JORGE
LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De
Brasília-DF
Não adianta, o povo não aceita a linguagem do
povo. Ele quer é falar bonito, quando não, difícil, ainda que não entenda e nem
seja entendido, ainda que desconheça o significado de todas as palavras que o
dotô diga. Mas em geral há comunicação...
— Dotô eu tô cuma dô de cabeça, o sinhô tem
navagina pra mim dá? Disse uma paciente do interior que recebia a visita do
médico em atendimento pelo Funrural (fundo de saúde que atende esporadicamente
as regiões pobres do interior brasileiro).
Em seguida, outra disse ao dentista:
— Meu dente dói muito dotô. O sinhô pode distraí
ele?
Ao final dos atendimentos: dúzias de ovos e de
bananas, sacos de laranja, galinhas caipiras, cocos eram ofertados com gratidão
a enfermeiros, médicos e dentistas, seus benfeitores, por aquelas pessoas do interior.
Não faz muito tempo (apenas 141 anos), quando me
referi à língua, no final de meu artigo conhecido como “Instinto de
nacionalidade”, critiquei a falta da pureza da linguagem dos nossos livros.
Alguns defeitos graves relacionados por este
articulista àquela época: “solecismos da linguagem comum” e o galicismo
excessivo. O primeiro caracteriza-se pelos erros de concordância, de regência,
de colocação pronominal, etc. O segundo é fruto do espírito acomodatício de
alguns falantes do francês que, por preguiça, ou mesmo por exagero de princípio
mantêm a palavra no original francófono. Exemplo: o uso da palavra francesa
desencarne, em vez de desencarnação. Para muitos, pura bobagem, o que importa é
a comunicação. (Primeira rima.)
E como o Brasil, parodiando a frase do meu
prezado amigo Humberto de Campos, é o coração do mundo, a pátria da pureza de
todas as línguas, menos da pureza da sua, o brasileirismo do meu tempo não é o
do seu, meu caro leitor. Atualmente, com a influência dos estudos linguísticos,
tenta-se igualar, em termos de fala ou escrita, a língua do povo com a dos
doutos. Irrisão pura. Os cursinhos, concursos, livros técnicos, periódicos,
escolas e academias continuam aceitando como padrão unicamente a chamada norma
culta, para desespero dos linguistas, que não convencem nem mesmo os simples de
que a destes é uma linguagem correta.
Posso na prática exemplificar, se o leitor
exigente o desejar. (Segunda rima em dois decassílabos.)
Nem tudo, porém, está perdido. Eis que a literatura
vem, contemporaneamente, resgatar o uso da linguagem do povo, coadjuvada pelas
composições musicais populares. E isso é um espanto, para os puristas da
linguagem. Inaceitável, gritam do alto do seu soberbo saber sacripanta. (Alta
aliteração.)
Veja, nobre leitor, por exemplo, esta estrofe de
“Garota na chuva”, cantada por Ednéia Macedo,
que primor:
Garota na chuva ou no verão,
Garota na chuva são as quatro “estação”,
Garota na chuva ou no verão,
Garota na chuva,
A maior sensação.
A Ednéia canta e encanta... Mas vai você
escrever assim no vestibular de qualquer universidade para ver se não receberá
um rotundo zero em sua redação.
Com a intolerância ou não dos conservadores,
porém, eis que a literatura da pós-modernidade coloca de ponta cabeça tudo o que
de antanho era considerado irretocável. E novo cânone literário surge no
horizonte para ficar eternamente conosco, como também nos prometera o Profeta
sobre o Espírito de Verdade (S. João, 14:16, 17).
Meu caro, se a voz do povo fosse a voz de Deus,
o Cristo não seria crucificado.
Repito o que disse antes sobre a inexistência de
dúvida em relação ao aumento e alteração da língua, com o uso consuetudinário e
os costumes da nação. Riqueza de dizer, novas locuções entram no domínio
estilístico e adquirem direito de cidadania.
Só não é aceitável que se olvidem as normas
sintáticas e se descumpra o VOLP*, da ABL*, fundada e presidida por mim, tão
zelosa da pureza idiomática. Afinal de contas, repito pela última vez:
A influência popular tem um limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão.
A não ser que esteja tratando da literatura brasileira contemporânea. Nesse caso, o buraco é mais embaixo, respeitável leitor.
A influência popular tem um limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão.
A não ser que esteja tratando da literatura brasileira contemporânea. Nesse caso, o buraco é mais embaixo, respeitável leitor.
Vem-me à mente os versos do heteronímico
Fernando Pessoa em Mar
Português : “Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é
pequena”.
Quanto ao que disse alhures sobre a pouca
leitura dos clássicos, continua da mesma forma: pouca leitura, muita besteira
na internet.
Outrora, afirmara que “cada tempo tem o seu
estilo”.
Hoje, porém, que evoluí, participo da opinião
daqueles que pensam o contrário. No mundo atual, todos os estilos têm seu lugar
no espaço.
O que permanece inalterável, em minha fala, é a
questão da precipitação na elaboração de textos, pelos nossos escritores
contemporâneos. Por que dizer em dez páginas o que pode ser dito em dez linhas?
E, se há intenção de igualarem-se as criações do
espírito com as da matéria, atualmente, com toda a autoridade de espírito
liberto da carne, afianço-lhes que isso é inconciliável. Podemos até dar a
volta ao mundo em oito horas, mas para se produzir algo original e de alto
interesse literário é necessário um pouco mais de tempo.
Vivo o espírito, suavidade e sublimidade
sentimental, estilo gracioso aliado aos dotes de observação e crítica, gosto
por vezes duvidoso, pouca reflexão e staccato, impureza eventual do idioma,
intensa cor local...
Enfim,
nada disso importa mais em nossa produção literária, que desde os anos
setenta do século XIX, salvo raras exceções, ingressou nesta bosta política que
vemos na atualidade: o instinto de nacionalidade mistura a lei de gérson com
a mediocridade, a corrupção, a ausência
de autoridade, o nepotismo e o apadrinhamento. (Últimas rimas.)
Enfim, tudo pode ser objeto da literatura, a
política, principalmente.
Em “O passado, o presente e o futuro da
literatura” (A Marmota, 9 e 23 abr. 1858), eu disse que “Uma revolução
literária e política fazia-se necessária”.
Alguma novidade política em relação ao que era
antes, leitor?
E eis que o futuro se faz presente.
Qual!
VOLP* - Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa.
ABL* – Academia Brasileira de Letras.
Acesse o blog: www.jojorgeleite.blogspot.com
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