domingo, 31 de dezembro de 2023

 



Fim de ano

 

ASTOLFO O. DE OLIVEIRA FILHO

aoofilho@gmail.com

 

E eis que chega ao fim mais um ano!

Terá sido um ano feliz? Evidentemente que não, pois se alguns poucos podem rejubilar-se ao final de 2023, não podemos ignorar que a grande maioria dos homens, aqui e no exterior, ainda espera o advento de dias efetivamente felizes, em que a paz reine nos corações e a consciência não mais se debata intranquila.

A Religião poderia – caso se esforçasse para isso – trazer-nos esses dias, porque a felicidade real não está de modo algum vinculada às posses mundanas.

Que ninguém se esqueça de que o homem nasce nu e de igual modo retorna ao plano espiritual. A ideia de se colocar joias, ouro e outras relíquias de valor em nossa tumba, que acalentou os sonhos dos faraós, não passa de uma iniciativa vã, visto que esses bens podem ter enorme valor no plano em que estamos, mas nenhuma utilidade terão no outro mundo.

O homem abastado, que supomos extremamente feliz devido às suas posses, daria certamente toda a sua fortuna ou parte dela em troca da vida de um filho que a morte levasse.

É claro que o amor de pai, a amizade fraterna que cultivamos ao longo da existência, a paz interior que os familiares queridos nos inspiram, nada disso pode ser medido em termos monetários, o que mostra que as aspirações humanas realmente legítimas são, em última análise, as que podem conduzir a criatura ao encontro do Criador, que é o objetivo final da Religião.

Em que pesem tais considerações, vive-se na Terra uma época de materialismo desenfreado e persistente. Não nos reportamos aqui apenas ao materialismo ideológico, mas ao materialismo prático, que encontramos mesmo na vida dos supostamente religiosos. O egoísmo é, não há como contestar, a raiz desse materialismo, que responde por várias distorções que maculam a civilização do nosso tempo e gera essa febre mundial pela acumulação de bens.

O comportamento materialista é também, em realidade, um atestado de falta de fé e uma demonstração da falência das religiões, que não têm conseguido incutir nas cogitações dos homens, salvo uma vez por semana, por ocasião dos cultos religiosos, uma réstia de luz que os norteie na sua jornada terrena.

“Nós vivemos, nós vivemos, nós – os mortos – vivemos...” – eis o recado dos Espíritos daqueles que já partiram para o além-túmulo.

Que sentido tem para nós este aviso?

Sem qualquer cogitação de ordem filosófica, ele tem pelo menos este: que a morte não existe, que a existência terrena é uma faceta da vida do Espírito, que a alma é imortal e que nos importa desenvolvê-la com todas as forças do nosso ser, visto que é ela que sobrevive ao final desse processo.

Assim pensando, vibremos para que o ano que amanhã se inicia nos leve a compreender melhor os apelos da religião que professamos e seja ele o princípio de uma vida de paz e de renovação dos nossos hábitos.

Adeus ao Ano velho, que hoje se finda.

Boas-vindas ao Ano Novo, que esperamos traga luz e esperança para todos nós.

 


 


 

 

 

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sábado, 30 de dezembro de 2023

 



A folhinha poética e dois poemas

 

JORGE LEITE DE OLIVEIRA

jojorgeleite@gmail.com

 

Alma irmã, recebi de um xará português, que anualmente publica em seu blog uma folhinha poética, em geral com um ou outro poema nosso, novo trabalho que prestigia poetas famosos e meros flecheiros do amor e do espírito, como é o nosso caso. Releve, pois, a pretensão deste insignificante escrevinhador, por vezes metido a poetar, que resolveu compartilhar com você os links do amigo, que tem promovido eventos poéticos aos quais nos convida a participar.

Acesse o link abaixo para visualizar a Folhinha Poética 2024, elaborada pelo Jorge Carlos Amaral. Um poema a cada dia do ano. Depois é só imprimir e encadernar:  

https://drive.google.com/file/d/1jR5KIttSTz9ZMEN6Xs4IomoWbBPUwL0L/view

“Se estiver com dificuldade para baixar a Folhinha, dê uma olhadinha no tutorial no link abaixo”, propõe-nos seu autor.

https://www.youtube.com/watch?v=ry8cjdEmv2c

Em seguida, convida-nos a interagir diariamente neste link. Quem sabe com a proposta de seus belos poemas, alma amiga, para fazer parte de futuras folhinhas:

https://folhinhapoetica.blogspot.com/

O poema do dia do meu aniversário, inserido na folhinha 2024, é de autoria de Adriano Correia de Oliveira e tem por título AS MÃOS. E o poema do seu dia, alma querida, quem escreveu e qual é o título dele?

 

AS MÃOS

 

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.

Com mãos tudo se faz e se desfaz.

Com mãos se faz o poema - e são de terra.

Com mãos se faz a guerra - e são a paz.

 

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.

Não são de pedras estas casas, mas

de mãos. E estão no fruto e na palavra

as mãos que são o canto e são as armas.

 

E cravam-se no tempo como farpas

as mãos que vês nas coisas transformadas.

Folhas que vão no vento: verdes harpas.

 

De mãos é cada flor, cada cidade.

Ninguém pode vencer estas espadas:

nas tuas mãos começa a liberdade.

 

Adriano Correia de Oliveira

 

Como não gosto de ficar para trás, embora minha competição seja comigo mesmo, completo o soneto de Adriano com minha homenagem seguinte intitulada OS PÉS: 

 

Os pés conduzem-nos por toda parte.

Servem-nos para caminhar em vão,

Como também para correr com arte

Atrás da bola ou do rabecão.

 

Com pés atrofiados, ninguém parte

Para lugar algum com pés no chão.

E isto aqui na Terra ou lá em Marte.

 

Senão fazendo de seus pés as mãos...

Mas pés ligeiros como os de Pelé,

E em pernas tortas como as de Garrincha,

 

Não podem ser os de qualquer mané,

Pois têm que ser quais lavas de vulcões,

Como se diz na língua de Camões.

 

Irmão Jó

 

Palmo a palmo e pé ante pé, desejo a todos os meus leitores e leitoras um Natal com muitas castanhas, rabanadas, um pouco de vinho e muita saúde, viralizando por todo o ano de 2024.

 

Acesse o blog: www.jojorgeleite.blogspot.com

 

 

 


 

 

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sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

 



No Invisível

 

Léon Denis

 

Parte 49

 

Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial do clássico No Invisível, de Léon Denis, cujo título no original francês é Dans l'Invisible.

Nossa expectativa é que este estudo sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.

Cada parte do estudo compõe-se de:

a) questões preliminares;

b) texto para leitura.

As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto indicado para leitura.

Este estudo é publicado sempre às sextas-feiras.

 

Questões preliminares

 

A. É verdade que Kant, o célebre autor da Crítica da razão pura, também atestou as faculdades mediúnicas de Emmanuel Swedenborg?

B. Balzac foi médium?

C. Os mortos são invisíveis, mas não são ausentes. Quem disse tais palavras?

 

Texto para leitura

 

1256. Jerônimo Cardan, em “De Rerum Varietate” (VIII, 3), felicitava-se por ter os “dons” que permitem cair em êxtase à vontade, ver objetos estranhos com os olhos do espírito e ser informado do futuro.

1257. Schiller declarou que seus mais belos pensamentos não eram de sua própria criação; ocorriam-lhe tão rapidamente e com tal energia que ele tinha dificuldade em apreendê-los com suficiente presteza para os transcrever.

1258. As faculdades mediúnicas de Emmanuel Swedenborg, o filósofo sueco, são atestadas pela célebre carta de Kant à Srta. De Knobich. Nessa missiva, o autor da “Crítica da razão pura” refere que a Sra. Harteville, viúva do embaixador alemão em Estocolmo, obteve por intermédio do Barão de Swedenborg uma comunicação de seu defunto marido, relativa a um documento precioso que não fora possível encontrar, apesar de repetidas buscas; estava guardado numa gaveta secreta, cuja existência foi revelada pelo falecido, e que só ele conhecia.

1259. O incêndio de Estocolmo, visto e descrito por Swedenborg a trezentas milhas de distância, é também uma prova da pujança de suas faculdades. Pode-se, portanto, admitir que as teorias por ele formuladas acerca da vida invisível não são produto de sua imaginação, mas lhe foram inspiradas por visões e revelações. Quanto à forma sob a qual ele as descreveu, não se lhe deve ligar mais que uma importância relativa. Todos os videntes cedem à necessidade, em que se encontram, de traduzir a percepção que têm do invisível com o auxílio das formas, das imagens, das expressões impostas por sua educação e familiares ao meio em que vivem. É assim que, conforme o tempo e as latitudes, darão aos habitantes do outro mundo os nomes de deuses, anjos, demônios, gênios ou espíritos.

1260. Vejamos agora os grandes escritores do século XIX. Chateaubriand e sua irmã Lucília têm igual direito a ser considerados inspirados:

“A primeira inspiração do poeta, sua primeira musa – assegura-se – foi sua irmã Lucília. Não há a mínima dúvida de terem os anos passados ao pé dessa criatura sonhadora e mística deixado um sulco no coração do moço, comovido, como o recorda ele (Memórias de Além-Túmulo), pelos súbitos desalentos dessa natureza consternada e extática. Essa criatura misteriosa, meio sonâmbula, quase dotada da dupla vista, como uma habitante das ilhas Hébridas, atravessou a infância de Chateaubriand como a figura da dor. Transmitiu sua poética enfermidade moral a esse irmão já tão mortificado; é assim que ela entra por metade em todas as concepções do poeta. Nesse coro de brancas visões... por toda parte a encontraremos. Suas estranhas predições não lhe teriam feito entrever o tipo de uma Veleda?”

1261. Balzac, em “Ursule Mirouet”, “Séraphita”, “Louis Lambert”, “La Peau de Chagrin” etc., tocou em todos os problemas da vida invisível, do ocultismo e do magnetismo. Todas essas questões lhe eram familiares. Tratava-as com a competência do verdadeiro mestre, numa época em que ainda eram pouquíssimo conhecidas. Era não somente um profundo observador, mas também um vidente na mais elevada acepção do termo.

1262. Edgard Quinet teve as mesmas intuições geniais, se acreditarmos no Sr. Ledrain, crítico literário extremamente céptico, que assim se exprimia num artigo do “L'Éclair”, por ocasião do seu centenário, em 1903:

“Ao mesmo tempo em que o mundo visível o extasiava, tinha ele os olhos fixos no mundo invisível. Foi um fervoroso espiritualista, como todos os de sua geração, como Lamartine, Victor Hugo, Michelet. Acreditava na ‘cidade imortal das almas’, na pátria de onde se não pode ser banido por homem algum. O sopro de não-sei-quê país supraterrestre em certos momentos o envolve e transporta como suspenso em asas, aos espaços infinitos. Lede seu discurso ao pé do túmulo de sua mãe, de seu genro Georges Mourouzi; que inflexões do Alto! É um nabi (profeta), a elevar-se acima de todos os sacerdócios e a falar em nome do Eterno, como investido de uma missão direta.”

1263. Lamartine, em “Jocelin” e na “Chute d'un Ange”, e Jean Reynaud, em “Terre et Ciel”, podem também ser considerados inspirados. Lamartine escrevia a Arlès Dufour, para se defender de uma censura de Infantin:

“Eu tenho meu objetivo; não o suspeita ele; ninguém sabe qual seja, exceto eu. Elevo-me em sua direção, na medida que o comporta o tempo e não mais depressa. Esse objetivo é impessoal e puramente divino. Mas tarde será desvendado. Enquanto espero, como quer ele que eu fale a homens de carne e osso a pura linguagem dos Espíritos?”

1264. Michelet, em certas ocasiões, parece estar sob o império de algum poder desconhecido. Escutai-o falando de sua “Histoire de la Révolution”:

“Nunca, desde a minha Donzela de Orléans, havia eu sentido semelhante lampejo do Alto, uma tão luminosa projeção do Céu... Inolvidáveis dias; quem sou eu para os haver descrito? Ainda não sei, nem saberei jamais, como os pude reproduzir. A inacreditável felicidade de encontrar de novo isso tão vivo, tão intenso, depois de sessenta anos, tinha-me intumescido o peito de uma alegria heroica.”

1265. Inspirado, pregoeiro do invisível, não é menos Victor Hugo: “Deus se manifesta através do pensamento do homem – disse ele –; o poeta é sacerdote”. Ele acreditava na comunhão com os mortos. São conhecidas suas sessões de Espiritismo em Jersey, com a Sra. De Girardin e Augusto Vacquerie, descritas por este em suas “Miettes de l'Histoire”, como são conhecidos os versos por ele dirigidos ao Espírito Molière e os terrivelmente irônicos que a “Sombra do Sepulcro” lhe ditava com o auxílio dos pés de urna mesinha.

1266. Sem dúvida, a propósito dos homens de gênio, ele repele esse “erro de todos os tempos, de pretender-se dar ao cérebro humano auxiliares exteriores”. Semelhante opinião – Antrum adjuvat vatem – melindra o seu orgulho. Mas a si próprio se contradirá ele em muitos casos. Leiam-se, por exemplo, estes seus versos:

“Les morts sont des vivants mêlés à nos combats.

Et nous sentons passer leurs flèches invisibles.”

1267. Ao pé do túmulo de Emília Putron, proferia estas palavras que se tornaram célebres: “Os mortos são os invisíveis, mas não são os ausentes.” Na poltrona dos antepassados, que se via na sala de jantar de Hauteville-house, inscrevera estas palavras expressivas: Absentes adsunt. Não representa isso uma constante evocação dos que ele amara? Em todas as suas obras se encontram magníficas invocações às “vozes da sombra”, às “vozes do abismo”, às “vozes do espaço”.

1268. Certamente não pretendemos que Victor Hugo fosse médium no sentido restrito do vocábulo, como grande número de pessoas, aptas a obter fenômenos de mínimo valor. Esse pujante espírito não podia ser restringido ao papel secundário de intérprete dos pensamentos de outrem. Queremos dizer que o Além projetava sobre ele suas radiações e harmonias, as quais fecundavam o seu gênio e dilatavam-lhe até ao infinito o horizonte do pensamento.

1269. Em Henri Heine essa colaboração do invisível se traduz de modo sensível. Eis o que ele dizia no prefácio de sua tragédia “W. Radcliff”:

“Escrevi William Radcliff em Berlim, sob tílias, nos derradeiros dias de 1821, enquanto o Sol com seus enlanguescidos raios iluminava os tetos cobertos de neve e as árvores despojadas de suas folhas. Escrevia sem interrupção e sem fazer emendas. E, à medida que escrevia, parecia-me ouvir por cima da cabeça um como que ruflar de asas. Quando referi esse fato aos meus amigos, jovens poetas berlinenses, eles se entreolharam de um modo singular e me declararam unanimemente que, escrevendo, nada de semelhante a isso haviam jamais observado.”

1270. O que há de mais notável é que essa tragédia é inteiramente espírita; o desenvolvimento da ação e seu desenlace patenteiam a recíproca influência do mundo terrestre e do mundo dos Espíritos.

1271. Muitos autores célebres foram médiuns sem o saber. Outros tiveram disso consciência. Paul Adam, um dos mais fecundos escritores contemporâneos, francamente o confessou:

“Fui um poderoso médium escrevente. A Força que me inspirava tinha tal intensidade física, que obrigava o lápis a subir sozinho pelo declive do papel, que eu inclinava com a mão contrariamente às leis do peso. Essa Força não somente via no passado, que eu ignorava, como possuía a presciência do futuro. Suas predições eram de surpreendente realização, visto como, nada, absolutamente nada, me podia fazer prevê-las.”

1272. Nem todos têm essa franqueza, e preferem deixar crer em seus méritos pessoais, mas em geral os grandes gênios reconhecem de bom grado que são dirigidos por Inteligências superiores. Encontra-se em grande número de escritores contemporâneos essa espécie de obsessão do invisível. Hoffmann, Bullwer-Lytton, Barbey d'Aurevilly, Guy de Maupassant etc. a conheceram e exprimiram em algumas de suas obras. Participaram, em graus diversos, dessa comunhão das almas, de que surge desvendado o imenso mistério da vida e do espaço.

1273. Como se vê, em todos os domínios da arte e do pensamento os Céus vivificam a Terra. Os grandes músicos, os príncipes da harmonia, parece terem estado mais diretamente ainda sob a influência da mediunidade. Não somente a precocidade de alguns, como, por exemplo, de Mozart, atesta o princípio das reencarnações, mas também há, na vida dos compositores célebres, fenômenos absolutamente mediúnicos, que seria demasiado longo referir aqui. Sua história é de todos conhecida.

1274. Vimos atrás (no cap. XIV) que Mozart e Beethoven deram testemunho das influências ultraterrenas que lhes inspiravam o gênio. Outro tanto se poderia dizer de Haydn, Haendel, Gluck etc. Chopin tinha visões que, às vezes, o aterravam. Suas mais belas composições – sua “Marcha Fúnebre”, seus “Noturnos” – foram escritos em completa obscuridade. Toda a obra de Wagner repousa sobre um fundo de espiritualidade. E isso tanto é expresso nas palavras de “Lohengrin”, do “Tannhauser” e de “Parsifal”, como em toda a própria música.

1275. Os homens ilustres têm sido, em sua maior parte, médiuns auditivos. Foi ao despertar que, na maioria das vezes, compuseram suas obras. Dante denominava a manhã “a hora divina”, por ser aquela em que se exprimem as inspirações da noite. Belíssimas coisas haveria que dizer acerca das revelações noturnas feitas ao gênio. Os antigos conheciam o mistério dessa iniciação. Diziam eles: “O dia é dos homens; a noite pertence aos deuses.”

1276. Durante o sono as almas superiores remontam às esferas sublimes; mergulham nas irradiações do pensamento divino, em um oceano de sonoridade, de harmoniosas vibrações; aí descobrem os princípios e as causas da sinfonia eterna. Francisco de Assis e Nicolau de Tolentino sentiram-se imersos no êxtase, por terem escutado um eco longínquo, algumas notas esparsas dos concertos celestes, isto é, da orquestra infinita das esferas.

1277. O “Requiem” de Mozart não tem outra origem. Algumas horas apenas antes de seu desprendimento corporal, o mestre, com a mão já invadida pelo gelo da morte, traçou esse hino fúnebre, que foi a derradeira manifestação do seu gênio. Convinha que o ilustre médium, que durante toda a vida percebera as vozes melodiosas do Espaço, expirasse numa última harmonia e que sua alma se exalasse num lamento sobre-humano, de inefáveis inflexões, de que só são capazes os grandes inspirados, ao assomarem o limiar dos mundos gloriosos.

1278. Rafael Sanzio dizia que suas mais belas obras lhe haviam sido inspiradas e apresentadas numa espécie de visão. Dannecker, escultor alemão, afirmava que a ideia do seu Cristo, uma obra-prima, lhe tinha sido comunicada por inspiração, num sonho, depois de a ter inutilmente procurado em suas horas de estudo.

1279. Alberto Dürer velava, uma noite, e meditava. Queria pintar os quatro evangelistas e, tendo retocado esboços, que não exprimiam a seu gosto o ideal que imaginava, atirou os pincéis, abriu a janela e pôs-se a contemplar as estrelas. A inspiração lhe veio nesse momento de tristeza; invocou os seus modelos espirituais. A Lua projetava sua claridade nos monumentos e nas agulhas das catedrais de Nuremberg. E disse ele: “Permitistes a homens transformar aí lascas de pedra em construções harmônicas, de majestosas linhas. Consenti-me transportar para a tela esses santos enviados que trago na alma.”

1280. Ele viu então a igreja de São Sebald avermelhar-se em fogo, e nuvens azuis formarem um fundo em que se desenhavam as imponentes figuras dos quatro evangelistas, e exclamou: “Eis aí os rostos que tenho inutilmente procurado fixar!” Não é esse um caso de mediunidade, e não vemos atualmente o mesmo fato reproduzir-se com Helena Smith, a médium de Genebra?

1281. Muito havia que escrever sobre a intervenção das inspirações superiores no domínio da arte. Não haveria também a influência do Alto nesse poder da oratória que subleva e arrebata as multidões, como o vento subleva as ondas do oceano? Ela parece manifestar-se principalmente nos oradores de arrojados surtos que, em certos momentos, são como que suspensos da Terra e transportados em possantes asas, ou ainda nesses improvisadores, de frases sugestivas e sonora linguagem, cuja palavra flui em acelerados jorros, e que Cícero denominava “a torrente do discurso”. (Continua no próximo número.)

 

Respostas às questões preliminares

 

A. É verdade que Kant, o célebre autor da Crítica da razão pura, também atestou as faculdades mediúnicas de Emmanuel Swedenborg?

Sim. Numa carta enviada à Srta. De Knobich, Kant disse que a Sra. Harteville, viúva do embaixador alemão em Estocolmo, obteve por intermédio de Swedenborg uma comunicação de seu defunto marido, relativa a um documento precioso que não fora possível encontrar, apesar de repetidas buscas. O documento estava guardado numa gaveta secreta, cuja existência foi revelada à mulher pelo falecido, e que só ele conhecia. (No Invisível, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)

B. Balzac foi médium?

Sim. Em “Ursule Mirouet”, “Séraphita”, “Louis Lambert”, “La Peau de Chagrin”, Balzac tocou em todos os problemas da vida invisível, do ocultismo e do magnetismo. Todas essas questões lhe eram familiares e ele as tratava com a competência de verdadeiro mestre, numa época em que ainda eram pouquíssimo conhecidas. Era ele não somente um profundo observador, mas também um vidente na mais elevada acepção do termo. (Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)

C. Os mortos são invisíveis, mas não são ausentes. Quem disse tais palavras?

Foi o poeta e escritor francês Victor Hugo, que, como se sabe, acreditava na comunhão com os mortos. São conhecidas suas sessões de Espiritismo em Jersey, com a Sra. De Girardin e Augusto Vacquerie, descritas por este em suas “Miettes de l'Histoire”, como são conhecidos os versos por ele dirigidos ao Espírito Molière e os terrivelmente irônicos que a “Sombra do Sepulcro” lhe ditava com o auxílio dos pés de urna mesinha. Foi ao pé do túmulo de Emília Putron que ele proferiu estas palavras que se tornaram célebres: “Os mortos são os invisíveis, mas não são os ausentes.” (Obra citada, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)

 

 

Observação:

Para acessar a Parte 48 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2023/12/no-invisivel-leon-denis-parte-48-damos.html

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

 



CINCO-MARIAS

 

Pais, filhos e convivência

 

EUGÊNIA PICKINA

eugeniapickina@gmail.com

O ser humano é o mesmo em qualquer lugar, em qualquer tempo, em qualquer que seja a sua condição. Você pode ser rico ou pobre, mas os problemas que afetam verdadeiramente o ser humano são os mesmos. Ariano Suassuna

 

É fato: a infância é muito curta. Muito mais cedo do que se imagina, os filhos crescerão e baterão asas. Já não serão nossos.

Para crescerem com saúde e felicidade, os filhos dependem da convivência. Dos modelos cotidianos, que se repetem no tempo, no dia a dia colherão, sem dúvida, os exemplos de amor, cuidado, atenção, empatia, bons modos e também lições sobre cidadania.

Sabemos. A rotina parental é cansativa, exigente, pois criar filho não é tarefa fácil. Para mitigar o cansaço parental um bom remédio é o pai e a mãe terem tempo também para a solidão: ler um livro, ouvir música, ter um local na natureza onde seja possível libertar a mente, porque alguns momentos de solidão podem servir para iluminar o caminho que vem pela frente…

Testemunhei esses dias uma cena lamentável. No parque, no fim da tarde, uma mãe acompanhava a filha para brincar. Com a mão esquerda empurrava o balanço. Com a mão direita segurava o celular que estava vendo. Alheia à alegria da filha, essa mulher ignorava que em poucos anos sua filha não estaria mais ali. Não seria mais adequado esquecer o telefone para se concentrar à riqueza do momento com a filha?

Sim, uma criança precisa de uma família – e mesmo no mundo contemporâneo. Como não há “receita”, e sem esquecer que cada família tem sua forma de ser, seus arranjos e idiossincrasias, o primeiro passo para uma vida familiar positiva é entender que a única coisa a ser feita quando temos filhos é viver com eles e pais e filhos aprendendo mutuamente.

De outro lado, conforme os filhos cresçam os pais vão adquirindo a consciência gradual de que eles um dia voarão. Na forma natural das coisas…

Quando aspiramos a ser bons pais – pouco importa o que esse adjetivo encerre para nós – constatamos que é na convivência com os filhos que nos fazemos amorosos, confiáveis e responsáveis. O interesse de cada um reside, assim, na felicidade de todos. 

 

*

 

Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).

Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), ministra cursos e palestras sobre educação ambiental em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.

Seu contato no Instagram é @eugeniapickina

 

 

 

 

 

 

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quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

 



Revista Espírita de 1864

 

Allan Kardec

 

Parte 19

 

Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1864, periódico editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo é baseado na tradução feita por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.

A coleção do ano de 1864 pertence a uma série iniciada em janeiro de 1858 por Allan Kardec, que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando desencarnou.

Cada parte do estudo, que é apresentado às quartas-feiras, compõe-se de:

a) questões preliminares;

b) texto para leitura.

As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

 

Questões preliminares

 

A. Dar à luz uma criança deformada pode ser considerado uma expiação?

B. A faculdade chamada de dupla vista é o mesmo que visão espiritual?

C. As pessoas dotadas de visão espiritual são médiuns?

 

Texto para leitura

 

222. O Espiritismo vem rasgar esse mistério, provando que essas almas deserdadas desde o berço já viveram antes e apenas expiam, em corpos disformes, suas faltas passadas. (P. 283)

223. A mãe e o pai que dão à luz seres desgraçados como os da camponesa de Lutter são criaturas submetidas, de igual modo, a uma expiação, porque não existe uma única infração das leis de Deus que, cedo ou tarde, não tenha suas funestas consequências, nesta vida ou na seguinte. (P. 283)

224. Foi exatamente isso que informou um Espírito protetor em mensagem dada à Sociedade Espírita de Paris em 29-7-1864: “Não creais que essa mulher (...) seja vítima do acaso ou de uma cega fatalidade. Não: o que lhe acontece tem sua razão de ser, ficai bem convencidos”. “Ela é castigada no seu orgulho; desprezou os fracos e os enfermos; foi dura para com os seres infelizes, dos quais desviava os olhos com desgosto, em vez de os abarcar com um olhar de comiseração; envaideceu-se da beleza física de seus filhos, à custa de mães menos favorecidas; mostrava-os com orgulho, porque a seus olhos a beleza do corpo valia mais que a da alma; assim, neles desenvolveu vícios, que lhes retardaram o avanço, em vez de desenvolver as qualidades do coração.” (P. 284)

225. Mais um suicídio foi indevidamente atribuído pela imprensa às ideias espíritas. Filho de um médico, o suicida contava apenas dezenove anos quando desferiu um tiro na boca. Na semana seguinte à divulgação da notícia pelo Siècle, o Sr. d’Ambel informou pelas páginas do jornal Avenir que o Espiritismo era completamente estranho ao ato do rapaz, que, por haver fracassado em várias tentativas nos exames de bacharelato e temendo ser reprovado mais uma vez, suicidou-se em seguida a uma viva discussão com seu pai. Na verdade, diz o Sr. d’Ambel, o moço não conhecia a doutrina espírita, que, com certeza, o teria detido na rampa fatal, caso a estudasse. (PP. 284 e 285)

226. Na seção de livros, a Revista noticia o relançamento da obra A Pluralidade dos Mundos Habitados, revista e ampliada pelo Sr. Camille Flammarion, que tratou da questão da existência de vida em outros mundos do ponto de vista da astronomia, da física e da filosofia natural. Sem qualquer referência ao Espiritismo, a obra constitui, ainda assim, documento valioso por confirmar a tese esposada pela doutrina espírita acerca do assunto. (P. 286)

227. Encerrando o número de setembro, Kardec anuncia o surgimento em Bordeaux de mais um periódico espírita: A Voz de Além-Túmulo, a quarta publicação espírita surgida na mesma cidade, que contava em sua direção com o confrade Aug. Bez. (P. 286)

228. O número de outubro de 1864 começa com um artigo a respeito dos espelhos mágicos, nome dado a objetos de reflexos geralmente brilhantes, como o gelo, placas metálicas, garrafas e vidros, nos quais certas pessoas veem imagens que lhes possibilitam responder a perguntas que lhes são dirigidas. (P. 289)

229. O fenômeno não é extremamente raro e pôde ser observado por Kardec no cantão de Berne, na Suíça, onde um camponês de 64 anos, muito religioso e com formação protestante, gozava da faculdade de descobrir fontes e de ver num copo as respostas às perguntas que lhe faziam. (PP. 289 e 290)

230. Eis alguns curiosidades a respeito do caso:

I) O sensitivo se recusava a responder às perguntas que visassem à cupidez ou à realização de algum desígnio mau.

II) O mesmo procedimento adotava se as perguntas fossem fúteis ou de pura curiosidade.

III) O copo por ele utilizado era um copo comum para água, mas estava sempre vazio: em nenhuma hipótese ele o usava para outra coisa.

IV) Quando lhe faziam alguma pergunta, ele concentrava a atenção e a vontade no assunto proposto, olhando no fundo do copo, onde se formavam de imediato as imagens das pessoas, que ele descrevia, física e moralmente, como o faria um sonâmbulo lúcido. (PP. 290 a 292)

231. Depois de relatar alguns fatos ocorridos com o sensitivo, Kardec atesta que ele era dotado de uma faculdade especial e, realmente, via. O exame atento do fenômeno - diz o Codificador - demonstra uma completa analogia entre sua faculdade e o fenômeno designado sob o nome de segunda vista, dupla vista ou sonambulismo desperto. Ela tem, pois, o seu princípio na propriedade radiante do fluido perispiritual, que permite à alma perceber, em certos casos, coisas a distância. (P. 294)

232. O copo constituía, no caso, um simples acessório, porque tal faculdade é inerente ao indivíduo e não ao objeto. Essa é a razão por que nem todos veem nos chamados espelhos mágicos, visto que, para isto, não basta a visão corporal; é preciso ser dotado da dupla vista, que seria mais exatamente chamada visão espiritual - o sexto sentido ou sentido espiritual, de que tanto se falou e que, como os demais sentidos, pode ser mais ou menos obtuso ou sutil. (P. 295)

233. Criticando a expressão espelhos mágicos, que ele propõe seja substituída por espelhos espirituais, Kardec encerra o artigo reafirmando que a visão espiritual é um dos atributos do Espírito e constitui uma das percepções do sentido espiritual, que se expande sempre que uma causa exterior entorpece os sentidos corpóreos. As pessoas dotadas de visão espiritual são médiuns? Sim e não, conforme as circunstâncias. A mediunidade consiste na intervenção dos Espíritos; o que se faz por si mesmo não é um ato mediúnico. (PP. 296 a 298)

 

Respostas às questões propostas

 

A. Dar à luz uma criança deformada pode ser considerado uma expiação?

Sim. A mãe e o pai que dão à luz seres desgraçados como os da camponesa de Lutter são criaturas submetidas, de igual modo, a uma expiação, porque não existe uma única infração das leis de Deus que, cedo ou tarde, não tenha suas funestas consequências, nesta vida ou na seguinte. Foi exatamente isso que informou um Espírito protetor em mensagem dada à Sociedade Espírita de Paris em 29-7-1864. (Revista Espírita de 1864, pp. 283 e 284.)

B. A faculdade chamada de dupla vista é o mesmo que visão espiritual?

Sim. Kardec diz que a faculdade da dupla vista seria mais exatamente chamada de visão espiritual, sexto sentido ou sentido espiritual, que, como os demais sentidos, pode ser mais ou menos obtuso ou sutil. (Obra citada, pág. 295.)

C. As pessoas dotadas de visão espiritual são médiuns?

Sim e não, conforme as circunstâncias. A mediunidade consiste na intervenção dos Espíritos; o que se faz por si mesmo não é um ato mediúnico. (Obra citada, pp. 296 a 298.)

 

 

Observação:

Para acessar a Parte 18 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2023/12/revista-espirita-de-1864-allan-kardec_0131893452.html

 

 

 

  




 

 

 

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