sábado, 3 de agosto de 2013

A história que eu sei contar

ARTHUR BERNARDES DE OLIVEIRA
tucabernardes@gmail.com
De Guarani, MG


III – O primeiro vexame

Meu pai fizera em Guarani propaganda de minha “habilidade” oratória! Eu estava começando a falar nas reuniões espíritas e não podia, como reconheço não poder até hoje, assumir compromissos de palestras espíritas com ninguém.
Mas ele tanto falou que não houve outro jeito para os diretores espíritas de Guarani senão me convidarem para falar lá também.
O Lilito (Miguel Guércio Filho) estava iniciando, com muito entusiasmo, carreira de fotógrafo amador. Grande amigo meu, e aluno bastante amigo do professor, quis acompanhar-me, de máquina a tiracolo, até lá, a fim de tirar daquela cidade algumas fotos.
A mocinha do vestido caseiro, na presidência dos trabalhos, estava linda.
Não sei se conseguiria reproduzir o que vi. Sempre fui péssimo observador. Principalmente no que se refere à roupa. Mas eu me lembro de um casaco curto, branco. A saia, parece-me que era preta. O cabelo, rabo-de-cavalo. Não vi mais nada. Apenas aquele rabo-de-cavalo bailando à minha frente.
Nem sei o que, afinal, andei falando por lá. Provavelmente terei decepcionado, já que me assentei muito antes do que deveria, em face do que eu havia preparado para falar.
Tinha programado falar sobre a educação do jovem, em face das infelicidades sociais. Ou melhor: a influência da educação na construção da felicidade.
A ideia  surgira da leitura de um livrinho interessante de Arthur Riedel.
Este professor fundara a célebre escola do “Hei de Vencer” (título do livrinho)  cujos ensinamentos, ressalvados os exageros, produziam bons resultados.
Lembro-me de que a minha participação naquela tarde fora desnorteadora, pelo que deduzi das palavras de tia Elza:
“O Arthur falou tão pouco que nossa reunião acabará mais cedo. Na esperança de que ele preenchesse o horário, não tínhamos organizado outros números para o programa”.
Lá fora, a buzina insistente do carro do Chiquinho (Francisco Defilippo) insistia em dizer que eu estava demorando.
Cá dentro aquele imenso rabo-de-cavalo bailando na minha frente e confundindo as minhas ideias.

IV – A armadilha está pronta!

Terminada a reunião, na qual ouvira uma prece muito longa do seu Juca, e uma fala muito curta de minha mãe (espírito), pela D. Cotinha, saí suando do centro.
Não sei se os ouvidos estavam suando também. Não tive tempo para reparar nisso. Mas senti que estavam todos desafogados. Finalmente eu tinha parado de falar.
Os moços, mais rápidos, deixaram a casa e rumaram para o cinema ou para as namoradas. Os velhos, aos poucos, calmos, se levantavam vagarosamente das cadeiras e respiravam aliviados.
Entrei no carro, mas senti que estava amarrado. Fios de cabelo envolviam-me todo o corpo. Uma mecha mais grossa, tipo trança, enforcava o pescoço.
No dia seguinte, acordei mais tranquilo. Até pude pensar um pouco sobre o vexame da véspera. Censurara meu pai pela propaganda indevida, censurara o Chiquinho pela buzina insistente, censurara ter aceitado o convite, tão fora de tempo ainda, censurara por fim aquele imenso rabo-de-cavalo que puseram na mesa, justamente ao meu lado.
Levantei-me decidido a uma coisa: Vou namorar aquela moça!
No domingo seguinte, creio que 15 de junho, voltei a Guarani. Estava  disputando o campeonato regional  por um dos times de lá, o Guarani F.C.
Ao me dirigir para a mesa a fim de assinar a súmula do jogo, passei pela moça e com uma indiferença mal disfarçada cumprimentei-a educadamente.
E, pensei cá comigo, está dado o primeiro passo.
Joguei, jogamos, todos jogaram. Voltei, voltamos, todos voltaram. Só que não me senti muito perto da vitória.
Passei a achar que a minha técnica estava ultrapassada. Só que eu já não poderia aprender técnica nova. Foi aí que surgiu a ideia. No domingo seguinte, minto, dois domingos depois, dia 7 de julho, haveria um grande baile no Clube dos Repentinos.
A armadilha estava pronta. Bastava o bote. (Continua.)


       Nota:

     O texto acima faz parte do livro ainda inédito intitulado “A história que eu sei contar”, escrito por Arthur Bernardes de Oliveira e concluído no dia 28 de julho de 1964. O livro compõe-se de 20 capítulos e será aqui publicado ao longo de dez semanas, sempre aos sábados. A primeira parte foi publicada neste blog no dia 28 de julho de 2013.



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