quinta-feira, 5 de abril de 2018





Determinismo e fatalidade

Este é o módulo 74 de uma série que esperamos sirva aos neófitos como iniciação ao estudo da doutrina espírita. Cada módulo compõe-se de duas partes: 1) questões para debate; 2) texto para leitura.
As respostas correspondentes às questões apresentadas encontram-se no final do texto sugerido para leitura. 

Questões para debate

1. O Espiritismo admite o chamado determinismo absoluto?
2. Existe diferença entre determinismo e fatalidade?
3. Com relação ao tema acima, quais eram as opiniões de Sócrates e Platão?
4. A respeito de livre-arbítrio e determinismo, que é que nos ensina o Espiritismo?
5. Como entender, à luz do Espiritismo, expressões deste tipo: “O acidente que vitimou o jovem foi uma fatalidade”? A fatalidade então existe?

Texto para leitura

O determinismo absoluto não é ensinado pelo Espiritismo
1. Para os Espíritos Superiores não existe determinismo absoluto. O que chamamos fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova. Escolhendo-a, institui para si uma espécie de destino, que é a consequência mesma da posição em que se acha colocado em face da escolha feita. Evidentemente, os Instrutores espirituais referem-se aí às provas físicas, porque no que toca às provas morais e às tentações o Espírito é sempre senhor de ceder ou resistir, visto que Deus lhe conferiu a liberdade de escolha – o livre-arbítrio. Mesmo para as pessoas que pareçam perseguidas por um fatalismo marcante, as causas de suas vicissitudes, se não estão na vida presente, têm sua origem no passado, em existências anteriores. 
2. É importante, antes de tudo, não confundir determinismo com fatalidade. Determinismo é um sistema filosófico que nega ao homem o direito de agir livremente, isto é, de acordo com sua vontade. Esse sistema tem a representá-lo atualmente os positivistas e os materialistas de todas as escolas; mas é curioso notar que sua origem se encontra na escolástica religiosa, que subordinava rigorosamente à influência da Providência Divina a determinação da vontade. O determinismo materialista, como o determinismo religioso, negando o livre-arbítrio, suprime, em consequência, a responsabilidade da pessoa.  
3. A ideologia do determinismo vem de longe. Na mitologia grega, encontramos a concepção das Parcas: criaturas que teciam a teia do destino, na qual era colhida a espécie humana, sem que esta pudesse disso libertar-se. Para os primeiros pensadores gregos, o destino das pessoas estava intimamente ligado à crença no poder absoluto das forças do Universo. O destino do homem estaria, segundo tal pensamento, determinado por elas; a pessoa, impotente ante elas, devia tão somente obedecer-lhes.
4. Para Pitágoras e seus adeptos, a natureza do Universo seria formada de maneira a determinar o destino das pessoas. Os segredos de sua sorte estariam encerrados nos números e somente poderiam ser desvendados se se compreendesse seu significado. Entender a linguagem dos algarismos seria, dessa forma, fundamental à compreensão dos destinos humanos.
5. Heráclito ensinava que o processo cósmico obedece a determinadas leis. Toda mudança estaria de acordo com uma lei fixa e imutável, lei que constitui o princípio básico do mundo, à qual o homem estaria completamente sujeito. Heráclito refere-se a essa lei ou princípio chamando-a, às vezes, de destino; outras vezes, de justiça.

Kant propugnou o livre-arbítrio como necessário ao homem moral
6. Quem primeiro procurou afastar o homem da ideia de um destino inexorável foram os filósofos gregos chamados sofistas. Segundo eles, o homem não podia ficar inteiramente preso a um processo ou a leis de que não pudesse desvencilhar-se. Parecia-lhes impossível que o homem não exercesse certo efeito sobre o próprio destino. Sócrates também não aceitava tal domínio sobre os homens. Para ele, o conhecimento constituiria sua realização suprema. Alcançando o conhecimento, o homem agiria com acerto; sem o conhecimento, correria o risco de agir com desacerto. Além dessa concepção tão clara, Sócrates entendia ainda que o homem pode, pelo conhecimento, ter certa influência sobre seu destino na Terra e na vida futura.
7. Platão era defensor da liberdade. O homem – propunha Platão – pode vencer e de fato vence os objetivos do mundo. Embora criatura do Criador divino, pode ordenar sua vida de modo a vivê-la com espírito de justiça e sensatez. Aristóteles também acreditava na liberdade do homem. Segundo ele, a moral não era questão de lei inevitável, mas de livre escolha: o homem tem liberdade de fazer o que é bom ou o que é mau.
8. Outros filósofos gregos que entraram em cena posteriormente acreditavam ou não no determinismo. Epicuro, por exemplo, não considerava o homem um títere de forças inexoráveis; o livre-arbítrio afigurava-se-lhe importante. Os estoicos pensavam diferentemente, entendendo que o mundo é o resultado de leis fixas e imutáveis.
9. Os pensadores gregos religiosos concebiam uma liberdade relativa para o homem. Fílon acreditava que a encarnação da alma constituía uma queda, uma perda parcial da liberdade que ela possuía antes da encarnação. Plotino também acreditava na liberdade original, ou seja, o corpo é uma prisão e a alma ligada ao corpo está prisioneira, não é livre. Os pensadores cristãos dos primeiros tempos do Cristianismo e os da Idade Média, sobretudo os apologistas, acreditavam num homem basicamente livre e entendiam que sua queda advinha da ligação com o corpo. Pelágio doutrinava que Deus concedeu liberdade ao homem para que ele pudesse escolher entre o bem e o mal, dentro do espírito do livre arbítrio.
10. Mais próximos de nossa época, enquanto Espinosa apresenta-se totalmente determinista, Jean-Jacques Rousseau entendia que o homem é livre, não um joguete das leis naturais, mas uma alma que luta para viver segundo a liberdade que possui. Kant também propugnou o livre-arbítrio como necessário ao homem moral.

O homem não é fatalmente levado à prática do mal
11. Até aqui vimos as principais ideias dos seguidores e dos não seguidores do determinismo, uma divergência que ainda persiste em nossos dias. O Espiritismo, contudo, ensina que não existe um fatalismo, um determinismo, que norteie a vida do homem. Os constrangimentos à sua livre vontade resultam de débitos contraídos em existências anteriores que precisam ser resgatados. Sem a admissão da doutrina da reencarnação torna-se difícil entender as nuanças desse fato.
12. Das lições espíritas, podemos afirmar que o homem subordina-se a um livre-arbítrio relativo, que se expande ao longo do processo evolutivo, e a um determinismo relativo, decorrente dos equívocos cometidos no passado e que devem ser corrigidos e reparados. A reencarnação anula, portanto, a ideia de que haja contradição entre livre-arbítrio e determinismo e oferece-nos a ponte destinada a ligá-los entre si, de modo que se não choquem nas conjecturas do intelecto.
13. A questão do livre-arbítrio, ensina Kardec, pode resumir-se assim: O homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Pode ele, por prova ou por expiação, escolher uma existência em que sofra um arrastamento para o crime, quer pelo meio onde se ache colocado, quer pelas circunstâncias que lhe sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir.
14. A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável de todos os acontecimentos da vida, qualquer que seja sua importância. A fatalidade não é, porém, uma palavra vã, pois ela existe, de fato, na posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha, em consequência do gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova, expiação ou missão. Feita a escolha – a chamada programação reencarnatória – ele sofrerá fatalmente todas as vicissitudes e todos os arrastamentos a ela inerentes. Cessa aí, porém, a fatalidade, pois de sua vontade depende ceder ou não às influências e aos arrastamentos a que voluntariamente se sujeitou. Os pormenores dos acontecimentos ficam, por sua vez, subordinados às circunstâncias que ele próprio cria com seus atos e atitudes. 
15. Concluindo, podemos dizer que há fatalidade nos acontecimentos que se apresentam, por serem consequência da escolha que o Espírito fez de sua existência de encarnado, mas nunca existirá fatalidade nos atos da vida moral. Fique claro, contudo, que na escolha feita pelo Espírito são levados em conta os ditames da lei de causa e efeito, ocasião em que determinadas situações poderão ser incluídas na chamada programação reencarnatória, com vistas à expiação e à reparação de danos anteriormente produzidos pelo reencarnante.

Respostas às questões propostas

1. O Espiritismo admite o chamado determinismo absoluto?
Não. Segundo os Espíritos Superiores não existe determinismo absoluto. 
2. Existe diferença entre determinismo e fatalidade?
Sim. Não se pode confundir determinismo com fatalidade. Determinismo é um sistema filosófico que nega ao homem o direito de agir livremente, isto é, de acordo com sua vontade. O que chamamos fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito, ao encarnar, fez desta ou daquela prova. Escolhendo-a, institui para si uma espécie de destino, que é a consequência mesma da posição em que se acha colocado em face da escolha feita.
3. Com relação ao tema acima, quais eram as opiniões de Sócrates e Platão?
Quem primeiro procurou afastar o homem da ideia de um destino inexorável foram os filósofos gregos chamados sofistas. Segundo eles, o homem não podia ficar inteiramente preso a um processo ou a leis de que não pudesse desvencilhar-se. Sócrates também não aceitava tal domínio sobre os homens. Para ele, o conhecimento constituiria sua realização suprema. Alcançando o conhecimento, o homem agiria com acerto; sem o conhecimento, correria o risco de agir com desacerto. Além dessa concepção tão clara, Sócrates entendia ainda que o homem pode, pelo conhecimento, ter certa influência sobre seu destino na Terra e na vida futura. Platão era defensor da liberdade. O homem – propunha Platão – pode vencer e de fato vence os objetivos do mundo. Embora criatura do Criador divino, pode ordenar sua vida de modo a vivê-la com espírito de justiça e sensatez. 
4. A respeito de livre-arbítrio e determinismo, que é que nos ensina o Espiritismo?
O Espiritismo ensina que não existe um fatalismo, um determinismo, que norteie a vida do homem. Os constrangimentos à sua livre vontade resultam de débitos contraídos em existências anteriores que precisam ser resgatados. Das lições espíritas, podemos afirmar que o homem subordina-se a um livre-arbítrio relativo, que se expande ao longo do processo evolutivo, e a um determinismo relativo, decorrente dos equívocos cometidos no passado e que devem ser corrigidos e reparados.
5. Como entender, à luz do Espiritismo, expressões deste tipo: “O acidente que vitimou o jovem foi uma fatalidade”? A fatalidade então existe?
A fatalidade existe, sim, na posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha em consequência do gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova, expiação ou missão. Feita a escolha, sofrerá ele fatalmente todas as vicissitudes e todos os arrastamentos a ela inerentes. Cessa aí, porém, a fatalidade, pois da sua vontade depende ceder ou não às influências e aos arrastamentos a que voluntariamente se sujeitou. Os pormenores dos acontecimentos ficam, por sua vez, subordinados às circunstâncias que ele próprio cria com seus atos e atitudes. Pode-se dizer, pois, que existe fatalidade nos acontecimentos que se apresentam, por serem consequência da escolha que o Espírito fez de sua existência de encarnado, mas nunca existirá fatalidade nos atos da vida moral. Fique claro, contudo, que na escolha feita pelo Espírito são levados em conta os ditames da lei de causa e efeito, ocasião em que determinadas situações poderão ser incluídas na chamada programação reencarnatória, com vistas à expiação e à reparação de danos anteriormente produzidos pelo reencarnante.

Bibliografia:
O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, questões 851 e 872.
O Problema do Ser, do Destino e da Dor, de Léon Denis, pág. 345.
O Pensamento de Emmanuel, de Martins Peralva, pág. 202.
Ensinamentos Básicos dos Grandes Filósofos, de S. E. Frost Jr., tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho, Ed. Cultrix, pp. 137 a 149.


Nota:
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