar, vai me achar bonito, e o trabalho fica facilitado.
De qualquer forma isso que me parece bobice, ou ingenuidade, sei lá, serviu para me dar mais força.
Tanto que, algumas horas depois, cheguei a ela e disse:
– Preciso falar com você. Se você quiser nós subirems juntos!

X – Aqui me defino

A subida seria para o reabastecimento espiritual.
Os habituados às semanas espíritas conhecem este tipo de reunião. São reuniões matinais, que realizamos, quase sempre, ao ar livre, para, aberto o evangelho ao acaso, estudarmos e meditarmos sobre a mensagem do dia.
Os que desejarem poderão, em tempo curto, em geral três a cinco minutos, emitir sua opinião e tecer comentários sobre o ponto lido.
Terminados os comentários, um espírita mais experimentado faz o que nós chamamos de reajustamento, coordenando as opiniões, desbastando as arestas ocasionais e resumindo a essência da  lição.
Seguem-se números de cantos e de poesias, e logo após a prece de encerramento.
Subimos para o reabastecimento espiritual.
E no caminho eu lhe disse mais ou menos isto:
“Não sei se você já me conhece bem. É provável que já me conheça mal.
Tenho sido até aqui, Elizabeth, um moço marcado por desvios.
Embora seja bom, no fundo, a vida me tem obrigado a inúmeros papelões.
De mim se pode dizer com justiça ser o próprio vício que não cede.
Todos os pais se atemorizam quando me aproximo de suas filhas.
Não pelo que lhes possa fazer, quanto à dignidade ou quanto à honra, mas pela minha absoluta incapacidade para o amor.
Tenho, talvez, uma única virtude: embora não me preocupe muito em que me façam feliz, tenho capacidade plena de fazer felizes aqueles a quem  amo.
Acho que a farei feliz, por isso.
Pois bem, analisando profundamente a minha vida, nesse ano e meio de meditações em Astolfo Dutra, cheguei a uma conclusão inevitável: preciso de alguém para viver comigo; preciso casar-me, e casar-me logo.
De modo que você foi a escolhida: aceita casar-se comigo?”
Uma pergunta assim, de sopetão, para uma menina é um caso muito sério. Sobretudo nessa fase em que a menina só pensa em coisas fúteis. Bailes, esportes, diversões, gozar a beleza da juventude mal surgida.
Ela emudeceu compenetrada.
E apenas disse: “Vamos tentar, não é?” (Continua.)


Nota:


O texto acima faz parte do livro intitulado “A história que eu sei contar”, escrito por Arthur Bernardes de Oliveira e concluído no dia 28 de julho de 1964. O livro compõe-se de 20 capítulos e está sendo publicado aqui ao longo de dez semanas, sempre aos sábados. A primeira parte foi publicada neste blog no dia 28 de julho de 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário