ASTOLFO O. DE OLIVEIRA
FILHO
aoofilho@gmail.com
Allan Kardec formulou aos instrutores espirituais
a seguinte pergunta: - Há demônios, no sentido que se dá a esta palavra?
Eles
responderam: “Se houvesse demônios, seriam obra de Deus. Mas, porventura, Deus
seria justo e bom se houvera criado seres destinados eternamente ao mal e a
permanecerem eternamente desgraçados? Se há demônios, eles se encontram no
mundo inferior em que habitais e em outros semelhantes. São esses homens
hipócritas que fazem de um Deus justo um Deus mau e vingativo e que julgam
agradá-lo por meio das abominações que praticam em seu nome.” (O Livro dos Espíritos, questão 131.)
Comentando
a resposta, o codificador da doutrina espírita escreveu:
“A
palavra demônio não implica a ideia de Espírito mau, senão na sua acepção
moderna, porquanto o termo grego daimon,
donde ela derivou, significa gênio,
inteligência e se aplicava aos seres incorpóreos, bons ou maus,
indistintamente.
Por
demônios, segundo a acepção vulgar da palavra, se entendem seres essencialmente
malfazejos. Como todas as coisas, eles teriam sido criados por Deus. Ora, Deus,
que é soberanamente justo e bom, não pode ter criado seres predispostos, por
sua natureza, ao mal e condenados por toda a eternidade. Se não fossem obra de
Deus, existiriam, como ele, desde toda a eternidade, ou então haveria muitas
potências soberanas.
A
primeira condição de toda doutrina é ser lógica. Ora, à dos demônios, no
sentido absoluto, falta esta base essencial. Concebe-se que povos atrasados, os
quais, por desconhecerem os atributos de Deus, admitem em suas crenças
divindades maléficas, também admitam demônios; mas é ilógico e contraditório
que quem faz da bondade um dos atributos essenciais de Deus suponha haver ele
criado seres destinados ao mal e a praticá-lo perpetuamente, porque isso
equivale a lhe negar a bondade.
Os
partidários dos demônios se apoiam nas palavras do Cristo. Não seremos nós quem
conteste a autoridade de seus ensinos, que desejáramos ver mais no coração do
que na boca dos homens; porém estarão aqueles partidários certos do sentido que
ele dava a esse vocábulo? Não é sabido que a forma alegórica constitui um dos
caracteres distintivos da sua linguagem? Dever-se-á tomar ao pé da letra tudo o
que o Evangelho contém? Não precisamos de outra prova além da que nos fornece
esta passagem: - Logo após esses dias de
aflição, o Sol escurecerá e a Lua não mais dará sua luz, as estrelas cairão do
céu e as potências do céu se abalarão. Em verdade vos digo que esta geração não
passará, sem que todas estas coisas se tenham cumprido.
Não
temos visto a Ciência contraditar a forma do texto bíblico, no tocante à
Criação e ao movimento da Terra? Não se dará o mesmo com algumas figuras de que
se serviu o Cristo, que tinha de falar de acordo com os tempos e os lugares?
Não é possível que ele haja dito conscientemente uma falsidade. Assim, pois, se
nas suas palavras há coisas que parecem chocar a razão, é que não as
compreendemos bem, ou as interpretamos mal.
Os
homens fizeram com os demônios o que fizeram com os anjos. Como acreditaram na
existência de seres perfeitos desde toda a eternidade, tomaram os Espíritos
inferiores por seres perpetuamente maus.
Por
demônios se devem entender os Espíritos impuros, que muitas vezes não valem
mais do que as entidades designadas por esse nome, mas com a diferença de ser
transitório o estado deles. São Espíritos imperfeitos, que se rebelam contra as
provas que lhes tocam e que, por isso, as sofrem mais longamente, mas que, a
seu turno, chegarão a sair daquele estado, quando o quiserem.
Poder-se-ia,
pois, aceitar o termo demônio com esta restrição. Como o entendem atualmente,
dando-se-lhe um sentido exclusivo, ele induziria em erro, com o fazer crer na
existência de seres especiais criados para o mal.” (L.E., comentários à questão
131.)
No
livro Instruções Práticas sobre as
Manifestações Espíritas, no capítulo intitulado Vocabulário, Allan Kardec
tratou de forma bem objetiva dos termos demônio, diabo e Satã, que adiante
reproduzimos:
Demônio
(do lat. Daemo, feito do gr. Daimon,
gênio, sorte, destino, manes) – Daemones,
tanto em grego como em latim, se diz de todos os seres incorpóreos, bons ou
maus, e que se supõe terem conhecimentos e poder superiores aos dos homens. Nas
línguas modernas esta palavra é geralmente tomada em má acepção, que se
restringe aos gênios malfazejos. Segundo a crença vulgar, os demônios são seres
essencialmente maus por sua natureza. Os Espíritos nos ensinam que Deus, sendo
soberanamente justo e bom, não pode ter criado seres voltados ao mal e
desgraçados por toda a eternidade. Segundo eles não há demônios na acepção absoluta e restrita desta palavra; há apenas
Espíritos imperfeitos, que podem, todos, aperfeiçoar-se por seus esforços e por
sua vontade. Os Espíritos da nona classe seriam os verdadeiros demônios, se esta palavra não
implicasse a ideia de uma natureza perpetuamente má.
Diabo
(do gr. Diabolos, delator, acusador, maldizente, caluniador) – Segundo a
crença vulgar, é um ser real, um anjo rebelde, chefe de todos os demônios, e
que tem um poder bastante grande para lutar contra o próprio Deus. Ele conhece
nossos pensamentos mais secretos, insufla todas as más paixões e toma todas as
formas para nos induzir ao mal. Conforme a doutrina dos espíritos sobre os
demônios, o diabo é a personificação do mal; é um ser alegórico, resumindo em
si todas as paixões más dos Espíritos imperfeitos. Da mesma forma que os povos
da antiguidade davam às suas divindades alegóricas atributos especiais – ao tempo
uma foice de segar, uma ampulheta, asas e a figura de um ancião; à fortuna
uma venda sobre os olhos e uma roda sob um pé, etc. –, igualmente o diabo
teve que ser representado sob os traços característicos da baixeza de
inclinações. Os chifres e a cauda são os emblemas da bestialidade, isto é, da
brutalidade, das paixões animais.
Satã
(do hebreu chaitán, adversário,
inimigo de Deus) – O chefe dos demônios. Esta palavra é sinônimo de diabo, com
a diferença de que este último vocábulo pertence mais do que o primeiro à
linguagem familiar. Em segundo lugar, de acordo com a ideia ligada a esta
palavra, Satã é um ser único: o gênio do mal, o rival de Deus. Diabo é um termo
mais genérico, que se aplica a todos os demônios. Há somente um Satã (ou
Satanás), porém há vários diabos. Segundo a doutrina espírita, Satanás não é um
ser distinto, pois Deus não tem rival com quem possa medir-se, poder contra
poder. Satã é a personificação alegórica do mal e de todos os maus Espíritos
(v. Diabo, Demônio).
Com
estas informações, desde que aceite os ensinos espíritas, o estimado leitor
pode perfeitamente responder à pergunta inicialmente proposta: - Demônios
existem?
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