Um amigo, ainda neófito no tocante ao Espiritismo,
pergunta-nos quais são as diferenças essenciais entre os ensinamentos que
recebemos das religiões tradicionais e os ensinos espíritas.
Segundo a doutrina da Igreja católica, apostólica,
romana, a alma, independente da matéria, é criada no nascimento de cada ser.
Sobrevive e conserva sua individualidade depois da morte. A partir desse
momento, sua sorte está irrevogavelmente fixada. Seus progressos ulteriores são
nulos, e, por isso, ela será por toda a eternidade, intelectual e moralmente, o
que era durante a vida.
A exceção a essa regra são os anjos, almas
privilegiadas e isentas, desde a sua criação, de todo e qualquer trabalho para
chegarem à perfeição.
Quanto a todos os outros, o regime é bem diferente.
Os indivíduos maus são condenados a castigos perpétuos
e irremissíveis no inferno, do que resulta, para eles, a inutilidade completa
do arrependimento. Parece, segundo tais ideias, que Deus não deseja que eles
tenham a oportunidade de reparar o mal que fizeram.
Os bons, por sua vez, são recompensados pela visão de
Deus e a contemplação perpétua no céu. Os casos que podem merecer, pela
eternidade, o céu ou o inferno, são deixados para a decisão e o julgamento de
homens falíveis, a quem é dado absolver ou condenar.
Essa doutrina ensina, ainda, a separação definitiva e
absoluta dos condenados e dos eleitos e a inutilidade dos auxílios morais e das
consolações para os condenados.
Em face de semelhante doutrina, ficam sem solução os
problemas seguintes:
1º Por que Deus criou anjos, chegados à perfeição sem
trabalho, ao passo que outras criaturas estão submetidas às mais rudes provas,
nas quais têm mais chances de sucumbir do que de sair vitoriosas?
2º De onde vêm as disposições inatas, intelectuais e
morais, que fazem com que os homens nasçam bons ou maus, inteligentes ou
idiotas?
3º Qual é a sorte das crianças que morrem em tenra
idade? Por que entram elas na vida feliz sem o trabalho ao qual outras estão
sujeitas durante longos anos? Por que são recompensadas sem terem podido fazer
o bem, ou privadas de uma felicidade sem terem feito o mal?
4º Qual é a sorte dos cretinos e dos idiotas, que não
têm consciência de seus atos?
5º Onde está a justiça da miséria e das enfermidades
de nascimento, uma vez que não são resultado de nenhum ato da vida presente?
6º Qual é a sorte dos selvagens e de todos aqueles que
morrem forçosamente no estado de inferioridade moral, onde se encontram
colocados pela própria Natureza, se não lhes é dado progredir ulteriormente?
7º Por que Deus cria almas mais favorecidas umas do
que as outras?
8º Por que o Criador chama a si, prematuramente,
aqueles que teriam podido se melhorar se tivessem vivido por mais longo tempo,
tendo em vista que não lhes é dado avançar depois da morte?
*
A doutrina espírita ou o Espiritismo apresenta-nos uma
visão totalmente diferente acerca da alma e da vida.
O princípio inteligente é independente da matéria. A
alma preexiste e sobrevive ao corpo. É o mesmo o ponto de partida para todas as
almas, sem exceção nenhuma. Todas são criadas simples e ignorantes, e
submetidas ao progresso indefinido. Nenhuma criatura é privilegiada ou
favorecida, mais do que as outras.
Os anjos são seres chegados à perfeição depois de
terem passado, como as outras criaturas, por todos os graus da inferioridade.
As almas, ou Espíritos, progridem mais ou menos rapidamente em virtude de seu
livre-arbítrio, pelo seu trabalho e sua boa vontade. A vida espiritual é a vida
normal; a vida corpórea é uma fase temporária da vida do Espírito, durante a
qual ele reveste, momentaneamente, um envoltório material de que se despoja na
morte.
O Espírito progride no estado corpóreo e no estado
espiritual. O estado corpóreo é necessário ao Espírito até que ele atinja um
certo grau de perfeição. Nesse estado, o Espírito se desenvolve pelo trabalho a
que está sujeito pelas suas próprias necessidades, e adquire conhecimentos
práticos especiais. Sendo uma única existência corpórea insuficiente para
fazê-lo adquirir todas as perfeições, retoma um corpo tantas vezes quantas
forem necessárias e, a cada vez, a ele chega com o progresso que alcançou em
suas existências anteriores e na vida espiritual.
O estado feliz ou infeliz dos Espíritos é inerente ao
seu adiantamento moral; sua punição é a consequência de seu endurecimento no
mal; mas a porta do arrependimento jamais lhes é fechada, e podem, quando
querem, retornar ao caminho do bem e chegar, com o tempo, à meta a que todos
somos destinados.
As crianças que morrem em tenra idade podem ser mais
ou menos avançadas, porque já viveram em existências anteriores, onde puderam
fazer o bem ou cometer suas más ações. A morte não as livra das provas que
devem sofrer, e recomeçam, em tempo útil, uma nova existência sobre a Terra ou
em mundos superiores, segundo o seu grau de elevação.
A alma dos cretinos e dos idiotas é da mesma natureza
que a de qualquer encarnado; e frequentemente sua inteligência é superior. Eles
tão somente sofrem a insuficiência dos meios que têm para entrar em relação com
os seus companheiros de existência, como os mudos sofrem por não poderem falar.
Abusaram de sua inteligência, em suas existências anteriores, e aceitaram,
voluntariamente, estar reduzidos à impossibilidade para expiarem o mal que
cometeram. Finda essa expiação, voltam ao estado normal que caracteriza a
criatura humana.
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