sábado, 2 de julho de 2016

Contos e crônicas



Machado e as fraudes em concursos públicos

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Em meados do século XIX, eu era muito procurado por candidatos a concursos públicos, avaliados pela Escola de Promoção e de Seleção de Eventos (EPSE), para denunciar, na Gazeta de Notícias, as injustiças cometidas por essa instituição pública na correção de suas notas.
Nesse tempo, um dos mais notáveis advogados do Rio de Janeiro, que era meu amigo, costumava elaborar petições ao Ministério Público refutando os critérios de avaliação da EPSE. Entretanto... Deus, ó Deus! Envia novamente teu anjo Gabriel para esclarecer os ímpios de que Tu vês as suas falcatruas e alertá-los de que “nada há de encoberto, sobre a face da Terra, que um dia não seja descoberto”. O MP, entretanto, alegava não caber à justiça julgar os atos da Administração pública relacionados a critérios de avaliação de candidatos em seus concursos.
Pois bem, um dia, o presidente da escola, pressionado por meu amigo, resolveu mudar seus procedimentos avaliativos e atender os inúmeros reclamos de concursados sobre a falta de critérios avaliativos. O que para um avaliador merecia nota dez, para seu colega era zero certo. Desse modo, contratou-se um advogado, também de renomada, mas duvidosa reputação, com o fito de realizar estudos estabelecendo procedimentos equânimes nas correções textuais.
A partir desse dia... Misericórdia, Senhor! os candidatos deveriam abordar noções específicas relacionadas a um tema proposto, sem saberem quais dessas ideias tinham a obrigação de mencionar na redação. Desde então, as autoridades corruptas descobriram a fórmula mágica para aprovar todos os seus medíocres e não menos desonestos futuros servidores públicos, do ascensorista de elevador ao procurador da República.
Como isso era possível, Machado? Perguntará a curiosa leitora, e a resposta é simples: bastava-lhes informar, previamente, a seus protegidos quais eram as três ideias a serem expressas na redação e propor-lhes uma conclusão decorrente dessas noções.
Findo o concurso, para a avaliação dos textos, os professores indicados a esse mister receberiam um “gabarito” com a informação sobre a imposição de se enfocar aqueles tópicos. Desse modo, após preenchidas 70% das vagas com os “iluminados”, os 30% restantes de seres normais que aleatoriamente se aproximassem das “respostas previstas” completariam as vagas.
Essa foi a origem da expressão “apadrinhamento político”.
Quer um exemplo de como isso era feito? Em 1850, foi proposto o seguinte tema para preenchimento de vagas no Ministério da Fazenda: Escravidão, um bem ou um mal para o Brasil?
Agora leia, leitora amiga, o esquema conhecido apenas por 70% “eleitos pelo anjo Gabriel” e bem treinados para desenvolvê-lo com variações parafrásticas:
Introdução do primeiro parágrafo: “Antiguidade da servidão como justificativa à sua manutenção e benefícios para a produção agrícola, devido ao baixo custo dessa mão de obra”.
Desenvolvimento do segundo e terceiro parágrafos: 1. “Ruína financeira causada aos grandes fazendeiros, caso a escravidão fosse abolida”. 2. “Marginalização dos indivíduos libertos e desordem social causada por eles, devido ao aumento do número de desocupados nas ruas”.
Conclusão “esperada”: A escravidão é um bem imensurável para o Brasil e para os cidadãos. Para o nosso país, por elevar a produção agrícola, favorecendo a alimentação de qualidade do seu povo e a exportação dos excedentes. Para o cidadão, porque ela evita a vagabundagem e o crime, em consequência de uma atividade digna, pois “o trabalho move o mundo”.
Imagina, então, leitora indignada, o lucro dos donos de cursinhos participantes do esquema e como a “politicalha” engorda as contas dos bancos suíços. Não há nada de novo sob o Sol, diz o Eclesiastes. Concorda comigo, leitor?
Nesse esquema, as mais brilhantes redações abolicionistas receberiam nota zero.





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