sexta-feira, 10 de junho de 2016

Correio mediúnico



Não perdoar

Hilário Silva

Bezerra de Menezes, já devotado à Doutrina Espírita, almoçava, certa feita, em casa de Quintino Bocaiúva, o grande republicano, e o assunto era o Espiritismo, pelo qual o distinto jornalista passara a interessar-se.
Em meio da conversa, aproxima-se um serviçal e comunica ao dono da casa:
– Doutor, o rapaz do acidente está aí com um policial.
Quintino, que fora surpreendido no gabinete de trabalho com um tiro de raspão que, por pouco, não lhe atingiu a cabeça, estava indignado com o servidor que inadvertidamente fizera o disparo.
– Manda-o entrar – ordenou o político.
– Doutor – roga o moço preso, em lágrimas –, perdoe o meu erro! Sou pai de dois filhos... Compadeça-se! Não tinha qualquer má intenção... Se o Senhor me processar, que será de mim? Sua desculpa me livrará! Prometo não mais brincar com armas de fogo! Mudarei de bairro, não incomodarei o Senhor...
O notável político, cioso da própria tranquilidade, respondeu:
– De modo algum. Mesmo que o seu ato tenha sido de mera imprudência, não ficará sem punição.
Percebendo que Bezerra se sentia mal, vendo-o assim encolerizado, considerou, à guisa de resposta indireta:
– Bezerra, eu não perdoo, definitivamente não perdoo...
Chamado nominalmente à questão, o amigo Bezerra exclamou desapontado:
– Ah!... você não perdoa!
Sentindo-se intimamente desaprovado, Quintino Bocaiúva falou irritado:
– Não perdoo erro. E você acha que estou fora do meu direito?
Bezerra cruzou os braços com humildade e respondeu:
– Meu amigo, você tem plenamente o direito de não perdoar, contanto que você não erre...
A observação penetrou Quintino Bocaiúva como um raio.
O grande político tomou um lenço, enxugou o suor que lhe caía em bagas, tornou à cor natural, e, após refletir alguns momentos, disse ao policial:
– Solte o homem. O caso está liquidado.
E para o moço que mostrava profundo agradecimento:
– Volte ao serviço hoje mesmo, e ajude na copa.
Em seguida, lançou inteligente olhar para Bezerra, e continuou a conversação no ponto em que haviam ficado.

Do livro Almas em Desfile, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.



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