O presépio
da praça italiana
CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR
Era uma tradição a montagem do presépio na praça
central de uma pequena cidade italiana. Mesmo o frio não era impedimento para a
senhora Extra Luiza ajudar com a arte natalina italianíssima.
A sua família era a responsável pela montagem do
presépio há mais de um século, pois o amor e a seriedade com esta arte já
existiam há várias gerações.
E mais uma vez o presépio estava montado. As
imagens tinham o tamanho de pessoas reais e tornava-se indistinguível a
realidade da ficção. A senhora Extra Luiza, com seu avental inseparável e com
os olhos lacrimejados, falou baixinho:
− Grazie, mio Dio.
Já era tarde da noite, a senhora e a família foram
para casa. O descanso seria um merecido presente para o corpo, pois o espírito
estava leve como as pombas da praça antiga da Itália.
Na manhã seguinte, a senhora, que morava na mesma
casa próxima à praça desde quando se casou há várias décadas, foi verificar
como havia ficado o presépio, embora fossem as mesmas peças há tantos anos,
Extra Luiza sempre dizia que cada ano o presépio ficava diferente. Quando a
senhora chegou à praça, já foi observando o presépio, ela olhava os detalhes,
as posições das imagens, se José estava com o doce olhar sobre Maria, se a
Virgem estava próxima de “nosso menino Jesus”, a senhora sempre se referia ao
“nosso menino Jesus”. Ela acariciava o rosto de José e o da Virgem Maria com
tanto amor. Extra Luiza até limpava a mão em seu avental para tocar o pequeno
Jesus.
Sim, estava tudo bem.
A senhora voltou para casa, mais à tardezinha
voltaria para estar com o carpinteiro, a Virgem e o nosso menino Jesus mais um
pouquinho.
Esta rotina se manteve durante os sequentes dias e
Extra Luiza e sua família sempre sorriam quando olhavam para o antigo presépio.
As pessoas abraçavam com o olhar toda a arte milagrosa na praça; havia os
olhares mais críticos artísticos, porém até mesmo os que não confessavam
buscavam a verdadeira arte do amor admirando a família santa rodeada pelos
puros e companheiros animaizinhos.
Os dias próximos do Natal ficaram muito frios e a
visitação diminuiu na praça, no entanto a senhora e seus familiares também
sentiam o frio, mas isso não os impedia de estarem com a santa família. E iam
durante o dia e muitas vezes à noite. E a senhora se encantava com o amor entre
o pai, a mãe e o Menino.
Na noite de 24 de dezembro, o frio era severo e a
neve caía do céu como “bênçãos”, foi a constatação da senhora.
Extra Luiza se aproximou do presépio, somente ela
estava por ali, até mesmo os mendigos da praça haviam se refugiado em algum
lugar mais quente. E a senhora começou uma prece em agradecimento, porém
começou a ouvir um chorinho leve de criança. Abriu os olhos e pensou que estava
ouvindo demais, era somente ela por ali. Mais uma vez ouviu. E agora viu algo
se mexer no bercinho de Jesus. Arregalou os olhos e aproximou-se; seus olhos,
com muitas lágrimas, não podiam acreditar. Passou as mãos nos olhos tentando limpá-los
da lágrima e viu o que ali estava.
− Dio mio!
Já dentro do presépio, Extra Luiza ficou bem perto
do bebê que choramingava em sua pureza e fragilidade. Observou que a imagem de
cerâmica do menino Jesus estava ao lado para dar lugar ao bebê supostamente
abandonado. Ele fora coberto com a própria manta que envolvia o nosso menino
Jesus no presépio.
A senhora, sem entender muito bem o que estava
acontecendo, não perdeu tempo e pegou o bebê em seus braços para aquecê-lo.
Beijou-o na testa e o enrolou bem naquela coberta. Deixou-o em cima de uma
palha enquanto, com muito cuidado, colocava o menino Jesus do presépio em seu
lugar acariciando o seu rostinho.
A neve caía como bênçãos do céu. Extra Luiza, com o
menino, quando atravessava a praça em direção à sua casa, lembrou-se das
palavras do Senhor Jesus:
“Em verdade eu vos digo: tudo o que fizestes a
um destes pequeninos é a mim que fizestes.”
E uma luz do alto iluminava a senhora com o bebê em
seus braços.
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