domingo, 7 de fevereiro de 2016

Custódio Saquarema: rico de dinheiro, pobre em termos espirituais



Há pais, certamente a maioria, que se sentem orgulhosos ao verem o sucesso profissional do filho, ainda quando a conduta deste não seja exemplar, e lamentam os filhos supostamente fracassados no mundo dos negócios, conquanto honestos e cumpridores de seus deveres.
Esse comportamento tem tudo a ver com a sociedade materialista em que vivemos. Far-lhes-ia, pois, imenso bem conhecer a experiência que Humberto de Campos registrou nas págs. 38 a 42 de seu livro Cartas e Crônicas, psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier e publicado pela FEB. Trata-se do caso Custódio Saquarema, um pseudônimo inventado por Humberto de Campos para encobrir a identidade de alguém que viveu realmente no Rio de Janeiro e que, formado em Direito, saiu-se tão bem na profissão que chegou a banqueiro.
Eis, de forma reduzida, a história de Custódio:
1) Custódio Saquarema nasceu em família espírita. Sua ficha de serviços – a chamada programação reencarnatória, a que tantos estudiosos espíritas têm-se referido atualmente – lhe permitiria avançar a passos largos no rumo da evolução, mas não foi o que se deu, como ele próprio contou a Humberto após retornar à pátria espiritual.
2) As causas principais do seu fracasso foram o comodismo e a invigilância. Esta não lhe permitiu perceber que trazia consigo, jungidos ao seu clima psíquico, alguns sócios de vícios e extravagâncias do passado, os quais, sem possuírem o veículo de carne, se valeram dele para se vincularem às sensações do plano terrestre.
3) Seus comparsas invisíveis agiam por meio de simples considerações íntimas. Jamais lhe seviciaram o corpo nem lhe conturbaram a mente. Acalentaram apenas o seu comodismo e, com isso, lhe impediram qualquer passo renovador.
4) Tão logo se viu saído da adolescência, os Instrutores amigos o exortaram, através de seus pais, a cultivar o reino do espírito, referindo-se a estudo, abnegação, aprimoramento, mas, dentro dele, as vozes de seus acompanhantes surgiam da mente, propiciando-lhe a falsa ideia de que falava consigo mesmo: "Coisas da alma, Custódio? Nada disso. A sua hora é de juventude, alegria, sol... Deixe a filosofia para depois..."
5) Concluído o curso superior, as advertências do lar se fizeram mais altas, conclamando-o ao dever; mas seus seguidores revidavam com a zombaria inarticulada: "Agora? Não é ocasião oportuna. De que maneira harmonizar a carreira iniciante com assuntos de religião? Custódio, Custódio!... Observe o critério das maiorias...”
6) Ao casar-se, os chamados à espiritualização recrudesceram. Os solertes exploradores, porém, comentaram, vivazes: "Não ceda, Custódio! E as responsabilidades de família? É preciso trabalhar, ganhar dinheiro, obter posição, zelar por mulher e filhos..."
7) A morte subtraiu-lhe os pais, mas agora, na idade madura, ele ainda ouvia os Bons Espíritos, por intermédio de companheiros dedicados, requisitando-o à elevação moral pela execução dos compromissos assumidos, ao que, inflexíveis, respondiam os seus obsessores: "Custódio, você tem mais quefazeres... Como diminuir os negócios? E a vida social? Pense na vida social... Você não está preparado para a seara de fé..."
8) Mesmo no ocaso da existência, os derradeiros convites da Espiritualidade Maior ainda chegavam a Custódio convidando-o a consagrar-se às coisas sagradas da alma.
9) Dessa vez, porém, os gritos de seus antigos vampirizadores se altearam mais irônicos, assoprando-lhe sarcasmo: "Você, velho Custódio?! Que vai fazer você com Espiritismo? É tarde demais... Profissão de fé, mensagens de outro mundo... Que se dirá de você, meu velho? Seus melhores amigos falarão em loucura, senilidade... Não tenha dúvida... Seus próprios filhos interditarão você, como sendo um doente mental, inapto à regência de qualquer interesse econômico... Você não está mais no tempo disso..."
Os anos correram e Custódio Saquarema, que jamais atendeu a qualquer dos chamados, acabou desencarnando sem perceber que fora, em toda aquela existência, vítima de uma espécie de obsessão pacífica, em que seus perseguidores exploraram tão somente seu comodismo.
Retornando à pátria espiritual, ele viu sua ficha de serviços, da qual nada cumprira, e pôde certificar-se de que, embora tivesse sido bem-sucedido nos negócios e na profissão, desencarnara rico de dinheiro, mas muito pobre em termos espirituais. Segundo sua própria conceituação, muito mais pobre do que décadas atrás quando descera à Crosta terrena para reencarnar.
Não foi preciso ajuda de ninguém para perceber sua indigência espiritual. Retornar mais pobre significava dizer que sua existência como Custódio Saquarema nada havia significado em termos espirituais, o que se dá muitas vezes com indivíduos que, materialmente milionários, não têm tempo de progredir nem moralmente, nem intelectualmente, o que comprova mais uma vez que a riqueza não é um prêmio nem um castigo, mas prova dificílima em que muitos fracassam.
Concluindo, podemos afirmar que Custódio Saquarema é um exemplo concreto das pessoas que, estacionando num mesmo patamar evolutivo, têm de repetir a lição, repetição essa que J. Herculano Pires chamou de círculo vicioso da reencarnação.
Não é difícil compreendê-lo. O desenvolvimento espiritual não é contínuo, mas descontínuo. Em cada existência o indivíduo desenvolve certas potencialidades, mas a lei de inércia o retém numa posição determinada pelos limites da própria cultura em que se desenvolveu.
Com a morte ele retorna ao mundo espiritual e compreende que sua perfectibilidade não tem limites. De volta a uma nova encarnação, procura reencetar com mais eficiência o desenvolvimento de sua perfectibilidade; contudo, se não receber na vida terrena os estímulos necessários, poderá sentir-se novamente preso à condição da vida anterior na Terra, estacionando, tal como se deu com Custódio, um homem vitorioso aos olhos humanos e, contudo, um fracassado aos seus próprios olhos.


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