ARTHUR BERNARDES DE
OLIVEIRA
tucabernardes@gmail.com
De Guarani, MG
VII – Na dança do fogo
A nossa
Semana Espírita de 1955 começaria no dia 14 de julho, isto é, exatamente sete
dias depois da cerveja quente de Guarani.
Já ouvira,
pela Lila, que de Guarani viriam umas mocinhas ajudar na programação noturna. E
que passariam conosco toda a semana. E que chegariam no domingo. E que entre
elas estava Elizabeth.
Pensei cá
comigo: aqui acertaremos as contas.
Eu tinha
contra mim sete dias de namoro. Mas tinha a meu favor sete dias de reuniões. O
negócio era matar nos meus sete dias a influência dos outros sete.
E isso foi
fácil.
No domingo
inicial, dia 14, uma brincadeira no nosso clube. Lá estivemos e eu comecei o
meu jogo. Na segunda já estávamos namorando.
É bem verdade
que houve por parte de algumas venerandas irmãs uma intromissão um pouco
perturbadora. Definiam-me como um embrulhão e, embora de mim gostassem, temiam
pelo namoro.
De meu lado o
poeta Sebastião Lasneau e sua esposa D.
Olívia.
E mais que
todos a minha decidida vontade de construir uma vida.
Foram dias e
noites de agradáveis recordações.
Lembra-me
muito o Armando Falconi com a sua clarineta. No fundo do palco, ele fez a
proposta:
– Se eu
agradar, vocês serão felizes. Se eu tocar mal, o namoro de vocês não dará
certo.
E tocou como
nunca. Depois ele mesmo me confessou que pusera na execução toda a perícia e a
alma do artista.
Supersticioso,
temia que por imperícia dele morresse tão cedo uma afeição tão fortemente
nascida.
Lamento não
ter a minha memória fixado com nitidez todas aquelas horas – as nossas
primeiras horas –, as horas definitivas
que serviriam para selar, definitivamente, o rumo dos nossos destinos.
É que para provar
uma vez mais a validade da sabedoria popular nós só nos lembramos das horas em
que sofremos. As boas horas, as horas felizes, quase não deixam marcas na nossa
lembrança.
VIII – Nem homem, nem fera
Terminara a
reunião da terça-feira. Devia ser dez horas da noite. Todos pegaram o caminho
de casa.
Descemos
juntos para o repouso final. Elizabeth estava hospedada na casa da Lila e nós
tínhamos seguramente um quilômetro de caminhada.
Mãos unidas
timidamente, ameaçados pelos olhares bisbilhoteiros de sempre, lá íamos
descendo a rua, esquecidos de tudo.
Lembro-me de
que eu era apenas silêncio. Nada dizia, porque só uma coisa pensava. Agarrá-la
freneticamente e apertá-la estupidamente, apertá-la até que seu corpo entrasse para dentro do meu e se misturassem
as células e o sangue, e as almas.
Os passos
surdos marcavam na poeira da estrada a agitação dos meus sentimentos.
Era aquele
corpo o que, na agitação de minhas noites indormidas, eu idealizara para mim.
Aqueles seios, aqueles olhos, aquela boca, aqueles cabelos, aquelas pernas que
eu sonhara possuir um dia.
Até hoje não
sei o que segurou meu impulso. Às vezes, assaltava-me um súbito desejo de
agarrá-la e com ela fugir, correndo de todos, para, no silêncio de nossa
solidão, afogarmo-nos um nos carinhos do outro e, beijando, morrer.
– Chegamos!
– Interessante,
disse eu, nem tinha notado.
E realmente
não tinha notado que já atravessáramos o fundão e tínhamos os pés na entrada da
porta.
Eu era um
possesso.
Ela, na
ingenuidade de seus dezessete anos, nem parou para nos despedirmos. Deu
boa-noite e sumiu pela casa adentro.
E eu,
fervendo de desejos, me deixei arrastar até minha casa.
Foi a noite
mais intranquila que já passei.
O sono não
vinha. Porque em mim só havia uma presença, que a tudo afugentava. A daquele
corpo, que eu quis beijar, apertar, triturar, amassar, e que não pude.
Rolei na cama
até a madrugada. Uma legião de serpentes me enroscavam o corpo. E no ferver de
meus olhos acesos, vi surgir desligando-se do teto e se pondo bem ao alcance de
minhas mãos, um vulto de mulher. Firmei os olhos. Estava nua. Linda! Era ela.
Avancei para agarrá-la. A visão sumiu. Abri bem os olhos.
Na sala o
relógio bateu duas horas.
Sobressaltado,
voltei a deitar-me e dormi. (Continua.)
Nota:
O texto acima faz parte do livro
intitulado “A história que eu sei contar”, escrito por Arthur Bernardes de
Oliveira e concluído no dia 28 de julho de 1964. O livro compõe-se de 20
capítulos e será aqui publicado ao longo de dez semanas, sempre aos sábados. A
primeira parte foi publicada neste blog no dia 28 de julho de 2013.
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