JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Dizíamos, alhures, que se porventura os
escritores estivessem, por aquelas horas, pesquisando documentos sobre a
história do Rio de Janeiro, seriam candidatos ao fabuloso prêmio de cinquenta
mil réis, alta soma à época. O prazo seria de cinco anos e o historiador
deveria produzir um trabalho completo sobre a história do então Distrito
Federal, desde os tempos coloniais até aqueles dias.
O preço da obra vencedora do concurso, a
ser julgado por gente competente do prefeito, era alto, o prazo também.
Questionei a necessidade de tanto tempo para escrever sobre tão pouco. Afinal,
o que teria de história para contar, então, a cidade maravilhosa? Quase nada.
As memórias do padre Perereca e outras mais seriam trocadas pela pesquisa séria
e exaustiva dos eventos memoráveis da cidade de São Sebastião.
Mas que eventos? Como memoráveis?
Pois bem, discordei do regulamento daquele
concurso. Não somente pelo prazo dilatado dado à conclusão da pesquisa, como
também sobre a competência dos julgadores, haja vista que estes seriam
escolhidos por novo prefeito, que poderia ou não entender de competência
literária dos críticos indicados para avaliação do melhor trabalho.
Aqui e agora, em Brasília, cronotopicamente falando, nosso
prêmio vai para A bailarina empoeirada, obra de 1.500
páginas, escrita por Noemia Barbosa Boianovsky e Luiz Humberto de Faria
Del’Isola.
O conteúdo dessa obra remete-nos ao poeta e
dramaturgo Bertolt Brecht, que publicou o seguinte texto, intitulado Perguntas
de um operário que lê:
Quem construiu
Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, mas foram os reis que
transportaram as pedras? Babilônia, tantas vezes destruída, quem outras tantas
a reconstruiu? [...] No dia em que ficou pronta a Muralha da China, para onde
foram os seus pedreiros? A grande Roma está cheia de arcos de triunfo. Quem os
ergueu? [...] A tão cantada Bizâncio só tinha palácios para os seus habitantes?
Até a legendária Atlântida, na noite em que o mar a engoliu, viu afogados
gritar por seus escravos. O jovem Alexandre conquistou as Índias sozinho? César
venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço? Quando a sua
armada se afundou, Filipe de Espanha chorou. E ninguém mais? Frederico II
ganhou a guerra dos sete anos. Quem mais a ganhou?
Em cada página uma
vitória. Quem cozinhava os festins?
Em cada década um
grande homem. Quem pagava as despesas?
Tantas histórias,
quantas perguntas.
(Disponível em:<
www.cecac.org.br>. Acesso em 4 abr. 2010.)
Os autores de A
bailarina empoeirada, ao pesquisarem sobre a construção de Brasília, não
pretenderam destacar a obra de Juscelino Kubitschek e de toda uma vasta equipe
política e técnica que o rodeava e elevava seus nomes ao panteão da pátria.
Esses já estão por demais enaltecidos pela história.
Noemia e Luiz Humberto resolveram fazer
justiça aos que, nos anos iniciais do surgimento da nova capital brasileira,
deixaram suas cidades e vieram para aqui comer o pó da edificação da nova
capital brasileira, ao qual juntavam seu suor e lágrimas. Em vista disso,
esclarece Humberto, em entrevista concedida a um canal de TV da OAB, que “o
maior monumento da história de Brasília chama-se povo”.
A obra A bailarina empoeirada destaca os
operários da construção do Distrito Federal, que teve início na primeira cidade
satélite da capital brasileira, o Núcleo dos Bandeirantes. Faz menção às
condições inóspitas dos locais de vida e morte de seus primeiros cidadãos, como
a chamada “excrescência urbana”, que lembrava a insalubridade vivida pelos
primeiros cariocas e seus sucessores desde o início da colonização do Brasil.
Narra os casos inéditos de quem lutou para
construir a nova capital e de quem tentou inutilmente levar de volta a capital
para o Rio de Janeiro. Relata fatos pitorescos dos primeiros moradores,
construtores, comerciantes, empresários e servidores públicos que para cá
vieram e nunca mais retornaram aos seus estados de origem.
É sobre essa massa de construtores e novos
habitantes esquecidos, como as quase cem prostitutas, chamadas educadamente de
bailarinas, deixadas no cerrado, a cerca de 40 km de Brasília, que os
autores de A bailarina empoeirada chamam a atenção de historiadores e escritores que queiram
narrar a saga da construção da nova capital brasileira e seus casos pitorescos.
Então, não me falem agora sobre Juscelino,
o iluminado presidente que trouxe para cá a Capital Federal, ou Oscar Niemeyer,
genial arquiteto, que projetou Brasília e viveu até os 104 anos. Não me lembrem
de que Burle Marx foi o extraordinário paisagista que realizou notáveis obras
em nossa capital. Olvidemos, por ora, o estupendo trabalho de urbanização
promovido por Lúcio Costa. Desnecessário recordar Marcos Paulo Rabello,
engenheiro e empreiteiro, que morreu esquecido, aos 92 anos, e deixou
construídas centenas de edificações aqui. Inútil mencionar as belas obras
artísticas de Athos Bulcão, Bruno Giorgi, Alfredo Ceshiatti, entre outros.
Lembremos o humilde operário da construção
do Distrito Federal e da Capital do Brasil. Esse, sim, o verdadeiro herói, sem
o qual o cerrado do Planalto Central não se teria tornado patrimônio cultural
da humanidade. Isso porque cada um dos grandes nomes sempre lembrados acima
levava consigo a força de trabalho de milhares de cidadãos e as esperanças de
suas famílias na concretização de um sonho que também foi deles: o de
materializar o devaneio de D. Bosco em ver surgir, em pleno cerrado do Planalto
Central do Brasil, a nova Capital da República.
Concluamos, então, com um trecho do belo
poema de Vinícius de Morais, Operário em construção:
Era ele que erguia
casas
Onde antes só havia
chão.
Como um pássaro sem
asas
Ele subia com as
casas
Que lhe brotavam da
mão.
Mas tudo
desconhecia
De sua grande
missão:
Não sabia, por
exemplo,
Que a casa de um
homem é um templo
Um templo sem
religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele
fazia
Sendo a sua
liberdade
Era a sua
escravidão. […]
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