JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
E tu, ó caridade, ó virgem do Senhor,
No amoroso seio as crianças tomaste,
E entre beijos — só teus — o pranto lhes secaste
Dando-lhes pão, guarida, amparo, leito e amor.
(Machado de Assis. A caridade. Última estrofe.)
Quem pensa que me aproveitei do Espiritismo para
fazer literatura está completamente certo. Aproveitei-me, sim, tanto é verdade
que encarreguei este meu secretário de fazer um levantamento de todas as minhas
crônicas nas quais a nova Doutrina é citada direta ou indiretamente. Sem contar
a presença dos personagens e fatos espíritas em meus duzentos contos e dez
romances (incluo aqui Casa velha).
Agora volto do além,
Após ter estado aquém.
No peito trazendo um dó
Em redondilha maior.
É o dó de ter criado fama literária com base no
rico veio espírita, que nem sempre vi com bons olhos...
Já em crônica datada de 2 de dezembro de 1894,
quando rasguei de minhas retinas o véu de Ísis, comentei: “A consciência é o mais
cru dos chicotes” (In: A semana).
Nada mais certo do que nossa constatação sobre a
vantagem dos velhos sobre os jovens em relação à maturidade. A experiência
permite-nos corrigir aqueles passos dados mais largos do que as calças
comportam na juventude.
Daí eu retornar para ratificar o que comprovei
na experiência pós-existência física: é verdade, a mente controla a matéria. A
de Deus, mentezona, controla, igualmente, a matéria e o espírito; a nossa,
mentezinha, controla, em parte mais ou menos ampla, a matéria, até que
consigamos espiritualizá-la.
Dito isso, procuraremos demonstrar ao curioso
leitor, pelo método da linha do tempo, de que modo partimos de uma
intransigência radical a uma dúvida, a um respeito e, por fim, a uma completa
certeza sobre as verdades pregadas pela crença espírita. O corpus analisado é o
das nossas doze crônicas com abordagem do Espiritismo, 2% de todas as 600
crônicas escritas por nós. Vamos à linha do tempo:
16 de junho de 1878, V (Notas semanais):
confundo adivinhação e Espiritismo, que demonizo e critico;
05 de outubro de 1885 (Balas de estalo): informo
ao leitor sobre conferência assistida na Federação Espírita Brasileira, RJ, que
ironizo;
11 de outubro de 1885 (Balas de estalo): minha
suposta iniciação na nova “igreja”, impedida pela proibição de fingimento de
inspiração “por potências invisíveis” e de “predizer coisas tristes ou
alegres”;
19 de julho de 1888 (Bons dias!): fina ironia à
constatação, pela própria Federação Espírita Brasileira, de fraudes cometidas
pelo médium inglês Dr. Slade, que esteve no Rio de Janeiro;
7 de junho de 1889 (Bons dias!): critico
veementemente o “Espiritismo” como coisa de alienados mentais, mentecaptos e de
idiotas; chego a forjar “estatísticas” que comprovam ser o Espiritismo coisa de
“doido varrido”; mas na verdade, apenas analisei um dos postulados espíritas,
que é a mediunidade, sem necessariamente uma coisa ser o mesmo que a outra,
pois esse fenômeno não é privilégio dos espíritas; em minha época, era comum a
confusão entre cultos afros, curandeirismo, adivinhações, profecias e
mediunismo com o Espiritismo;
29 de agosto de 1889 (Bons dias!): comparo
curandeirismo com Espiritismo, ao qual ataco injustificadamente e digo que
ambos são a mesma coisa, agravada pelo fato de o segundo criar “idiotas e
alienados”;
03 de julho de 1892 (A semana): abordo a
desencarnação e a reencarnação e cito frase semelhante à do túmulo de Allan
Kardec: “Nascer, morrer, tornar a nascer e renascer ainda, progredir sempre”.
Cito igreja e sacerdotes espíritas, o que jamais existiu no Brasil. Demonstro,
nessa crônica, boa vontade para com os espíritas, mas, em meio a verdades,
cometo equívocos como os citados;
2 de setembro de 1894 (A semana): refiro-me ao
Espiritismo e sua lei da reencarnação como possibilidades reais: “Ou o
Espiritismo é nada, ou Miller foi condutor de bonde em alguma existência
anterior [...]”, e já não critico o Espiritismo;
23 de setembro de 1894 (A semana): informo que o
Espiritismo “é uma verdade”, e brinco com a fingida suposição minha de que o
“espírito de um homem pode reencarnar-se num animal”, contrariamente ao que
prega o Espiritismo, o qual só admite a reencarnação do espírito humano em
corpo também humano;
27 de outubro de 1895 (A semana): reconheço que
“o Espiritismo é uma religião, não sei se falsa ou verdadeira”;
29 de dezembro de 1985 (A semana): confirmo que
“o Espiritismo se ocupa de altos problemas” e defendo a liberdade religiosa;
13 de setembro de 1896 (A semana): saio-me com
esta afirmação: “Há muito que os espíritas afirmam que os mortos escrevem pelos
dedos dos vivos. Tudo é possível neste mundo e neste final de um grande
século”. Nessa última crônica, já não confundo pseudomédiuns ou profetas com o
Espiritismo, como se vê nesta afirmação: “Quanto à doutrina em si mesma, não
diz o telegrama qual seja; limita-se a lembrar outro profeta por nome Antônio
Conselheiro”.
Refiro-me ao “profeta baiano Benta Hora”, que
foi preso, mas cuja liberdade de se expressar também defendo: “Ora, pergunto
eu: a liberdade de protestar não é igual à de escrever, imprimir, orar,
gravar?”.
Do respeito à convicção total, bastou o período
de algumas horas após minha desencarnação, em 1908, quando observei in loco a
vida espiritual e não, como cheguei a supor, já na idade madura, ser o espírita
um louco.
Entristecido, por ter agido, durante tantos
anos, como um verdadeiro alienado que, do lado de fora, colocara os sãos do
lado de dentro do hospício; tratei de soltá-los, como o fez meu personagem d’O Alienista, e meti-me lá, eu mesmo.
Ali, chorei como criança...
Foi quando minha doce Carola, cercada de bons
espíritos, entrou, aproximou-se de mim e libertou-me do cárcere das trevas em
que estava.
Em suas mãos, ela trazia uma faixa com a bela
máxima espírita, que não distingue nenhum filho de Deus, seja crente ou ateu, e
contradiz minhas antigas acusações de pretender ser o Espiritismo a única
religião verdadeira. Ela intitula o capítulo 15 d’O evangelho segundo o
espiritismo:
Fora da
caridade não há salvação.
Leia,
quando puder, o blog www.jojorgeleite.blogspot.com
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